Arte de Rua Queer

Pixa Bixa é dos projectos mais estimulantes que despontaram recentemente no panorama da arte urbana lisboeta. Não porque lancem murais do tamanho de prédios ou porque sigam pela previsibilidade fácil do aparato plástico, é pela temática: arte de rua queer. Não secundam a estética, mas é pela intervenção, pura e dura, arremetida via cartazes, stencil e autocolantes, que se fazem notar pelas fachadas.

Identificação : Preferem ser identificados como colectivo ou grupo de intervenção ou par, como se nomeariam?

Pode chamar a gente de Pixa Bixa, duas pessoas que estão a tentar fazer o que chamamos de arte de rua queer.

Actuação : Criaram esta persona – este artista – como forma de suplementar uma ausência que identificaram no activismo de rua?

Já tínhamos notado uma certa ausência de intervenções artísticas na cena urbana em Lisboa voltada para a temática queer, ou seja, uma arte de rua com um apelo mais orientado para as causas LGBTQI+ que não só provocasse o olhar e o questionamento das pessoas, mas também que mostrasse o trabalho de artistas que trabalham e pensam sobre esta temática.

Alcance : Viram como necessário este confronto e esta intervenção? O que é que identificaram neste país – e noutros, se assim se dilatarem espacialmente, – que pede esta vossa passagem para as ruas?

O confronto é necessário sim, até porque a cena da arte urbana ainda é dominada por um certo tipo de arte mainstream, perdendo um pouco o seu carácter de arte de intervenção e de confronto. A arte urbana tem acabado por convergir para o ramo mais comercial da coisa. Hoje em dia já está tão institucionalizada que já se vê a arte urbana como um instrumento mais de decoração de paredes e muros do que de confronto e debate social. Como vivemos em Portugal essa impressão veio daqui. Falta imenso trabalho a ser feito a fim de educar a sociedade para aceitar e compreender a cultura queer, mesmo no meio artístico que ainda mantém algum conservadorismo na forma que se expressa nas ruas. No Brasil, de onde viemos, também sentimos alguma ausência, mas não tanto como aqui. Lá já encontramos algumas manifestações dentro do campo da street art que convocam o confronto social em relação aos temas que estamos a tratar aqui em Portugal.

Processo : Em termos artísticos, reparei que usam inúmeros meios, diversos modos de fazer, de stencil a stickers, etc. Qual é o vosso processo, como é que iniciam um dado trabalho e decidem qual é o melhor veículo para o comunicar?

Temos criado basicamente 4 tipos de intervenção: stencil, autocolantes (stickers), cartazes e os pasteups, que são os trabalhos de maiores dimensões. O processo de criação começa por avaliar nossas próprias questões acerca da nossa identidade queer. Trazemos para as nossas criações aquilo que nos incomoda na sociedade neste campo e daí partimos para a elaboração estética que provoque no espaço urbano. É a partir da utilização de imagens e frases que chamem a atenção para o corpo, para a questão sexual que desenvolvemos o trabalho, ou seja, criamos um impacto visual para chamar a atenção das pessoas. Por enquanto temos trabalhado assim: as mais provocativas são transformadas em autocolantes e em cartazes A3 e A4, que colamos principalmente em caixas de electricidade. E os posters/pasteups usamos para chamar a atenção através de uma figura, seja de uma personalidade do mundo queer ou de uma imagem mais provocativa como a de um homem trans que colámos em Campo de Ourique.

Objecto : Reparei que evocam também personalidades, homenageando-as nos vossos trabalhos e peças. Personagens estes, como a Linn da Quebrada, por exemplo, também ela não isenta de polémicas. Conduz-me por este recurso, explica-me um pouco destas homenagens.

Esses cartazes, geralmente de maiores dimensões, foram criados com a ideia de ocupação do espaço público de uma forma mais imponente, que chame a atenção não só pelo tamanho e pelo tratamento artístico do trabalho, mas também pela representação de uma pessoa LGBTQI+ que tem recebido algum destaque dos média. Essas personalidades são essenciais para pensarmos as diferenças sexuais entre as pessoas e trazê-las às vistas de todos nas ruas; parece-nos mais um acto de reivindicar um discurso queer e fazê-lo inegavelmente visível.

Sustentabilidade : Que nos reservam, querem revelar planos? Deixem aí um manifesto se quiserem.

Por enquanto queremos continuar a experimentar as ruas através das intervenções que temos feito. Ocupar mais zonas onde a densidade da street art ainda é muito baixa, por exemplo, bairros mais residenciais onde não se vê quase nada. Também queremos criar o diálogo com outros artistas de rua fazendo colagens em locais onde já se vê mais intervenções urbanas, as regiões mais centrais onde há mais fluxo de pessoas. Queremos fazer do discurso viado algo que incomode o fluxo dos cidadãos, queremos arte queer em toda parte. Um grande obrigado e um enorme abraço, PxBx.

Texto de Rafael Vieira , para a revista PARQ, edição de Março de 2019 – versão completa