Texto de Lara Mather

A segunda série portuguesa da Netflix, “Rabo de Peixe”, estreou dia 26 de Maio de 2023 e já fez História ao entrar no Top 10 mundial de séries de língua não-inglesa da plataforma de streaming. Um sucesso tanto a nível nacional como internacional, o público já pede uma segunda temporada.

Criada pelo açoriano Augusto Fraga, a série é baseada vagamente no acontecimento verídico e bizarro que se deu no Verão de 2001 quando meia tonelada de cocaína deu à costa de Rabo de Peixe, uma vila localizada na ilha de São Miguel, nos Açores.

Protagonizada por Zé Condessa, que esteve recentemente no Festival de Cannes como parte do elenco do novo filme de Pedro Almodóvar, e por Helena Caldeira, André Leitão e Rodrigo Tomás, a série segue 4 amigos numa violenta aventura em que decidem vender a droga, que veio dar à costa, numa tentativa de livrarem-se das suas preocupações e realizarem os seus sonhos. No entanto, tudo tem um preço e o velho ditado “achado não é roubado” não se aplica.

É impossível não nos apaixonarmos ou torcermos por eles, apesar das decisões questionáveis.

Fazem também parte do elenco Kelly Bailey, Maria João Bastos, Albano Jerónimo, Pêpê Rapazote, José Afonso Pimentel, Salvador Martinha, Adriano Carvalho, João Pedro Vaz e Daniela Ruah.

Augusto Fraga é o realizador dos episódios 1,2,5 e 7 e Patrícia Sequeira é a realizadora dos restantes episódios 3,4 e 6. Apesar de haver muita ação, sente-se um certo esmorecer da narrativa a partir do episódio 5, porém, as atuações são brilhantes.

O primeiro projeto de ficção do realizador de publicidade surgiu após ter sido um de dez vencedores do concurso promovido pela Netflix em colaboração com o Instituto de Cinema Audiovisual (ICA) lançado em 2020, para argumentistas, com o objetivo de promover novos projetos audiovisuais nacionais.

Produzida pela Ukbar Filmes, a série de sete episódios foi filmada integralmente em Portugal, maioritariamente em Rabo de Peixe, com exceção de um ou outro décor em Lisboa, e, conta com uma direção de arte fenomenal de Wayne dos Santos. O clube de vídeo em que a personagem Sílvia trabalha, “(A)MÉRICA”, foi restaurado e modificado para se tornar naquele espaço que vemos na série com uma atenção ao detalhe incrível. Os restantes décores também foram muito bem executados, a equipa de arte é um elemento crucial nesta série, não só representam visualmente uma parte muito específica dos Açores, como nos levam ao ano de 2001 de uma forma natural e bem feita com o uso de walkmans, cassetes, os primeiros telemóveis nokia etc.

A escolha intencional do elenco não falar com o sotaque micaelense de Rabo de Peixe foi alvo de grandes críticas ao qual o criador parece justificar-se num diálogo que a personagem de Salvador Martinha, inspetor Francisco, tem com a de Maria João Bastos, inspetora Paula, em que lhe diz “Não há nada pior do que um continental a imitar aquilo que julga ser a pronúncia dos Açores”. Preferiram não fazer do que fazer mal e embora haja opiniões divididas sobre o tema, nomeadamente entre açorianos, também sabemos que a série estando na plataforma de streaming Netflix tem como objetivo chegar a outros públicos para além do público português e por isso numa tentativa de internacionalização foi feita a escolha de não fazer o sotaque.

Contudo, foram feitas escolhas positivas para a região como por exemplo, com exceção do elenco principal, foi feito um casting local para as personagens secundárias e figurantes.

O diretor de fotografia André Szankowski, que trabalhou na mesma função na série “Glória”, capta lindamente o ambiente da vila, desde as paisagens montanhosas de tirar o fôlego, aos momentos do quotidiano das personagens e às cenas de ação.

Romeu Bairos, músico natural dos Açores, interpreta o rapper Sandro G na série, um ídolo da sua infância que há dez anos lhe pagou o bilhete de viagem para Lisboa. É com o tema “Eu não vou chorar” (Acústico), originalmente de Sandro G e reinterpretado acusticamente por Romeu, que retrata Rabo de Peixe de uma forma comovente e de certa forma melancólica, descrevendo o sentimento de aprisionamento da população, tornando-se a música mais marcante da série. A excelente escolha das músicas também inclui o tema “Ilhas de bruma” de Manuel Medeiros Ferreira que é também cantado na série por Albano Jerónimo que interpreta a personagem Arruda. Ele canta-a nas cenas em que está prestes a matar alguém, dando um novo simbolismo ao espetador quando ouve a música.

É uma série absolutamente incrível, visualmente não podia estar melhor. Os diálogos muito bem escritos por Augusto Fraga, Hugo Gonçalves e João Tordo, com frases icónicas, algumas delas já virais, e as performances impecáveis, “Rabo de Peixe” eleva a fasquia do conteúdo audiovisual português a muitos níveis.

Esta série inclui consumo de drogas, comportamentos violentos e muitos palavrões.

Texto de

Lara Mather