MR. DHEO

Texto de Rafael Moreira

O street art está espalhado por todo o mundo. Surgiu na década de 70, nos Estado Unidos e é facilmente reconhecido pelo seu carácter dinâmico, efémero e arriscado. Esta expressão artística pode ser realizada como mero hobbie, mas devido ao seu crescimento e reconhecimento culturais nos últimos anos, há já quem consiga fazer desta vertente artística profissão e tenha vindo para revolucionar o meio. Já é conhecido por todos, e por isso, Mr. Dheo dispensa apresentações.

Comecei a pintar sozinho na altura e longe de imaginar que viria a fazer disto profissão. Tornar-me naquilo que sou hoje a nível profissional.”

É autodidata e conheceu o graffiti aos 14 anos de idade, quando através de um videoclipe começou a ouvir hip-hop. A verdade é que nunca se sentiu muito atraído pelas formas convencionais de pintura e encontrou no graffiti algo completamente diferente daquilo que já conhecia. “As dimensões, as cores, a irreverência e a rebeldia” foram os principais fatores que criaram a ligação de Mr. Dheo com este género artístico. Tinha três anos quando começou a dar os primeiros passos no desenho e sempre rejeitou qualquer tipo de envolvência com o ensino ligado à arte, fazendo com que desenvolvesse uma exclusividade nas suas próprias técnicas. “Tive uma infância feliz. Nunca me faltou nada e, portanto, tive sempre o apoio da família, tive amigos por perto, tive sempre as condições todas para crescer de uma forma saudável e feliz.”

Estudou comunicação, mas confessa que, desde que começou, o graffiti nunca mais saiu da sua vida. Admite que sempre foi muito low profile porque não sentia necessidade que as pessoas conhecessem o reu rosto, mas sim o seu trabalho. Durante 19 anos da sua carreira optou por manter em segredo a sua identidade, mas começou a ser impossível devido ao número de pessoas que o foram conhecendo, “quase fugiu do meu controlo e aquele misticismo foi um bocado por água abaixo.”

Nem tudo é um mar de rosas e as dificuldades também fazem parte do crescimento deste artista, é “tu veres desde muito cedo que tinhas que educar as pessoas para uma coisa nova, mostrar que o valor não é uma palmada nas costas e quase criar um mercado próprio para ti”. Confessa que o mundo dos negócios é algo muito duro quando se começa muito cedo e não existe preparação, é pensarem que “é um miúdo que pinta na rua, por isso, se nós lhe pagarmos o almoço e as tintas ele vem”. Foi e continua a ser um caminho muito difícil, e por isso, considera que as suas maiores qualidades são a perseverança e o amor por aquilo que faz.

Em Portugal, considera que a arte ainda é pouco valorizada e que a tendência portuguesaé valorizar “o que é internacional” e afirmou que “só és realmente valorizado quando fazes algo grande e relevante lá fora”. Evidenciou até o exemplo do seu primeiro “choque cultural positivo”, quando em 2010 chegou a S. Paulo e percebeu que as fachadas maiores eram reservadas exclusivamente para os moradores locais e por isso, “tu se querias pintar, tinhas que ir a um muro alternativo”.

Hoje, já são mais de 50 as cidades por onde deixou a sua marca e muitas mais a pessoas que nele se inspiram, “é estranho para mim estar numa posição tão elogiada, mas claro que isso me traz um orgulho enorme e faz-me pensar que todo o meu percurso valeu a pena.” E pelo contrário, quem o inspira? “Às vezes um comboio pintado ou uma fachada de um prédio é para mim uma inspiração brutal.” Ver o que acontece no nosso país e as conversas que tem com a família e amigos são como “gasolina para mim” e muitas das suas intervenções não passam de críticas ou problemas sociais que, na sua opinião, merecem ser ouvidos.

Da vasta panóplia de trabalhos realizados, não há nenhum que seja o seu favorito até porque considera que em cada um deles viveu experiências únicas que o fizeram crescer a nível pessoal, mas existem locais que o marcaram mais que outros. Uma delas foi na Faixa de Gaza porque “é uma experiência que ultrapassa aquilo que todos achamos normal a partir do momento em que estás a pintar e consegues ouvir bombas a explodirem a 400 metros. Tu sabes que pode correr mal, mas não consegues controlar”, a outra “talvez terá sido o da Trindade” não só por ter sido o primeiro moral oficial no Porto, mas porque depois de 14 anos de censura camarária, retratou o seu pai e por isso, “óbvio que tem um simbolismo muito importante para mim”.

Existem outras áreas que o interessam, como é o caso da Investigação Criminal, mas considera que “tive muita sorte em encontrar a minha verdade paixão”. O seu grande objetivo passa por deixar um trabalho que seja compreendido, que seja estudado, que faça parte da história, e por isso, para o futuro “enquanto fisicamente meu corpo permitir, vou continuar a trabalhar, a dar o melhor de mim. Sou o Mr. Dheo de sempre.”

texto por Rafael Moreira para a revista PARQ 68 Dezembro de 2020