O Barracão

Texto por Francisco Vaz Fernandes

fotos por Carmo Oliveira

Fazes design tendo como ponto de partida a madeira, quando é que começou o teu gosto pela madeira?

Comecei a trabalhar em madeira em 2015, por influência de um amigo. Começou por ser uma brincadeira, como em tudo, e a pouco e pouco fui me interessando cada vez mais. Foi um gosto gradual na medida em que cada vez mais aprecio e admiro este material que me permite criar e dar vida as ideias que tenho perdidas nos cadernos. Certamente não vou ficar pela madeira, ando constantemente à procura de novos materiais

Estudaste arquitetura, em que medida essa formação te ajuda na conceção das peças que crias? 

Ajuda e muito. Acredito que se não tivesse tido a formação em Arquitectura, muitas das coisas que imaginei e fiz não seriam possíveis. A abordagem geométrica ao desenho, a forma como o esquiço inicial começa, a preocupação com a função aliada à estética, são todos aspetos que nunca teria em consideração se não fosse arquitecto.

Na conceção de uma peça, o que pesa mais, a matéria que tens disponível ou a idealização do design?

Acho que o facto de desenhar e estar muito próximo da execução faz com que seja um bocado dos dois: há desenhos que são alterados por influência da peça de madeira que escolhemos e há desenhos que só aparecem porque tenho na cabeça uma determinada prancha ou toro de madeira.

O que pesa mais é a questão prática do design e só depois vem a forma como podemos pôr em evidência certos aspetos da madeira.

Fazes essencialmente peças únicas. O que preferes, partir de uma encomenda específica ou desenvolver as tuas próprias ideias?

Tenho algumas ideias que vou fazendo com tempo, quando as encomendas o permitem, mas admito que gosto dos dois. Produzir para uma encomenda específica tem sempre o feedback e um briefing do cliente a que devo responder. Se estiver a fazer peças sem cliente o desenho é mais livre, faço o que gosto e o que sinto que devo fazer. 95% Do que produzo são peças desenhadas por mim, os outros 5% são desenhos de arquitectos com quem gosto e faço questão de colaborar. Têm sempre uma visão e um conceito por trás que gosto de aprender e de fazer. 

Em que medida a questão da reciclagem se torna o teu tema principal e influencia a tua criação?

Tenho cuidado onde e com quem compro a matéria prima. Todos estamos cientes dos desafios ecológicos que temos pela frente e eu tento fazer a minha parte. Tenho uma série de peças que desenvolvi ao longo do tempo que consistem em aproveitar o que sobra depois de tudo feito. Aproveito peças de madeiras diferentes e encaixo-as formando painéis que posteriormente transformo em mesas de jantar, aparadores, cadeiras. Tenho agora uma peça que estou a desenvolver nesta onda e estou a gostar do caminho que está a levar! Daqui a umas semanas devo ter a peça pronta.

Onde encontras as tuas matérias de trabalho e se tens alguma que esteja na tua preferência?

Varia muito, consoante o projeto e necessidades. Tenho a maior parte dos fornecedores no norte e centro de Portugal, mas para certos projetos, gosto de usar madeira local, mas não me fecho a isso. Tenho muitos pedidos de madeira africana, europeia a que gosto de responder. Se tivesse de escolher uma madeira para trabalhar seria a Nogueira Portuguesa, tem alma própria, uma forma e desenho orgânicos e é muito “trabalhável”.

Viveste na Nova Zelândia e na Austrália, em que medida essas vivencias contribuíram para o que és hoje?

Sem dúvida. Especialmente quando estive na Nova Zelândia, em 2011. Tinha 17 anos e nesta idade absorve-se tudo o que está a nossa volta, e eu não fui exceção. As pessoas, o rugby, o país e o facto de estar muito longe de casa fez-me crescer muito e rápido. Não sei a importância que terá tido na minha atividade hoje em dia, mas sei que faria tudo outra vez! Na Austrália, com 22 anos, a experiência foi diferente: apesar de também ter sido maioritariamente focada no rugby, procurei trabalhar em arquitectura e ter uma experiência profissional que me ajudasse no futuro. Trabalhei num atelier e ajudou-me a perceber que talvez a arquitectura não seria o meu caminho. 

Casas em madeira não predominam em Portugal, mas também existem. Projetar uma casa em madeira seria um sonho? A junção de várias valências?

É mesmo. Tive uns terrenos em vista para fazer exatamente isto, construir em madeira, mas acabou por não se concretizar. Este tipo de construção começa a ganhar cada vez mais espaço na arquitectura em Portugal. Apesar de sermos um pais conservador na construção, hoje em dia começamos a ver cada vez mais pessoas a edificar e projetar em madeira. Imagino um dia ter um terreno e com tempo e amigos, construir uma casa a volta de uma árvore, com relação direta com a natureza. Ter tempo para o fazer e tempo para a gozar com a família. Tenho de os convencer!

O que era para ti um projeto de sonho?

Gosto muito do que faço e com quem trabalho, sou um privilegiado em conseguir viver do que crio e imagino. Não é um living the dream, tem as suas partes mais negativas, mas a verdade é que gosto e muito! O BARRACÃO é o meu projeto de sonho, imagino vê-lo tornar-se numa empresa maior e mais abrangente, em várias áreas da criatividade, arquitectura e crafts. Responder e atuar com originalidade.

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