Texto de Sara Valente
Fotografia de Bernardo Casanova
Duarte Melo, artista multidisciplinar nascido em Lisboa. Formado na Escola Profissional de Teatro de Cascais (EPTC) e licenciado na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), atualmente está a tirar mestrado em Artes Cénicas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) ao mesmo tempo que continua a desenvolver o seu trabalho artístico.
Quando eras pequeno imaginavas-te a trabalhar para o sector artístico?
Não, mas talvez para as pessoas à minha volta fosse previsível. Lembro-me de ser criança, e até adolescente, e ficar parado no meio da rua a olhar para as pessoas a andar, a interagir, de ouvir uma pessoa com um sotaque diferente do meu e de imediatamente reproduzi-lo. Meti-me muitas vezes em situações constrangedoras (ri-se). Mas não, não nasci a querer ser ator. Tive a minha fase em que não sabia o que queria. Sinto que as coisas se foram construindo nesse sentido, com pessoas que me impulsionaram mas acima de tudo com vontade de perceber melhor o que é que é isto de criar, a partir de mim ou de algo distante de mim.
Que pessoas são essas, que mais te impulsionaram?
Em primeiro lugar os meus pais, que vêm da área da ciência mas nunca colocaram de parte a importância de ler livros, ir ao cinema, ao teatro, viajar para outros lugares que não a realidade quotidiana onde se vive. Sempre me estimularam a querer ver mais, e acima de tudo de querer saber mais. E depois pessoas que me fui cruzando, na vida pessoal ou profissional, que constituíram um lugar importante para o meu desenvolvimento artístico. E principalmente que me estimularam, porque eu prezo isso nas pessoas que estão à minha volta. Tenho também artistas-referências que carrego no meu trabalho, como João Garcia Miguel, Jean Genet, Pina Bausch, Nietzsche, centenas de poetas.
Como é que olhas para o teu percurso artístico, até chegares a esta conversa?
Olho com olhos de quem vê uma coisa já lá está e que dificilmente se consegue desfazer, e de quem agradece pelo caminho encarregar-se de se construir também por si próprio, com consciência e trabalho. Sinto que as coisas vieram no momento certo, que não passei por cima de nenhum passo e que respeitei o natural desenvolvimento das coisas, e principalmente de mim. O meu percurso foi-se construindo piece by piece.
Sendo que já trabalhaste em várias frentes, teatro, televisão, performance. Em que tipo de trabalho te revês mais?
Talvez a performance. Porque permite-me falar sobre mim com mais profundidade, e colocar-me no mundo. Sinto que ainda estou numa fase de descoberta. Gosto de corpo num pequeno ou grande ecrã, de corpo no espaço, de dizer palavras de outros como minhas e também palavras minhas como espelho às minhas inquietações. E também de me colocar em situações fora da minha realidade. A televisão e o cinema permitem-me isso.
Falavas da importância de falar deste tempo e das tuas inquietações e urgências?
Para mim enquanto criador, ou intérprete-criador, é importante falar deste tempo e deste corpo, que carrega milhares de anos de história e outros milhares que estão por vir num futuro incerto e por certo não feliz se continuarmos na mesma direção. Gostei do trocadilho com a palavra certo, que também só por si é relativa (ri-se). Essa consciência é importante para o meu trabalho, perceber o antes e o depois para me situar no agora. E falar deste mundo em que vivemos, que me inquieta. As minhas inquietações variam, mas existem umas que persistem ligadas a temas amplos como o amor, a morte, geralmente assuntos que têm a capacidade de me desviar ou abalar. Mas também urgências, como palavras que te saltam da boca, como coisas que têm de ser ditas para se materializarem.
Que projetos é que te ocupam a cabeça neste momento?
Eu estou sempre com a cabeça em vários lugares. Estou numa fase em que me permito a emergir em processos, porque a vida não pára e às vezes exige de nós coisas que não podemos dar, e conseguir permanecer sem me esquecer da porta de saída, que também é uma fase importante. Comecei há dias a gravar um filme do Paulo Filipe Monteiro, onde vou contracenar com pessoas-referência minhas como o Romeu Runa e a Custódia Gallego, estou a gravar novela já há alguns meses e tenho reposições de um espetáculo para a infância do Paulo Lage. Ah, e a tirar mestrado, que me come o resto de tempo que tenho (ri-se).
Peço-te um desejo para as artes, para os próximos tempos?
Que deixe de ser 1% o apoio do estado para a cultura.
Fotografia de Bernardo Casanova (@bernvs_) Produção de Addicted Productions (@addicted.prod) Styling de Sara Peterson (@_sara.peterson_) Texto de Sara Valente (@saravalentee) Agradecimentos: Clube de Campo Golfe Aroeira
Trabalho realizado para PARQ_72.pdf (parqmag.com)