The Crown – Temporada 6, Parte 2
Texto por Bernardo Semblano @bernardosemblano
A nova parte de The Crown, estreada a 14 de dezembro, simboliza o final da série para a Netflix. Uma das joias da coroa da plataforma de streaming despede-se dos seus súbditos, dos seus telespectadores e das premiações. Com um total de seis temporadas e 60 episódios, a série propôs-se a contar a história de, aproximadamente, seis décadas de reinado de Isabel II do Reino Unido.
Algo revolucionário que o programa trouxe para o seu público foi a rotatividade do elenco. Sendo que cada temporada representa, em média, uma década da vida da Rainha, manter os mesmos atores com maquilhagem e próteses poderia dar um ar muito artificial à série. Como tal, a troca de atores no final das temporadas números dois e quatro gerava sempre antecipação em torno dos novos atores elencados pois, estes teriam a oportunidade de usar as suas respetivas coroas durante um período fictício de vinte anos. Esta rotatividade foi mais notória e demarcada nos papéis de Rainha Isabel, Princesa Margarida e Príncipe Filipe.
Na segunda parte da temporada final, vamos encontrar a Coroa – instituição – num período pós a morte da ilustre Princesa Diana. Tal como seria de esperar, com a ausência trágica desta personagem, a própria série perde alguma luz e torna-se num lugar mais hostil. Vamos encontrar pessoas muito reservadas e pouco sentimentais a lidar com a perda desta grande figura.
Esta rigidez dos vários elementos da família real – com a exceção dos Príncipes William e Harry – só vem demarcar ainda mais porque Diana chocava tão naturalmente com a família Windsor.
Nestes últimos seis episódios vão ser postos em perspetiva os acontecimentos entre 1997 e 2005. Começando com o Príncipe William a voltar à escola após o funeral da sua mãe até ao casamento de Carlos e Camila.
Após a escolha questionável de, desde o final da quarta temporada, tornar a Rainha Isabel II numa personagem secundária dentro da sua própria história, Imelda Staunton finalmente ganha espaço para respirar e entrega uma atuação digna das suas precedentes Claire Foy e Olivia Colman. Esta versão da Rainha é marcada pela mágoa da mulher que perdeu no dia da sua coroação e, também, pela perda de familiares queridos. Tal como na vida real, existe um grande questionamento dentro do sistema se esta não se encontra demasiado idosa para continuar a segurar o seu papel como soberana e é tão refrescante ver uma personagem perto dos 80 anos com tanta agência e camadas na sua personalidade. Coisas que, mesmo na vida real, acabámos por castrar a pessoas próximas destas idades.
Relativamente à perda de entes queridos, Isabel tem de confrontar-se, num curto período de tempo, com a perda da irmã, Margarida, e da sua mãe. A Princesa Margarida, em particular, protagoniza um dos seis episódios finais e com toda a excentricidade e gana que fez com que ganhasse novos admiradores, mesmo passados 20 anos do seu falecimento. Lesley Manville estrela o seu episódio com muita dignidade e rebeldia porque, mesmo com a decadência da saúde da Princesa, após uma vida repleta de excessos, sobretudo no que diz respeito ao álcool e tabaco, a sua determinação e espírito mantém-se inabalados. E, pelo menos em ficção, a Princesa foi fiel a si mesma até ao seu último suspiro. Em suma, um episódio muito forte para ser considerado nas categorias de guião e interpretação para premiações.
Relativamente ao Príncipe Carlos, a série, para o estranhamento de grande parte do público, sempre o pintou de uma forma muito positiva, sobretudo após Dominic West herdar o papel deixado por Josh O’Connor. West tem, então, de encontrar um balanço entre se tornar um pai solteiro para dois filhos adolescentes que não poderiam ser mais diferentes, um afastamento forçado de Camila Parker Bowles e o facto, de se achar preparado para assumir o papel da mãe como soberano do seu país.
Sobre os seus filhos William e Harry, estes começam a ter uma presença cada vez mais forte dentro da trama. Sobretudo o primeiro. A série mostra, então, uma versão romantizada da aproximação entre o jovem Príncipe e Kate Middleton enquanto estes estudam na Universidade St Andrews. Ao mesmo tempo, Harry faz algumas rebeldias por detrás dos panos. Mas, existe uma grande premonição para um possível afastamento dos irmãos.
Enquanto que a escolha do casamento de Carlos e Camila possa parecer um acontecimento questionável para encerrar a série, até porque, é fácil para o público estar contra este relacionamento por todo o sofrimento que acarretou, a Rainha acaba por ser a personagem principal por detrás deste acontecimento mediático. No fecho da série, que conta com participações especiais, vai-nos fazer refletir sobre como, apesar de todas as suas falhas, Isabel sempre foi uma mulher digna de comandar o seu país. Por tão tradicional que nos pareça nos dias de hoje, ela sempre foi uma figura moderna e desafiadora do status quo se, na primeira temporada, era por ser uma mulher jovem e inocente, num cargo desenhado para beneficiar o patriarcado, agora, na última temporada, a sua inovação foi manter-se no trono duma forma capaz, apesar de estar no inverno da sua vida. Sempre pronta para dar a vida pelo seu país e, não menos importante, pela sua família.
Apesar de a qualidade da série ter diminuído a partir da quinta temporada, talvez por ser mais difícil receber acessos mais próximos das verdadeiras figuras tendo em conta a relativa proximidade dos eventos retratados, The Crown arca com a grande responsabilidade de nos trazer a Rainha de volta aos nossos televisores quando a perdemos tão recentemente. No entanto, o criador Peter Morgan teve o carinho e o cuidado de orquestrar um glorioso e triunfante segundo adeus a Isabel. Colocando a série, mais uma vez, como uma forte candidata para premiações em direção, guião e interpretação.
Para concluir, podemos dizer que esta foi uma despedida digna de uma rainha e que, a perda de Isabel II será sentida pelo Mundo uma segunda vez.