Veio da Roménia mas depressa soube conquistar um espaço no panorama artístico nacional. Sente-se um artista local porque e todas suas capacidades acabaram por ser desenvolvidas em Lisboa a par de toda de uma nova geração de ilustradores. Os seus trabalhos registam um desenho bold com inspiração nos comics e uma coloração única que rapidamente se tornaram a marca da sua autoria. Por nós, Nicolae Negura, já merecia, uma capa para o New York Times

Nicolae Negura

1 – És ilustrador e vieste da Roménia. O que te atraiu em Lisboa para passares a viver em Portugal?

Confesso que na altura conhecia muito pouco sobre Portugal e sobre Lisboa. A minha irmã tinha feito um ano de intercâmbio Erasmus e no regresso não parava de falar de de Portugal. Mas no final, o que pesou mais na minha decisão de vir para Lisboa foi o facto de querer estar perto do mar e de poder aproveitar o tempo ameno do país. Esses elementos determinaram a minha escolha.

 2 – Vejo que já fizeste, algumas exposições em Portugal, presumo que estejas bem integrado no panorama cultural português, mas pergunto se o processo foi fácil?

Agora sim sinto-me um pouco mais integrado no panorama cultural português. O processo nem sempre foi fácil , mas acho que isso acaba por acontecer em qualquer principio de percurso seja onde for. Para a maioria dos artistas é difícil ganhar visibilidade e sobreviver da sua arte. Sendo país estrangeiro ainda mais porque não conheces bem a cultura e a maneira certa de abordar as pessoas.

 3 – O que é que pode ser mais difícil para um artista que vem de fora

Acho que é difícil, às vezes, a integração no meio artístico de um outro país, por ser uma cultura desconhecida e por não conheceres as pessoas, mas também porque na maioria dos projectos se dá prioridade aos artistas locais. É preciso tempo para que as pessoas te conheçam e percebam que pretendes ficar aqui e ser visto como um local.

 4 – Como caracterizas o panorama cultural em Portugal, mais particularmente o de Lisboa , já que é onde vives?

Penso que é influenciado pelo fluxo intercultural que Lisboa tem tido. De certa forma o seu cenário cultural jovem e “imperfeito” tem sempre algo de fresco e novo a oferecer.

5 – Quais as comparações que encontras com a situação cultural na Roménia?

Na minha opinião acho que internacionalmente nenhum dos dois cenários eram realmente visíveis e isso está a mudar. As especificidades inatas de cada um destes dois países são novas e curiosas para o público internacional. 

6 . Continuas a desenvolver trabalhos para a Roménia?

Sim, ainda continuo. Não aparecem muitos projetos, mas sempre que me parecem interessantes tento agarrá-los. Defini o meu traço e a minha carreira artística em Portugal.  Saí da Roménia quando terminei os meus estudos e a partir daí deixei de fazer novos contactos e os que tinha acabei por perder porque já não faço aquele tipo de trabalhos pelo qual era mais procurado, que no essencial, a ilustração infantil e o graphic design.

7. És uma pessoa que está sempre a desenhar compulsivamente, ou pelo contrário desenhas quando necessário, com método?

Ambas. Desenho quase diariamente, mas para muitos dos meus clientes e projectos pessoais escrevo notas, planeio as composições, faço esboços, penso e repenso o trabalho antes de iniciar.

Acerca da parte compulsiva, tenho uma pequena história que me marcou nesse sentido. Quando me preparava para me candidatar à escola de belas artes, um dia, ao regressar a casa das aulas de preparação, conheci uma senhora no comboio que, por acaso, era pintora. Ela disse-me para nunca passar um dia sem desenhar alguma coisa. Isso ainda está na minha cabeça e é uma das razões pelas quais eu tento desenhar todos os dias.

8. A inspiração não é um problema para ti, ou tens momentos de desesperação total?

Normalmente não é um problema e hoje em dia consigo ultrapassar facilmente uma quebra de inspiração. Tento sempre encontrar fontes de inspiração em tudo o que me rodeia. Mas quando isso acontece, o meu plano B é consultar os cadernos de esboços antigos ou a app com as notas onde eu tenho guardadas muitas ideias e esboços que nunca foram utilizados, para ajudar-me. Pode ser muito interessante revisitar ideias e pensamentos antigos e fazer algo de novo a partir deles.

9 . Relativamente ao estilo do trabalho como podes caracterizá-lo?

Eu diria que é uma mistura do estilo vintage comics/cartoon com influências do pop-art e street-art. Sempre me senti atraído pela parte ilustrativa dos comics e isso tornou-se visível no meu traço sem ser de uma forma forçada.

10. Quais foram as tuas principais referencias quando começaste a fazer ilustração?

Quando comecei a fazer ilustração fui bastante influenciado por Andy Warhol e pela pop-art em geral porque a sua representação se aproxima bastante da banda desenhada. Isso era mais visível nos meus trabalhos mais antigos. Outra referência importante para mim foi Benjamin Güdel e o seu livro de ilustrações “Blood, Sweat And Tears”. O seu traço e o uso da cor  estavam realmente em sintonia com o que eu queria fazer e era muito encorajador ter um ilustrador de sucesso a fazer isso.

11. vejo que tens trabalhado com várias técnicas e vários formatos, em qual deles te sentes mais gratificado?

Eu costumava apresentar-me como um ilustrador digital, embora o meu trabalho tenha sido uma mistura de tinta da china em papel e coloração digital. Hoje em dia, definitivamente, desfruto mais de pintar com acrílicos e tinta ou aguarela em papel e tela.

De qualquer forma, irei continuar a trabalhar essas técnicas em simultâneo e aplicá-las às necessidades de cada projeto. Ainda tenho muitos projetos pessoais que sinto que serão representados melhor digitalmente.

12 . Muito do teu trabalho baseia-se em retratos . quem são as pessoas que aparecem nos teus desenhos?

 As referências que utilizo são fotos antigas e novas que colecionei de amigos, familiares ou de pessoas aleatórias. Tudo que considero expressivo e que possa servir para o que procuro expressar. Tento sempre distanciar-me o máximo possível da foto, mesmo que algumas pessoas fiquem lisonjeadas por se verem representadas no meu trabalho, não é o meu foco principal. É só a expressão e o gesto dessas pessoas que uso para exprimir um conceito ou um sentimento.

13. E as cores, qual o papel que têm na elaboração dos teus trabalhos?

As cores são uma parte importante do meu trabalho, como uma trademark secundária. São parte do conceito e ajudam-me a definir aquilo que quero evocar. Os meus estudos de pintura tiveram um foco importante na teoria da cor que definiu a minha forma de usar a cor e agora isso acontece naturalmente no meu processo.

 14. Um momento da tua carreira, que te tenhas sentido verdadeiramente realizado?

Há alguns anos atrás realizei o meu sonho de ter um atelier onde consegui dedicar-me e desenvolver melhor o meu trabalho. Além disso, estava numa zona de Lisboa que gostava muito e coincidiu com uma altura em que comecei a ter mais visibilidade e mais projetos. 

15 . O que seria para ti uma encomenda de sonho?

Não tenho a certeza se é bom citar nomes neste caso, mas lá está, sempre sonhei em fazer a capa da The New Yorker.