Crónica de Patrícia César Vicente
Ilustração de Nicolae Negura
Abastecemo-nos de tanta coisa, mais até do que precisamos e a menos também. Somos uns consumidores desenfreados sem paixão. Já só compramos, muitas vezes sem sabermos que falta nos vai fazer. Ou se algum dia fará sentido estar numa prateleira a apanhar pó. De armários vazios temos a lembrança do que faz falta, do que devíamos ter comprado e chegámos tarde demais ou desistimos. Tudo tem hora de fechar. As portas não se abrem só porque nós queremos. Elas têm o seu tempo como tudo na vida.
Fazer listas de compras nem sempre resulta porque nos distraímos nos corredores com promoções ou campanhas de marketing manipuladoras. E já nem falo do preço que pagamos pelas supostas promoções. Nem todos os negócios que são bons são os melhores para nós. Se pudéssemos, o melhor seria fazer compras apenas através de talões de troca. Deixávamos o ego e trazíamos compaixão. Talvez amor. Resgatar amor próprio parece ser tarefa para aqueles que fazem acampamentos à porta do supermercado e conseguem as senhas premiadas. Até parece um sistema viciado, mas não. Os bens mais valiosos não se compram com dinheiro, os bens mais necessários só se conseguem se ultrapassarmos obstáculos. Muitos de nós passa no supermercado ao final do dia. Quando nos lembramos do que falta para a semana ou mês seguinte e entre a fruta já tocada, caixas amolgadas e desconto nos iogurtes com prazo de validade quase a terminar lá encontramos ego disfarçado de confiança mal temperada.
Uma caixa de sushi preparado às dez da manhã para jantar por volta das onze da noite. Já não há sashimi que esteja apresentável aquela hora. Mas porque não insistir em trazer o sushi que mais tarde vamos lamentar? Pode ser que se pareça com qualquer coisa que sabemos que queremos muito mas nunca nos esforçamos o suficiente para a alcançar. É como sonhar com uma casa nos Hamptons e contentarmo-nos com um T0 numa cave menos dois, com divisões sem janelas em Barcarena ou Tercena.
No supermercado das vaidades há sempre tempo para comprar, vender, trocar, já as devoluções têm políticas conservadoras e até impiedosas. A falta de confiança e a desconfiança do consumidor faz com que ele se pareça interessado em comprar, mas no fundo é difícil de arriscar quando há tanta oferta e falta de fé. Só sabemos o que deveríamos ter comprado quando chegamos a casa, os sacos em cima da bancada e começamos a arrumar armários, prateleiras, gavetas e dispensa. Lembramo-nos do que tivemos na mão, a pensar que era mesmo aquilo que estávamos à procura. Lemos o rótulo, pensámos e na altura colocámos de volta na prateleira. Ao final do corredor voltámos atrás, o preço até era caro mas valia a pena. Hesitamos. Pensámos outra vez. Acabámos por colocar de volta na prateleira. Demos uma volta pelo supermercado, enchemos o carrinho de compras com tudo o que conhecemos, com o básico mas não essencial. Estávamos prestes a chegar à caixa e decidimos voltar. Havia de valer a pena e queríamos tanto. No seu lugar estava uma placa a dizer “Esgotado”.
Perdemos outra vez a oportunidade de ter algo que queríamos muito, o medo do desconhecido deixa-nos quase sempre no mesmo lugar. O lugar de quem nunca avança por falta de amor próprio embrulhado em dúvidas e entrelaçado em recordações que nunca ultrapassou. Mais importante do que ter confiança no mundo e no que compramos, é ter confiança em nós e no que nos faz feliz. Tudo acaba por esgotar quando nos perdemos no supermercado das Vaidades.
texto de Patrícia César Vicente e ilustração de Nicolae Negura para PARQ_71.pdf (parqmag.com)