texto de Manuela Marques @ma_da_faca
fotos de filipe Ferreira @filipeferreiraphoto
Maráia Quéri intitula uma especial dissertação académica, apresentada em palco – de teatro –, acerca da importância que a música tem no nosso dia-a-dia. Para a qual, Romeu Costa convoca detalhes biográficos, da sua cronologia pessoal, para construir um espaço de partilha e diálogo, num formato de conferência, analisando e desvendando questões intrincadas sobre Gosto musical. O que dizem de nós as playlists que organizamos, criteriosamente, e ouvimos, em diversas ocasiões?
Esta preleção desenrola-se entre momentos pedagógicos, onde se adquire ou relembra lições de solfejo, e reflexões concertadas pelas várias interrogações colocadas e ponderadas – inclusive resultado de um estudo via inquérito, previamente feito –, com intuito de abordar a ideia de guilty pleasure. Quais são os guily pleasures, musicais,que nos acompanham, ao longo da vida? Em que medida eles são capazes de nos revelar ou desnudar perante os Outros?
O conceito de Guilty Pleasure está circunscrito a um espaço de intimidade, a solo, de si-mesmo para si-próprio. Sendo um estrangeirismo quase intraduzível, ou repare-se, e aplicando a tradução à letra para português: Culpa Prazer, portanto entendendo-se como um Prazer Culpável ou uma Culpa Prazerosa. Esta expressão-sentimento está, claramente, associado a algo que nos satisfaz bastante mas que, por algum motivo, nos pode envergonhar, se cair em domínio público.
No que diz respeito à música, o guilty pleasure parece agir como um lugar íntimo para nos encontrarmos – seja por desilusão, nostalgia, euforia, dor, raiva, amor, etc. –, potenciando a capacidade de ouvir, porque abre uma espécie de silêncio, mas um silêncio cheio de sentido pessoal, e que é intransmissível. A música funciona, naturalmente, como zona franca catártica, é o meio mais simples de ativar emoções – o infalível truque da ficção. Há uma certa beleza nos guilty pleasures, dado que nos permitimos Existir – mesmo que só em privado –, bem como algum pudor, pelo julgamento alheio, que coloca em causa a sensação de Pertença.
Mariah Carey, decerto o gatilho que originou este projeto, surge como referência, exemplo musical, em jeito de study case para adensar o tema em discussão. Ela [Mariah], uma figura incontornável da música pop, pelo seu legado, é, simultaneamente, símbolo de sucesso e de vulnerabilidade. Como tal, o nosso protagonista-orador evoca a diva, e a sua música, para nos ilustrar, com propriedade e verdade, a razão da sua tese.
Em cena, apenas Romeu Costa (ator e encenador), 2 cadeiras, 1 banco corrido, 1 mesa e alguns objetos pessoais – entre os quais estão artefactos tecnológicos dos anos 90, do século passado –, que é o suficiente para o transformar num Herói, singelo, pela sua generosa e dedicada entrega nesta peça. Ele [Romeu] arrebata-nos tanto com as palavras faladas, repletas de significado, como quando nos fala sustentado – canta – trechos de músicas, especialmente, de alguns temas icónicos da cantora que inspira o espetáculo. Em Maráia Quéri Romeu está Presente, em pessoa, sem necessidade de Representar – ou seja, de se tornar presente –, porque de forma nobre se expõe perante o olhar dos espetadores.
E com comoção, manifesto que Maráia Quéri é uma experiência imperdível, cumprindo-se como objeto artístico sensível e inteligente, aliando a vivência, a pedagogia e a cultura, razão que o torna acessível e tangível a uma larga diversidade de públicos.
texto Manuela Marques
fotos Filipe Ferreira
«MARÁRIA QUÉRI», de 16 Fevereiro a 6 Março 2022, no TNDM II, Lisboa
Direção Artística e Interpretação ROMEU COSTA | Assistência Artística e Direção Plástica MARTA CARREIRAS |
Texto RAQUEL S. | Assistência de Encenação TADEU FAUSTINO e ANA BENTO |
Desenho de Projeção JOSÉ FREITAS | Desenho de Luz NUNO MEIRA |
Assessoria Musical ISABEL CAMPELO e FILIPE MELO | Produção Executiva MARIA FOLQUE