Crónica de António Barradas

Mate é a falta de brilho quando nos deparamos com a vida em xeque. Somos peões de um jogo de quadrados que nunca aprendemos a jogar. Sem geometria feita de raízes a permitir-nos entender a solução. Valemo-nos do caule ganho pela experiência a investir em flores, sem antevermos que dessem frutos. Quando nascem, não os deixamos cair de maduros, mas somos demasiado verdes para perceber o seu valor. Sabemos mexer as peças, movimentamo-nos em direcção ao fim de um tabuleiro, que nos parece eterno. Em troca de quê? De mais uma figura para nos forçar a continuar? De novo alento na guerra contra nós mesmos? Da esperança de roubar a coroa à rainha para nos darmos um suposto significado?

Procuramos estratégias, inventamos trilhos e cavalgamos por entre um xadrez monocromático. Não sabemos o motivo para nos sentirmos assim, contudo, vermo-nos derrubados parece sempre o fim para quem ainda está a apalpar terreno. Um passo na diagonal e somos devorados por um estratega astuto, a ludibriar-nos com a falsa sensatez do “jogar pelo seguro”. Outro em frente e já anteviam que o fizéssemos, deixando o factor surpresa inibido, vergado e pressionado pelo tempo. Andamos em ‘L’ e parece-nos uma letra demasiado confusa para estarmos envolvidos nela. Procuramos agarrar no alfabeto e construir uma palavra com essa própria letra. Tentamos “liberdade” e arriscamos na jogada. Trocamos duas casas avante por uma, na esperança de que a defesa seja o melhor ataque e não nos traia como a imprevisibilidade o havia feito.

Rirkrit Tiravanija, untitled 2015 (demain est la question), 2015, Silkscreen on ping pong table and paddles, 76 x 152.5 x 274 cm, Installation view, Nouveau Festival, Centre Pompidou, photo : Florian Kleinefenn, Courtesy artist & Galerie Chantal Crousel, Paris

Protegemo-nos, por termos medo da ofensiva, mas não atacamos por investirmos demasiado tempo a resguardarmo-nos. É este impasse, de horas a fio, perdendo o fio à meada e vivendo de decisões erradas em decisões menos certas, até à lembrança de que o tempo perdido a deambular num limbo é vida que não volta. Gastamos energia a rodos a pormo-nos em xeque por termos desguarnecido a rainha. Falta-nos a astúcia para decifrarmos que somos reis de nós mesmos. Isso vem com a maturidade. Vem com os passos em falso, maiores do que as pernas que nos vão rasteirando a cada jogada.

Giramos, rodopiamos e voltamos para ver se está tudo bem. Se a eterna satisfação do conforto ainda se mantém de pé. Se nos mantém de pé. Pelos entretantos a pressão borbulha, com o fervor da ansiedade de querer tudo de uma vez. Devoram-se peças, sem pensar na estratégia para ganhar. Chegar ao fim é sempre o trunfo maior para quem deixou a pressa devorar a perfeição. O significado que nos foi incutido, pelo menos.

Às vezes só necessitamos de varrer tudo em frente. Entre a incerteza de um “preto e branco” a não virar côr; vamos tacteando de cor os erros já feitos. Olhamos para o adversário, para aferir a pulsação e vemo-nos a nós. Reflectidos no espelho do tic-tac da urgência de nos vencermos. É o motivo maior de todo este jogo de xadrez ao qual chamamos vida.

Não existe jogada certa. Por mais estrategas que sejamos a magia da vida residirá sempre na sua surpresa. A ansiedade forma barreiras, o ócio cria fossas, mas a adrenalina do bem-estar leva sempre de atrelado o medo de sermos derrotados sem dar por isso. Agarremo-nos ao prazer de desfrutar deste jogo, porque a vitória final, terá sempre um travo a derrota.

Xeque-mate.

texto por António Barradas para a revista PARQ 68 Dezembro de 2020