texto de Alex Couto
fotografia de Maria Rita
Rafael Leão é um futebolista no patamar de excelência que qualquer menino já sonhou para si. Felizmente, também é muito mais do que isso. Sim, mais do que o MVP da Serie A e campeão da última edição, mais do que aquele golaço no Mundial que dificilmente vamos esquecer. A forma como navega no mundo da moda e da música revela como criadores visionários podem surgir sempre onde menos esperamos.
“Eu tento separar as coisas, podia ser música como podia ser moda ou outra coisa qualquer. Eu sou futebolista, mas não podemos ter limites para o que queremos fazer.”
Com profissionalismo e paixão em simultâneo, Rafael Leão explica-nos que o seu clube, o campeão italiano AC Milan, confia na sua gestão. Por muito que nos apresente projectos criativos como a marca Son is Son, ou a sua chegada ao rap como Way 45, nunca deixa a performance dentro das quatro linhas baixar de intensidade.
“Sempre gostei de música, quando ia para o treino, quando era mais novo, durante os intervalos, sempre foi uma maneira de me divertir. Talvez por causa do meu pai e do meu tio, sinto que a música vai fazer sempre parte de mim.”
Vai ser mesmo pela música que começamos a falar. Nota-se o à vontade de Rafael neste tema, o seu sorriso surge com naturalidade quando fala sobre as primeiras canções se começaram a ouvir em casa. Pergunto-lhe de onde surgiu esta paixão:
“O meu pai fazia música e o meu tio era DJ, ouvia os sons que o meu pai fazia porque ele já tinha projectos feitos e ouvia os CD’s que ele tinha lá em casa com as suas músicas. Era semba.”
Depois do seu primeiro projecto, Beginning (2021), que surgiu depois de Rafael Leão ter começado a escrever canções na quarentena, continuaram a somar-se colaborações e singles. “Eu sou uma pessoa que não fala muito, mas escreve bué.”
“Aquilo que eu tento transmitir na minha música é aquilo que as pessoas não sabem, muito do que tenho guardado dentro de mim e que não transmito assim tanto ou que não consigo transmitir em entrevistas, nem dou muitas entrevistas, mas que consigo através das minhas letras. Na música, consigo controlar isso.”
Para além de lhe oferecer uma forma de expressão que o futebol simplesmente não oferece aos seus atletas, Rafael Leão não esconde que a música é uma chance de dar a conhecer o seu talento, assim como muitos outros. Quer utilizar a sua plataforma para também dar a conhecer o talento que reconhece.
Aproveitamos essa vontade de partilhar músicos em que acredita para falar sobre a 608 Records, a editora a que Rafael Leão pertence, em conjunto com músicos como Meggy, Allis, LeoStunna e YeezYuri. Não é um clube de futebol, mas também é a sua equipa:
“Tenho plena confiança nas pessoas que nós escolhemos e estamos a trabalhar com excelentes profissionais e artistas com muito talento. Também estou ligado à Bgang, artistas do meu bairro também e que estão inseridos no meu álbum.”
Aproveito a passagem para o bairro para também mudar de assunto, para saber se a moda também o acompanha desde a altura em que crescia no Bairro da Jamaica, no Seixal.
“Nós tínhamos pouco, mas éramos vaidosos. Os rapazes com quem eu me dou não sonhavam em vestir Louis Vuitton, mas já gostavam de ir à Zara e pegar umas cenas pequenas diferentes dos outros.”
Há uma sinceridade nesta expressão pessoal que é evidente quando vemos o Rafael Leão. O seu gosto por moda é orgânico e durante a sessão de fotografias a conversa foi animada pelo seu gosto e considerações acerca das escolhas de styling do Tiago Ferreira.
Tal como na música, isto é algo que vinha de casa, ainda antes de vir do bairro:
“Eu já gostava, mas as pessoas ao meu redor também foram sempre muito vaidosas. Quando eu era puto o meu pai não me deixava sair mal vestido e quê. Dizia-me para não sair de casa sem relógio, nem que fosse só para ver as horas.”
Conversámos também sobre como a relação de Rafael Leão com o bairro o deixou com vontade de criar um projecto mais próximo do streetwear. A marca Son is Son já lançou vários drops e teve direito a destaques na imprensa dedicada ao hype. Eu aproveito para perguntar ao Rafael quais são as peças de roupa mais clássicas do streetwear para ele:
“Fato de treino. Nós usávamos mais fato de treino. Agora é que já ligamos mais às calças largas, mas fato de treino veio primeiro.”
E também aproveito para lhe perguntar se o AC Milan é o clube mais pausado ou não (para mim é, daí a pergunta).
“É um dos mais pausados. Neste momento, sem dúvida. Quando eles fizeram aquele casaco… A collab que nós fizemos com a Off-White fez mesmo que as pessoas olhassem para o Milan mais como um clube da moda.”
No que toca aos futebolistas, conseguimos descobrir que também curte o estilo do “Bellerin, ya. Joe Willock. João Cancelo, também curto o estilo de vestir dele.”
Quando pergunto se curte outros desportistas para além do futebol, volta a revelar aquela ligação à cultura que o caracteriza: “Shai.” Está a referir-se a Shai-Gilgeous Alexander, o basquetebolista dos Oklahoma City Thunder que junta as performances em campo à viralidade dos seus coordenados.
Rafael Leão também nos conta como certas ideias podiam aproximar o futebol da moda. Esta sugestão que me deu, com tranquilidade, deixou-me a pensar do porquê de não se aproveitar mais esta convergência entre desporto e cultura:
“Também acho que podíamos ir buscar um bocado aquela cena dos Estados Unidos, chegar com roupa normal vestida. Queria mais conteúdos desse género.” Concorda comigo quando lhe pergunto se fazer como na NBA seria cool.
Mesmo quando a conversa teve um grande foco na música e na moda, ainda arranjámos um bocadinho de tempo para falar de futebol. Não tem rodeios quando lhe pergunto quais são os seus sonhos por cumprir:
“Bola de Ouro e Liga de Campeões.”
Lembrei-me de quando anteriormente na conversa me tinha dito que os seus collabs de sonho na música seriam “Lil Baby, Roddy Rich e Lil Durk”. Quando se está a lutar para que os sonhos aconteçam, é natural que se tornem mais ambiciosos.
Ainda assim, para continuarmos no campo das coisas que só acontecem a quem trabalha muito por elas, perguntei ao Rafael como foi ganhar o MVP da Série A:
“Sinceramente, não estava à espera. Nós fomos campeões, recebemos o prémio e depois disseram-me para esperar que ia ganhar o melhor jogador do campeonato. Ya, ya, vou esperar.”
Diz-me que não o teria conseguido fazer sozinho:
“Foi fruto da época da minha equipa. Estivemos muito fortes, também tive um grande contributo, mas não estava à espera.”
Antes de nos despedirmos, não me esqueço de lhe perguntar se tem algum conselho sobre como fazer um estúdio em casa para quem também tiver o sonho de se mexer na música:
“Eu tenho um mini-estúdio. Colunas, microfone e um computador. E uma placa de som. Actualmente, consegues fazer tudo. Vais ao YouTube, tutorial, melhor do que ficar à espera do teu produtor, arranjas sempre uma forma.”
O Rafael Leão mostra-nos que quando somos convocados, só temos de estar à altura das expectativas. E mesmo que isso seja um bocadinho assustador, só temos de nos convencer a nós mesmos para os receios parecerem mais pequenos e fáceis de controlar. “Hoje metemos dois golos, o próximo jogo logo se vê.”
fotografia Maria Rita para PARQ_78.pdf (parqmag.com)
styling Tiago Ferreira
MU Verónica Zoio
ass/styling Giulianna Mancuso