Saltburn
Texto de Bernardo Semblano @bernardrosemblano
No seu segundo filme, Emerald Fennell casa o barroco com o gótico para nos trazer uma história sobre o primeiro amor e, a espiral obsessiva que lhe é associada. Com uns salpicos de humor negro e uma crítica social aos “muito ricos”, Saltburn promete dar que falar às suas audiências e ser uma escolha arrojada para a entrada nos circuitos de prémios do cinema deste ano.
Em 2021, Fennell ganhou um Óscar de Melhor Argumento Original pelo seu filme de estreia como realizadora e argumentista, Promising Young Woman. Apesar de ser o seu primeiro filme, tornou-se, também ela, numa jovem mulher promissora por detrás da câmara e da caneta. Com Carey Mulligan no papel principal, que lhe valeu uma indicação para o Óscar de Melhor Atriz num Papel Principal, Fennell fez da sua missão criar um revenge thriller com o propósito de desconstruir a imagem do nice guy. Isto tudo enquanto criava alguns dos momentos mais cómicos e perturbadores do ano.
Agora, em 2023, sai o seu segundo filme, Saltburn, já disponível no Amazon Prime Video.
Nesta trama, que começa em 2006, vamos conhecer Oliver Quick, interpretado por Barry Keoghan, um caloiro bolsista na Universidade de Oxford. Oliver é um jovem reservado e com grandes dificuldades de socialização. Características relacionadas com o seu passado difícil, marcado pela toxicodependência dos seus pais.
Em Oxford, aproxima-se de Felix Catton, vivido por Jacob Elordi, o rapaz mais popular do campus que vem da família certa, veste a roupa certa e conhece as pessoas certas. Com o fortalecimento da amizade, e fascínio subjacente, Felix convida Oliver para passar o verão na sua mansão de campo que dá o nome ao filme – Saltburn.
Aqui Oliver, conhece e aproxima-se dos restantes membros da família Catton – a mãe Elspeth (Rosamund Pike), o pai Sir James (Richard E. Grant), a irmã Venetia (Alison Oliver), o primo Farleigh (Archie Madekwe) e a convidada, conhecida por Pobre Querida Pamela (Carey Mulligan).
Na mansão Saltburn, será a segunda vez que veremos Oliver como um peixe fora de água, mas, tal como aconteceu em Oxford, este fará de tudo para se encontrar no topo da cadeia alimentar. Ele não só seguirá as regras da elite como reescreverá novas para garantir que cada um dos habitantes da mansão façam exatamente aquilo que ele quer e precisa.
Sobre as atuações, Barry Keoghan revela-se, juntamente com a realizadora, como um dos grandes motivos pelos quais o filme não só funciona, mas como se sustenta fortemente. No fundo, o Oliver exige que ele tenha de fazer dois papéis num e a grande quantidade de close ups no rosto do ator só fazem demonstrar que há mais por detrás do que os seus olhos nos permitem ver. Keoghan aceitou o desafio de chocar o seu público, com três cenas em particular, com um grande gravitas.
Rosamund Pike, que deve ser a melhor candidata do filme para chegar aos grandes prémios de representação do ano, traz-nos uma mulher distante, ociosa e sem escrúpulos que, apesar das suas saídas cómicas, e sem noção, vai aos poucos caindo num poço de desespero e ilusão. A sua personagem pode ser a rainha de Saltburn mas, Pike não é nada menos do que a soberana deste filme.
Jacob Elordi traz-nos uma personagem muito diferente de Nate Jacobs de Euphoria. É fácil perceber porque o seu Felix é recetor de tanta atenção por todos que o conhecem. A popularidade da personagem só é conseguida com o carisma e magnetismo do ator.
Alison Oliver, tal como o anterior, passa do oito para o oitenta com Venetia Catton. A atriz cujo papel de maior destaque até à data foi Frances, na adaptação do livro de Sally Rooney, Conversations with Friends, passa duma rapariga reservada e passiva para uma jovem adulta bulímica, extravagante e sexual em Saltburn.
Carey Mulligan, que apesar da sua pequena participação no filme, certamente se tornará numa das personagens mais icónicas do filme, capaz de transcender o mesmo. Quanto menos soubermos da sua Pamela melhor, o enigma é um grande alicerce para a comédia da personagem.
Assim, Saltburn promete gerar desconforto e gargalhadas no seu público, enquanto reflete sobre temáticas como obsessão, poder, sexo e vergonha. Ao colecionar e fundir os melhores aspetos de filmes, e livros, de terror e romance, Emerald Fennell entrega-nos um filme dinâmico, único e impossível de deixar qualquer um indiferente.
Que bom que é voltar a ter um filme onde só é possível odiá-lo ou amá-lo: This is cinema.