Vizinhos

Texto de Rita Ramos

O cineasta italiano Nanni Moretti habituou-nos a filmes subtis e reais. Depois do grande sucesso do Quarto do Filho em 2001 que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o realizador brinda-nos este ano com um filme dividido em 3 histórias que se cruzam de forma frágil. Tre Piani, ou Três Andares (título em português), baseado no romance do escritor israelita Eshkol Nevo, é um filme dramaticamente delicado que foge à lágrima fácil e à tristeza gratuita. A cena inicial deixa-nos logo antever que a ação se desenrolará como um novelo de lã grossa. Andrea, o filho delinquente de um casal de conceituados juízes atropela mortalmente uma mulher ao tentar desviar-se de Monica, uma vizinha sua que está em trabalho de parto e que sozinha espera um Uber para a levar ao hospital. Na sequência do atropelamento despista-se e o seu carro destrói a parede do escritório do casal Sara e Lucio, também eles seus vizinhos. Um prédio com 3 andares na Roma de classe média alta. Cada andar alberga uma família e cada família alberga uma dor disfarçada de quotidiano.

Na espuma dos dias, estas 3 famílias vão-se expondo ao mundo e nesta exposição há o embate do que se deseja e do que se receia. Um casamento longo e conservador posto à prova por um filho inseguro e pressionado pelo perfeccionismo dos próprios pais. Um jovem casal cuja filha pequena passa por uma situação traumática e pouco clara, situação essa que absorve toda a família para uma dinâmica nervosa e atrapalhada. Uma mãe em puerpério, cujo marido trabalha longe e que se vê em luta desigual com os seus fantasmas. Esta trilogia é a base deste extraordinário enredo que se prolonga por 10 anos na vida das personagens. As crianças crescem, os velhos morrem, os segredos são descobertos e as paixões moribundas são reanimadas. A fotografia é honesta e a banda sonora acompanha de forma fiel as imagens. Sem grandes caracterizações nem cenários caros, Tre Piani é uma viagem intensa, mas ao mesmo tempo calma, aos sentimentos que nos são mais fortes como o amor ou o medo. Um filme de duas horas que não desilude e que nos espanta pela sua realidade.

Texto de Rita Ramaos para PARQ_72.pdf (parqmag.com)