Crónica de Patrícia César Vicente
Ilustração de Effe News
Há uns tempos estava a fazer o guarda-roupa para uma série que ainda não vos posso revelar o nome, ainda não saiu. Mas por agora, o que importa saber é que no meio da azáfama total, absoluta e em 110% das vezes, também caótica tivemos um pequenino problema.
O departamento de arte, criou, elaborou, e depois foi à sua vidinha. Deixando a produção com um menino nos braços, como se costuma dizer. No início até é fácil manter e organizar, mas é na parte do caos, do não há tempo, do tudo e mais alguma coisa nos acontece que o departamento de arte começou a falhar. Lembro-me do desespero das pessoas ao entrarem pelo guarda-roupa a dentro, e de uma forma pseudo-agressiva e com uma ansiedade possível de detectar desde os trópicos e perguntarem: “Temos ali um problema. Tu sabes quem é e onde é que está a responsável da arte?” E eu perante aquele cenário, em que já toda a gente deveria saber que o departamento de arte estava reduzido a nada mais, nada menos do que zero pessoas, dei por mim a responder: “Não sei da Cátia! Fala com a produção para saber se sabem da Cátia!” E nisto, o ser humano ia à sua vida, e eu continuava a vestir os actores.
Os actores perguntavam-me: “Quem é a Cátia? Há aqui alguma Cátia?” E eu respondia prontamente: “Sei lá quem é a Cátia.” E riam-se.
A verdade é que a arte fez-se com a ajuda da Cátia, quer acreditem, quer não acreditem. No momento em que realmente aparecer o departamento de arte toda a gente ajudou. Até eu dei por mim a escolher almofadas e colchas de cama anos oitenta. Até a equipa técnica deu ideias e ajudou a empilhar e desarredar cómodas e sofás. Quando o momento era decisivo havia sempre uma ou mais Cátias para ajudar. E fez-se. Não nas circunstâncias perfeitas, ou ideais, mas a verdade é que certo dia próximo da última semana de filmagens estávamos todos reunidos em set, e começaram a perguntar pela Cátia, a directora de produção perguntava “Mas qual Cátia?”, e o rapaz do som dizia: “Eu não sei quem é, mas dizem que a Cátia é a responsável da Arte”, os actores que iam filmar: “Eu achava que a Cátia era ela”, enquanto apontavam para uma assistente de produção. A assistente acenava que não e a chefe de produção dizia que ela era assistente. Todos incrédulos a olhar uns para os outros pergunta o realizador “Mas afinal quem é a Cátia?” e olharam todos para mim. Respondi: “Sei lá quem é a Cátia, mas tanto me chateram para saber da directora de arte que sempre que me invadiam o guarda-roupa eu dizia-lhes para irem ter com a Cátia, e eles iam.” A conclusão é simples, sempre que lhes dizia para irem ter com a Cátia, eles iam. E depois uns faziam, e os outros quando apareciam para gravar pensavam que a Cátia já tinha feito a parte que lhe competia, e assim sucessivamente até quase ao final das gravações. É óbvio que foi motivo de piada até hoje. Sempre que faltava alguma coisa, as pessoas começavam a dizer “Pede à Cátia”. E assim ficou. Se o fiz de propósito? Nem um pouco. Estava longe de imaginar o desfecho, mas a verdade é que em tudo na vida é assim. Há sempre uma Cátia dentro de nós. Aquele expressão de andar em frente que o chão aparece, é sempre quase certa. Porque mesmo sem as pessoas ideais, sem as circunstâncias que queremos, os astros alinhados, com ou sem Mercúrio retrógrado, com mais ou menos dinheiro, a verdade é só uma: temos de dar o nosso melhor com o que temos e as Cátias brotam à medida que caminhamos. Precisei de algum tempo para parar de me rir desta história e ver o lado romântico, optimista e até poético. Seremos sempre nós a principal fonte de mudança dos nossos dias. E quando não acreditarem de que são capazes, façam-me um favor, liguem para a Cátia.
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