O som do trovão do novo Jazz britânico

Fyah, a estreia em nome próprio do tubista Theon Cross, é um óptimo retrato da vibrante cena jazz britânica que parece ter encontrado eco generoso em Portugal uma vez que ao longo dos próximos meses vários serão os artistas – incluindo Theon, programado para o cartaz do Nova Batida, como de resto Nubya Garcia – a apresentarem-se entre nós.

Para atear o seu Fyah, Cross requisitou aliás os serviços da saxofonista Nubya Garcia e também do baterista Moses Boyd. Esse é o trio base de um álbum em que Theon Cross ainda conta com participações pontuais do seu irmão Nathaniel Cross no trombone, Wayne Francis no sax tenor, Artie Zaitz na guitarra eléctrica ou Tim Doyle na percussão.

E é impossível não ler no som da tuba de Theon, sobretudo no seu registo mais grave, o mesmo tom sombrio que inspirou nos últimos anos o hardcore continuum de Burial ou The Bug, um trovão fundo que parece ser a tradução musical do funcionamento das entranhas de uma mega-cidade como Londres, sobretudo à noite, quando o registo médio do tráfego diurno desaparece para revelar um drone grave que parece emanar dos circuitos que alimentam os grandes edifícios, do complexo sistema subterrâneo de transportes e, claro, das vibrações abafadas que dezenas de clubes equipados com poderosos sistemas de som deixam escapar pelas frestas das suas portas insonorizadas para as ruas.

O som de Cross, resultado do seu complexo processo de crescimento como músico, dos incontáveis gigs informais em que vai participando (ele é um dos mentores do colectivo Steam Down e das suas escaldantes sessões num clube montado no subterrâneo da estação de comboios de Deptford que todas as quartas-feiras atrai uma multidão de músicos), mas também da música das rádios piratas que emitem a partir das torres da inner city — grime e hip hop, garage e dubstep, house e drum n’bass –, parte da tradição do jazz, mas recusa-se a ser contido aí, alargando-se de forma exploratória para terrenos nunca anteriormente explorados por outros executantes deste instrumento.

Ter ao seu lado músicos de considerável fôlego técnico e de reconhecida bravura criativa como Nubya Garcia e Moses Boyd, eles próprios exploradores de novas paisagens nos diferentes projectos em que estão envolvidos, dá a Cross uma segurança acrescida para se espraiar num conjunto de peças que são esculpidas pela composição espontânea que o improviso jazz proporciona, mas que são em igual medida balizadas pelo dub, afrobeat ou grime.

Theon é um líder cuja generosidade não se deve apenas imputar às limitações naturais do seu instrumento, muito usado como fonte de estímulos harmónicos para a voz solista predominante, mas também porque é esse realmente o espírito que emana do seu fogo particular. O músico tem passagem por Lisboa garantida pela presença no cartaz do Festival Nova Batida de que será, certamente, um dos pontos altos. E aí poderemos todos comprovar se o calor que se desprende deste Fyah é ou não real resultado de uma profunda combustão criativa que alimenta este músico.

Texto de Rui Miguel Abreu para a PARQ, de Maio de 2019