Suspend State
texto por Francisco Vaz Fernandes
A Serpentine Gallery apresenta em Suspend State um conjunto de obras de Yinka Shonibar, artista britânico/nigeriano que colocou no centro da sua produção artística, o Dutch Wax Print, um tipo de batique produzido na Holanda que ganhou popularidade em África, tornando-se um elemento identitário africano. Este sistema de adaptação e apropriação resulta de processo de hibridismo cultural e identitário gerado por herança colonial que o artista procura enfatizar. Como costuma dizer, também ele é resultante do mesmo hibridismo cultural e identitário quando observa o seu próprio percurso pessoal dentro de um sistema de arte contemporânea com raízes essencialmente europeias. Mais que sublinhar fronteiras a obra de Shonibar é sempre um convite para que o público possa contemplar a nossa cultura material comum. No fundo, todos estamos todos implicados numa teia de emaranhados históricos, sociais e económicos que ultrapassam fronteiras e identidades simplistas
Esta é a maior retrospetiva de sempre em torno da obra de Yinka Shonibar, num dos centros de arte mais prestigiados de Londres e nesse sentido esta exposição é pois o coroar das problemáticas que trabalhou ao longo da carreira e que se inserem nos discursos pós-coloniais e que hoje são cada vez mais pertinentes. Comecemos então pelo percurso de Yinka Shonibar que nasceu em Londres mas foi viver em Lagos a partir dos 3 anos, tendo regressado ao Reino-Unido para estudar na celebre escola de de artes Goldsmith Questionando-se sobre a sua própria diferença num contecxto de escola de arte euopeia, passou a usar o batique como elemento central das suas problemáticas. Foi assim que elementos identitários europeus passam a ser cobertos por batiques.
É nesse sentido que começa o seu interesse pelas estátuas que estão no espaço público de Londres porque elas em geral representam os heróis de um povo e condensam o imaginário de uma nação. A sua proposta artística passava por reconstruir essas estátuas revestidas de batiques com padrões muito coloridos, como são preferidos em África dando-lhes um contexto e significado novo
Ou seja, Yinka Shonibar interessa-lhe questionar os símbolos nacionais e por isso reproduz a escultura da Rainha Vitoria imortalizada por Thomas Broke no memorial que lhe é dedicado a frente Buckinghan Palace. Propõem uma versão semelhante onde a roupa de época é produzida exclusivamente a partir dos batiques, criando uma imagem crioula de um dos maiores símbolos da Inglaterra. Esse processo será repetido mais vezes com outros heróis que contribuíram para o sucesso de uma política colonialista liderada pela Europa. Descontextualizar, produzir estranheza, propondo imagens paralelas de substituição é o propósito deste artistas que questiona assim o lugar das fronteiras culturais e a extensão de um legado colonialista que ainda tem reflexos nos dias de hoje.
Na Serpentine Gallery podemos encontrar 7 estátuas que abordam esse processo. Atualmente já não cria uma escultura vestida com batiques , prefere reproduzir as esculturas em plexiglass que já trazem em todo o seus conjunto os padões tipicos do batique
A grande novidade desta exposição foram as duas grandes instalações criadas especificamente para a Serpentine Gallery. Em War library, Yinka Shonibar recria uma sala revestida por estantes com livros, todos eles com uma sobre-capa confecionada a partir dos tradicionais batiques. Todos os livros refletem no essencial o conhecimento cientifico e cultural que o mundo ocidental foi produzindo sobre a África, que mesmo nos seus melhores propósitos nunca deixariam de ser olhados como instrumentos de dominação.
Já a segunda instalação, Santctuary City, Yinka Shonibar recria maquetas de algumas das townhouse mais simbólicas de Londres. Esses prédios de 3 ou 4 andares serviam de residências urbanas da classe dominante londrina que se erguiam fruto do clima de prosperidade imperial. As maquetas surgem-nos pintadas de cinza sombrio sublinhando um certo anonimato que contrasta com a iluminação interior onde mais uma vez brilha os revestimentos em batique. Esse colorido africano substitui os revestimentos em cor pastel pontuados por dourados inspirados em motivos da cultura clássica greco/romana que seriam mais característicos deste período. Porque estes modelos ainda se mantêm como símbolos de classe e de poder, Sanctuary City questiona a permanência desses padrões do imperialismo na sociedade contemporânea. A par destas questões quis que essas construções fossem ainda uma referencia à casa e à busca natural de um refúgio e necessidade humanitária de um abrigo. Com essa instalação o artista estimula a reflexão sobre a importância da história e a necessidade de aprender com acontecimentos passados.
A exposição tem ainda algum enfoque na emergência climática que o artista relaciona também ao legado pós-colonial. Em algumas telas ‘African Bird Magic’, Shonibare justapõem imagens de aves africanas ameaçadas de extinção com símbolos da industrialização colonial, destacando a degradação do meio ambiente africano através de séculos de exploração.
A exposição serve ainda como um testemunho do compromisso da Shonibare com a mudança social e o seu envolvimento com a comunidade. Em Lagos e Ijebu, na Nigéria, o artista estabeleceu espaços de residência que tem como foco a produção de um artesanato transdisciplinar baseado na sustentabilidade ambiental. Refletindo sobre as suas motivações, Shonibare diz que fundou a quinta porque percebeu a importância desenvolver projetos criativos que celebrassem uma relação com a natureza e a noção de sustentabilidade alimentar.’
Com Suspend State, Yinka Shonibare convida-nos para uma jornada de introspeção num espaço onde as fronteiras – sejam elas psicológicas, físicas ou geográficas – se tornam fluidas ao longo do tempo. Na sua abordagem multidisciplinar há criação de pontes que alimentam a esperança, porque aquilo que partilhámos – mesmo em conflito – equivale a mais do que aquilo que nos torna diferentes.
www.serpentinegalleries.org/