Texto de Hugo Pinto

Stereossauro é um caso interessante no panorama musical português.Depois de em 2011 e 2016 ter sido eleito campeão do mundo de scratch, na dupla Beatbombers que forma com o também caldense DJ Ride, Stereossauro envereda por uma carreira em que sampla fado, cortando e colando conforme lhe apetece, escrevendo e gravando, re-inventando este género como uma criança a brincar com coisas sérias. Em 2018 grava o belíssimo “Bairro da Ponte”, um disco de samples, com um lote de convidados extraordinário, uma especia de who ‘s who da música portuguesa. Entretanto desmultiplica-se em mil trabalhos com destaque para “Cachorro sem dono” onde grava com Cabrita uma banda sonora para um filme que (ainda) não existe. E agora lança “Tristana”, um disco em que escreve, produz e realiza os videoclipes que acompanham o álbum.

Vês-te como um beatmaker, um produtor, um digger ou DJ?

“Vejo-me com alguém com vários chapéus que depois acabam por estar todos interligados… Sou mais beatmaker quando trabalho com o pessoal do rap, sou puramente DJ quando trabalho com o Ride e depois há o lado de composição e escrita quando faço as minhas próprias composições”.

Fazes com a música portuguesa aquilo que os beatmakers americanos fazem com a música deles… a soul, o funk, o jazz, o disco…

É exatamente isso. Quando o hip-hop apareceu os DJs samplavam e remisturavam os vinis que tinham em casa, os discos que os seus pais ouviam… Quando houve um apagão em Nova Iorque e foram assaltadas várias lojas de discos, no dia seguinte apareceram 200 novas bandas de hip-hop. Eu para respeitar a cultura fiz o mesmo, usei os discos que tinha em casa… Até porque James Brown é incrível mas eu não vou estar a remastigar o mesmo sample que já foi usado centenas de vezes.

As Caldas da Rainha sempre tiveram uma onda musical muito interessante… Estou a pensar no João Paulo Feliciano por exemplo, porque é que tu achas que isso acontece?

Acho que a ESAD (Escola Superior de Artes e Design) foi muito importante porque todos os anos trazia remessas de pessoas de todo o lado para as Caldas da Rainha, malta do Erasmus também… E cada pessoa trazia as suas histórias e depois juntavam-se todos em festas e esse melting pot foi muito enriquecedor.

Quem é a Tristana?

A Tristana sou eu e a Ana. (Ana Magalhães, a fadista portuense radicada nas Caldas da Rainha que dá voz e alma a este novo álbum). A Tristana é uma personagem que não existe. È um simbolo.

Se este álbum fosse uma mulher, era uma amiga, uma esposa ou uma amante?

Eu acho que poderia ser as três coisas, é um símbolo… Mas mais provavelmente uma amiga.

Que género de música é este?

É Stereossauro. Quando estou a fazer música, o público é a última coisa que me passa pela cabeça… Mas pegando nas trends, embora eu faça isto há mais de 10 anos, é o Novo Fado.

Tristana é um álbum muito marcado por uma perspectiva feminina, quem são as mulheres da tua vida?

A minha mãe, a minha mulher e a minha filha.

E na música? Quem são as tuas divas?

Presentemente é a Ana Magalhães, escrevi um disco só para a voz dela. E depois há duas vozes no fado para mim incontornáveis: Gisela João, que tem um timbre tão especial… Falar ao telefone com ela é uma experiência. E a Sara Correia que tem uma energia incomparável.

Qual foi o processo de gravação de Tristana?

Eu compus e escrevi as letras mas fui sempre testando as águas com a Ana. Ela acompanhou sempre todo o processo, mesmo a parte instrumental e foi sempre dando um input.

No Bombas em Bombos já havia um tema, o Dia Um, onde havia um sample duma guitarra, no Bairro da Ponte há vários temas com samples de guitarra portuguesa… isto já sem falar nos Beatbombers e no Paredes… O que é que a guitarra portuguesa tem para te ser tão apetecível?

A identidade. Não há outra guitarra a soar como ela em qualquer outra parte do mundo.

No Tristana cada música é acompanhada por um videoclip, tu realizaste todos eles e alguns são lindíssimos, em que medida esta videoarte é importante para ti?

Eles foram todos realizados a pensar nas actuações ao vivo, em serem mais uma parte do espetáculo. Eu tinha estudado videoarte nos tempos cavernosos da ESAD mas isso ficou 20 anos em sete chaves. Agora, se calhar fruto do Covid, tive tempo de sobra para pensar como queria fazer as coisas e descobri softwares e bancos de imagens gratuitos com grande qualidade e em quantidade. Passei dois meses a queimar pestanas e consegui.

Neste disco há a guitarra de Ricardo Gordo e o acordeão de Sandra Batista, que muito conhecem dos Sitiados… Já no último Bairro da Ponte, havia um lote de convidados impressionante. Como é que consegues gravar com estes notáveis todos? Qual é o teu segredo?

Não há segredo. É ser honesto, não prometer mundos e fundos… E é também fruto de 20 anos de provas dadas como DJ e produtor. São pessoas que conheci e que conhecem o meu trabalho, não é out-of-the-blue, há uma reputação e um reportório.

Como é que o Tristana vai funcionar ao vivo?

Ao vivo sou só eu e a Ana, excepcionalmente será possível convidar o Ricardo ou a Sandra para virem tocar as suas malhas… E os videoclips claro.

Para termina, entre um sample de uma guitarra e um guitarrista ao vivo, o que é que tu preferes?

Prefiro o sample de guitarra porque aí vou ter eu a minha voz. O meu instrumento é o sample e o gira-discos.

texto de Hugo Pinto para PARQ_78.pdf (parqmag.com)