Os anjos existem, assim como o Dominic Toretto e o Rui”
Crónica de Patrícia César Vicente
Ilustração de Effe Illustration
Os anjos são improváveis, mas existem. E são muitos. Até hoje que eu visse nenhum deles usava o dito par de asas brancas, mas a mim ninguém me engana. Os anjos existem.
De uma forma inesperada aparecem anjos em forma de gente na nossa vida. Não vem fazer nenhum salvamento tipo MitchBuchannon das Marés Vivas, nem aparece um qualquer Dominic Toretto num Dodge Charger R/T 70 em modo Velocidade Furiosa. Não, nada disso. Basta um ser humano ser…humano. E também não é preciso estarmos à beira de uma ponte para alguém nos salvar. As palavras têm poder e as acções fazem a diferença.
Está quase a fazer um ano que conheci o Rui. Quem é o Rui? É que nem eu vos sei responder a isso. Num final de tarde, caminhava eu pelo Chiado. Levava um daqueles vestidos traçados até aos pés. No entanto, o vento de final de tarde insistia em que o vestido se abrisse e eu desesperada já com casaco á cintura e mão firme para que ele não continuasse a abrir e mostrasse desde os tornozelos até às cuecas. Foi uma viagem muito linda com homens de todas as idades a mandarem os dispensáveis “piropos”, os olhares e os destemidos que paravam à minha frente e diziam coisas que eu respondia com aquele olhar 33 como que a mandá-los para o …enfim! Estão a perceber, não é? Encontro o Rui depois de andar quase uma hora nisto, ele aproxima-se de mim como que a perguntar alguma coisa e eu reviro os olhos e começo a andar mais depressa. Entro numa loja, saio de outra e lá encontrei novamente o Rui. Quando eu estou a passar por ele, ele diz qualquer coisa. E eu bruta como sei ser lá lhe disse: “Mas qual é o teu problema?” E ele lá responde: “Nada, estava a comentar comigo mesmo uma coisa sobre aquela loja.” E aponta. É nesse instante que olho para ele e percebo que ele não tinha maldade nenhuma, ele estava a ser honesto. É uma pessoa genuína que se está a borrifar para o que os outros pensam. Respondi um simples ok e desci as escadas enquanto falava ao telefone. Chegou a hora de jantar e quis jantar qualquer coisa rápida…Sushi, para ser mais exacta. Entrei, quem é que estava à minha frente? Não era o Mitch, nem o Toretto, era só o Rui. Viu interagir com o sushiman, com a empregada, ele era mesmo assim. Extrovertido, sem maldade, brincalhão com toda a gente. Quando dei conta estávamos a falar em mesas diferentes. Toda uma interação entre mim, o Rui e os empregados do Restaurante. Ríamos, comentávamos actualidade e o facto do Rui dizer que parece maluco, mas que no fundo ele está bem com ele mesmo e não tem problema em falar com ninguém. Confere. No final do jantar lá lhe acabei por dizer que já era a terceira vez que nos cruzávamos e ele lembrou-se e diz-me: “eras aquela que me respondeu não sei o quê ali naquela rua?” Confere, eu mesma. E com remorsos naquele momento. Despedimo-nos eu saí e ele ainda lá ficou. Quando estou quase a chegar ao Terreiro do Paço olho à minha volta e do outro lado do passeio lá está o Rui, chamo-o. Ele grita do outro lado do passeio muito depressa: “Não, é que eu venho aqui caladinho deste lado do passeio para tu não pensares que te estou a perseguir. Mas é que eu tenho mesmo de vir por aqui porque tenho de ir apanhar o barco para voltar para casa.” Ri-me com vontade. Fomos juntos no mesmo passeio a falar e disse-lhe que nada acontecia por acaso. Que ele no mesmo dia se tinha cruzado comigo várias vezes por alguma razão. Falámos, convenci-o a parar e a tomar um café. Contei-lhe ideias, planos e sonhos. Ele ouviu atentamente. Até chegar a parte em que lhe confessei um problema amoroso e ele deu-me um grande conselho. Vi de outra perspectiva e isso ajudou-me. E muito. Voltei para casa decidida e feliz.
Nunca mais vi o Rui, não tenho o número dele, nada. Mas fico-lhe grata pela paciência, dedicação, honestidade e generosidade para com esta desconhecida. Há pessoas que passam pela nossa vida à velocidade de um furacão apenas para nos manter no lugar que devemos estar naquele momento.
É no imprevisível que conhecemos anjos. E também é no imprevisível que mora a felicidade.
Crónica de Patrícia César Vicente para PARQ_74.pdf (parqmag.com)