Texto Por Francisco Vaz Fernandes para PARQ_79.pdf (parqmag.com)
Este ano apresentaste pela primeira vez trabalhos de tapeçaria que recorrem a uma tridimensionalidade mais evidente. Em sequencia há um movimento nas tuas criações que também se tornou mais visível. A que se devem estas alterações?
Surgem da necessidade de estar sempre a encontrar novas soluções de uma necessidade natural de sentir que estou em evolução . Deixaram de de ser sempre aquelas peças lisas o que já implica outra forma de pensar e outro tipo de planeamento. Já existia tridimensionalidade na composição das peças mas agora ganharam muito mais. Também as cores estão mais suaves mais femininas o que lhes dá ao final maior leveza. Penso que comunicam melhor com as pessoas.
Quando é que a tridimensionalidade, tal como agora a vemos, surge?
Já tinha feito algumas peças suspensas, mas de parede onde a tridimensionalidade é explorada, as primeiras foram as três que apresentei neste Verão durante o Lisbon By Design. Depois ainda dentro dessa família seguiram-se as peças no MU.SA de Sintra. Como disse é um processo evolutivo que continua a ter ajustes
Mas tecnicamente o que é que está alterado?
Tive que aprender uma nova técnica, a de soldar. Essas peças exigem a criação de uma estrutura metálica que depois é revestida por uma tela
E a questão do movimento?
É muito importante para mim, pelo menos pela forma como vejo a natureza que me inspira. Nas árvores e vegetação marítima não há nada de estático e por isso essa necessidade de movimento confere aos meus trabalhos algo mais aproximado a um mundo vivo. Daí que apareçam peças com raízes e fios que são tão leves que qualquer aragem gera um pequeno balançar. Então, o ponto de partida, foi como conferir movimento ao trabalho que já desenvolvia. Por isso é tudo a base de experiências que me conduzem ao final a novas peças.
Sei que és do Algarve. De que forma a tua região está incluída no teu trabalho.
Nas formas menos visíveis. Ao longo dos anos fui introduzindo a minha família no processo de produção. Quando regressei ao Algarve a minha família começou a ajudar-me muito mais e hoje em dia também são parte do meu projeto. A minha mãe deixou o seu trabalho tinha para vir integrar a minha equipa. Ter regressado ao Algarve e a possibilidade de manter esses laços de família para mim tornou-se importante. Depois também há todo um conjunto de questões relativos ao mar que se levantam quando se vive no Algarve onde a mensagem de preservação e sustentabilidade nunca é demais sublinhar e que está integrado no tipo de preocupações que trago para o meu trabalho.
Como é que a questão da sustentabilidade aparece no teu trabalho?
Desde sempre porque já quando era estudante introduzo o desenvolvimento de fios que eu própria criava a partir do aproveitamento da lã extraída da tosquia das ovelhas que pelas mais diversas razões tinham como destino ser queimada. Depois mais tarde ao ter contacto com as fábricas apercebo-me da quantidade de fio que acaba por ser desperdiçado. Havia muito material excelente que no final de produção sobrava e que mais cedo ou mais tarde iria parar ao lixo e que podia muito bem ser aproveitado por mim, já que trabalho numa pequena escala. Consegui então uma primeira parceria com a primeira fábrica onde tive o meu primeiro estágio. Depois a parcerias a outras também na zona do Porto e hoje em dia o meu trabalho é todo realizado com o aproveitamento de desperdícios das fábricas
Como é chegas aos texteis?
Tirei o curso de moda em Lisboa mas depois fui trabalhar para uma fabrica têxtil porque percebi que desenhar roupa não estaria no meu projecto pessoal. Gostava mais da parte têxtil por isso fui estagiar para uma fábrica para perceber a dinâmica dessa área que desconhecia por completo. Por isso fui para o Porto, e no Porto abri o eu primeiro atelier, onde começo a criar as minhas tapeçarias . Desde cedo tive clientes o que tornou o projeto sustentável. Primeiro eram peças de pequenas dimensões e só com a mudança para um espaço de maiores dimensões me aventurei em escalas de grandes dimensões que vieram a dar visibilidade ao meu trabalho È um trabalho complexo que implica a utilização de uma mistura de muitas técnicas de produção artesanais, grande parte delas transmitidas pela minha família que já estava ligada ao têxtil. Misturo com outras que também fui aprendendo ao longo do meu percurso de formação.
Ainda fazes a coloração do fio?
Já vem tudo colorido, tenho que me adaptar ao que há . Há sempre clientes que querem uma ou oura cor que viram em trabalhos anteriores, mas não funciona assim. O que temos é o que vamos usar. È muito importante passar essa mensagem da reciclagem numa economia mais sustentável ligada a criatividade.
Quando partes para uma peça tu já tens uma imagem que te conduz, uma fotografia por exemplo que te inspira?
Não. No curso fui educada para primeiro desenvolver uma inspiração e só depois partir para a concretização de uma coleção. Eu nunca fui este tipo de pessoa. Eu apresento tudo ao final e procuro entender o que me levou a chegar ali. Há um processo muito inconsciente e estar a tirar essa parte do processo, é no meu ver mata-lo. Por exemplo começo com a vontade de fazer uma peça com um conjunto de cores que defino, mas dada a demorada da produção, de repente mudo, introduzo algo não planeada. Não sei porquê, talvez porque se trata de uma lã especifica, uma cor ou outra razão. No final é certo que tudo ganha uma forma é certo que há uma inspiração na natureza mas também algo mais fundo que vai as profundezas do meu subconsciente. As minhas peças também me ajudam muito a interpretar-me a mim própria . È uma forma de eu também falar comigo. Só no ano passado comecei a ter mais consciência disso . As minhas peças falam muito sobre a morte e a vida
E tens mais consciência que isso aparece nas tuas peças?
sim , a morte sempre foi um tema que me deixava nervosa, desde pequenina e hoje em dia eu olho para as criações e o que eu faço são corais mortos. Estou a representar essa degradação algo que vai acontecer que é inevitável em todo o processo criativo. Um dia termina. Ou seja tenho mais consciência desse diálogo que travo com as peças que produzo.