Colheita Nacional 2024 #3

Texto por Hugo Pinto

Há muita gente nova a fazer bom som nos mais variados géneros. Em 2024 houve cinco nomes que vi ao vivo e que se destacam por trabalhos sólidos e frescos. Vamos numa viagem pelo Afrotuga de Nídia com Valentina, passamos pelo hip-hop bem disposto do Conjunto Corona a caminho do free noise de Caveira. Terminamos na nova estrela Ana Lua Caiano, sem esquecer a cena avacalhada dos Unsafe Space Garden.

Unsafe Space Garden

Os vimaranenses Unsafe Space Garden foram para mim a grande surpresa do Kalorama. Quantas bandas haverá no mundo que tenham tanto de Black Midi, King LIzzard e Animal Collective como de José Mário Branco e das músicas dos desenhos animados? Poucas certamente. Este sexteto “liderado” por Nuno Duarte e Alexandra Saldanha começou com o EP Bubble Burst de 2019 e o álbum Guilty Measures de 2020. Rock psicadélico, alguma monumentalidade, letras surreais e… já alguma palermice assumida. É malta nova que se segue por regra nenhuma. Há sintetizadores australianos a cruzar com guitarras do rock sinfónico e letras infantis. Tudo no pavilhão de Merryweather.

Em 2021 lançam Bro, you got something in your eye – A guided meditation. Há uma certa amargura tuga nesta fábula contemporânea. Certo que é disfarçada de infantilidade mas ainda assim são traumas existenciais nos lamentos destes refrões. O som varia bastante, mas há um indie rock com sintetizadores que domina a coisa. Desconstruído e psicadélico pois então. Em 2023 sai Where ‘s the ground e soam mais bem produzidos. Também mais confiantes, a espaços já se canta em português. O som continua aberto, livre de restrições de género. Sim, ainda é um rock alternativo e sim, é tudo meio avacalhado mas soa mais pro, o que no caso dos USG é dizer muito pouco. Isto é malta despreocupada.

Não tinha ouvido nada disto quando os vi no Kalorama. Era um fim de tarde num dos palcos secundários e as expectativas eram zero. Entram meia dúzia de marmanjos de cara pintada e roupas coloridas mais uma jovem de totós, qual turma da primária. Agarram-se a teclados psicadélicos e uma guitarra sónica e começam num cagaçal que tem tanto de pesado como de tripante. E depois são aquelas letras, algo infantis e muito existenciais. Isto também é malta que lê. Acima de tudo marca-me a atitude despreocupada, o sentido de humor inteligente, o apreço pelo sotaque minhoto, o bom gosto nos arranjos e o despretensiosismo da cena. É tudo muito fresco.

texto publicado originalmente em PARQ_81.pdf