A transmutação da dor
texto por Sofia Seixo Garrucho
Aya, artista natural de Manchester, lançou em outubro de 2021 “im hole”, o seu LP de estreia, com selo Hyperdub. A artista apresentou este álbum no festival MUPA, em Beja, no passado dia 24 de junho e a PARQ esteve à conversa com ela, após a sua sublime performance.
Após a atuação de Manuel João Vieira Trio, Aya anunciava o início de uma noite que ficaria demarcada pela vanguarda eletrónica, claro, à exceção do primeiro concerto. Trazia a sua maquinaria, onde começou por criar uma atmosfera de suspense com sonoridades de Ambient e Drone, sobre as quais começava a declamar poesia auto-biográfica com a sua voz sintetizada. Ouvíamos “me more” repetidamente e percebíamos que nos encontrávamos perante alguém que procurava dar mais a si.
“Red or blue…” quereria a artista mencionar os comprimidos de “Matrix”, que nos dão ora a verdade (e consequentemente a dor que lhe é inerente) ora a ignorância (que nos permite viver de forma mais feliz)? Não. “Red shoes or blue shoes”, será apenas uma dúvida circunstancial que todas as pessoas têm e que, por vezes, nos tira demasiado tempo de vida? “And don’t forget to breathe”, nota importante para a sobrevivência, assim como usar os sapatos certos para o outfit que estamos a usar.
“Tik tok, tik tok” o tempo passa e a cantora marca-o. Entrávamos coletivamente num ataque de ansiedade com indícios de psicose: “they say the clock is right twice a day”. “Last year I came down from a hole with a broken thumb and a note on my phone. Four words: the vibe had changed”, este buraco sabemos que é um k-hole, depois de a artista relatar à Metal Magazine, aquando lançamento do seu álbum, que este se debruçava sobre ketamina, depressão e sexo debaixo do mastro Emley Moor. Continuava intercalando as questões anteriores [“me more” e “red shoes or blue shoes”] com risos delirantes. Por fim “hello, everyone, and welcome to the show”.
A batida começa a ser cada vez mais presente e a sua voz menos percetível, entre tarolas, 808s e percussões eletrizantes. Contudo, conseguimos perceber que fala duma relação falhada, onde é vítima de gaslight. As texturas que cria nas suas composições são o resultado de anos de trabalho. Aya contou à PARQ que começou a produzir muito cedo, pois o seu pai tinha um computador em casa com programas de produção quando ainda era criança.Os softwares de produção musical fizeram parte do desenvolvimento da artista e já com 7 anos brincava no Fruity Loops. Aos 14 anos, após já ter passado anos a tocar instrumentos acústicos, aventurou-se na produção de música eletrónica e cerca de 3 anos mais tarde percebeu que era a isso que queria dedicar a sua vida.
Também declara que atua desde muito cedo. A sua mãe é atriz, assim como o seu pai, tendo por isso entrado para o mundo da representação aos 8 anos. Desta forma, sente-se bastante confortável em palco. E conseguimos perceber isso na sua performance. Aya vai conversando com o público ao longo do concerto e quando está a tocar a “OoB Prosthesis”, salta do palco para junto do público e canta-a viajando pela plateia.
Estas “vinhetas autobiográficas” surgem sempre em instrumentais bastante diversificados. Com um carácter de Deconsctructed Club intrínseco, tanto encontramos laivos de Ambient e música concreta, como ouvimos batidas de Footwork, UK Garage e Dub, não terá sido ao acaso que este LP foi escolhido pela Hyperdub. É, sem dúvida, um dos mais intrigantes trabalhos de música eletrónica experimental lançados em 2021 e uma atuação que todas as pessoas devem ver pelo menos uma vez na vida, pois ninguém sai dum concerto como este indiferente ao que ali se passa e se diz. E quem não pôde ver Aya no Festival MUPA, terá uma segunda oportunidade em novembro, no Mucho Flow, em Guimarães.
texto de Sofia Seixo Garrucho para PARQ_76.pdf (parqmag.com)