texto Tatá Seixo Garrucho
fotografia: Raquel Esperança
Viegas é um rosto já conhecido na noite lisboeta. Começou em 2016 a ocupar os DJ Booths da capital portuguesa, tendo já passado por cidades como Paris, Londres, Atenas, Berlim. Criou em 2020 ARVI+, uma das mais proliferas festas produzidas em solo nacional. Entre o NADA Temple (Lisboa) e o Passos Manuel (Porto), a ARVI+ vai enchendo salas de ravers que procuram a sua libertação através da dança e da moda.
A Club Couture tem o seu lugar marcado nesta festa, vemos isso pela forma como as pessoas se expressam através das suas roupas e maquilhagem, mas também pelas performances apresentadas: já houve apresentações de EricEric, por norma há uma Drag Queen a ser Mestre de Cerimónias e, neste último evento, Beruno e Pedro 420Bombshell trouxeram um salão de cabeleireiro para dentro do clube, onde Pedro arranjou o cabelo de Beruno e de algumas pessoas que se encontravam no público.
A PARQ esteve à conversa com o DJ e promotor João Viegas para saber um pouco mais sobre as intenções que tem com a ARVI+ e sobre a cultura de clube e rave em Portugal.
Como aconteceu teres começado a tocar música?
Na verdade comecei por fotografar concertos e gigs de música electrónica, e depois naturalmente comecei a interessar-me cada vez mais pela música e a sair à noite. Nessa altura eu estava a colaborar com a Rabbit Hole e Marum convidou-me para tocar numa dessas míticas festas, na ZDB.
Tens em mente algum tipo de ativismo na música que escolhes passar, ou a seleção é puramente estética?
É muito difícil pensar na estética como algo puro…acredito que as escolhas musicais são fruto de lógicas que podem estar mais ou menos presentes quando fazes a seleção, e isso ter (ou não) uma leitura política. Se eu passar um remix de uma música pop, por exemplo, podes ler essa escolha como algo “puramente estético” ou então pensar como a música pop foi descredibilizada durante imensos anos, como a história do clubbing em Portugal foi moldada por atitudes e visões machistas e elitistas. Assim, quando tocas estas músicas para um público queer, parece que se abre um portal para um imaginário de referências comum, e isto é muito importante na construção identitária. Por norma os géneros que mais me interessam na música de dança são aqueles mais periféricos, talvez por também ter crescido nos subúrbios e por ter sido estimulado desde criança para ouvir todo o tipo de música. Mas não vejo nisto necessariamente nenhum tipo de ativismo.
O que sentias que faltava na noite lisboeta quando começaste a ARVI+?
Quando comecei a ARVI senti que faltava uma festa que celebrasse a diversidade de sonoridades do clubbing contemporâneo, que não se cristalizasse numa fórmula, e que permitisse dar espaço para novos artistas apresentarem o seu trabalho, dando prioridade à comunidade LGBTQIA+ e a outros grupos menos representados. Senti também que havia uma nova geração que começava a sair à noite e a interessar-se por música eletrónica e que tinha poucos lugares para tocar, independentemente da sua experiência ou das suas capacidades técnicas.
E querias trazer algo de novo com esta festa? O quê?
Eu vejo a ARVI como algo que vem na sequência de um trabalho que está a ser feito por vários coletivos na cidade já há alguns anos, e com os quais tenho vindo a colaborar. Talvez a grande novidade da festa tenha sido a possibilidade de coexistirem na mesma noite sonoridades que não estamos habituados (ou que não estávamos na altura) a ver no mesmo line-up, como por exemplo um set reggaetón seguido de um de hardcore. Essa vontade de derrubar barreiras e de fazer cruzamentos entre públicos, e ao mesmo tempo abrir espaço para novos artistas, espero que seja algo que associem à ARVI.
Tens dado espaço a Drag Queens e performers para atuarem na tua festa, assim como a designers para explorarem o seu ofício e ao mesmo para manterem a mesma estética. Sempre foi um objetivo criar esta plataforma interdisciplinar?
Sem dúvida. Gosto de pensar na ARVI como uma plataforma artística acima de tudo, e por isso as performances são tão importantes para nós como um dj ou live set. A nossa equipa neste momento é composta por djs e designers, e o trabalho de ambos é essencial para construir a identidade da festa. Tanto eu como Tomás (Glabra) e a Sara (Saetern), que são a equipa de designers que está por trás de todas as decisões que são tomadas para a festa, não só relativas à parte gráfica como também à curadoria, decisões de produção, etc, tivemos algum tipo de formação artística. No futuro a ideia é conseguirmos abranger ainda mais áreas artísticas e apresentar outro tipo de propostas, que não seja necessariamente o formato de rave, e de convidarmos mais pessoas para se juntarem à equipa.
Começaste a ARVI+ em 2019, contudo neste último evento celebraste o segundo aniversário. Qual foi o motivo por trás desta escolha?
Boa pergunta! Em primeiro lugar, a primeira ARVI aconteceu no dia 29 de Fevereiro de 2020, talvez o dia mais peculiar do calendário já que só se repete de quatro em quatro anos. Além disso, pouco tempo depois da primeira festa o mundo parou por causa do confinamento, e só 1 ano depois podemos começar a voltar a fazer eventos. Então achámos que faria mais sentido descontar esse ano que estivemos forçadamente parados.
Sentes que esta nova geração de ravers procura expressar-se mais através de outfits, penteados e maquilhagem do que a anterior? Se a resposta for positiva, pensas que essa vontade e liberdade existem porque foi criado anteriormente esse movimento ou é algo que é inerente à geração Z?
Não acho que seja algo inerente à Gen Z, até porque existe uma história da vida noturna e das suas subculturas que não pode ser esquecida, tanto em Portugal como em outros lugares onde estes movimentos tiveram ainda mais expressão. Claro que as redes sociais permitiram que as referências circulassem a uma maior velocidade, então este imaginário da rave está muito mais difundido atualmente. Para mim a ideia de herança, e de reconhecer que as gerações atuais carregam consigo o legado que foi passado pelas anteriores, é muito importante. Por outro lado, reconheço que desde que comecei a tocar existem cada vez mais pessoas sem medo de se expressarem nas festas, de experimentarem através da moda romper as barreiras impostas pelos binários da normatividade, e isso também pode estar relacionado com alguns triunfos políticos da comunidade LGBQTIA+ e da sua aceitação social.
Para além de seres DJ e promotor, tens feito outros trabalhos dentro ou fora da área que queiras partilhar?
Além de DJ e promotor tenho trabalho maioritariamente em comunicação, em projetos artísticos/culturais, e também em direção artística e curadoria. Tenho também saudades da fotografia, é algo que espero que possa voltar a fazer mais parte da minha vida num futuro próximo. Comecei também a produzir música, mas sobre isso vamos com calma 🙂
texto Tatá Seixo Garrucho para PARQ_78.pdf (parqmag.)