Estamos juntas e somos muitas

O feminismo é muitas vezes mal entendido. Enquanto muitos não perdem tempo a tentar perceber o que o feminismo realmente significa, outros associam o termo a um estereótipo qualquer – mulheres que detestam homens, que são contra-cultura, que não se depilam, entre outros absurdos. Não que haja algo de errado com estas posições, mas simplesmente não é o caso.

O feminismo diz respeito á igualdade e á justiça entre os sexos. Tão simples quanto isso. Não, igualdade ainda não existe. Não, a situação não está melhor do que antes. E – chocante – este não é só um assunto de mulheres, mas de todos.

Em Portugal, temos que falar do impacto do machismo. Muitas vezes descartado como trivial, é, na verdade, um preconceito que está por detrás de todas as formas de violência contra as mulheres – desde os olhares exploradores, a avanços indesejados, até ao assédio sexual, violações e assassinatos.

cartazes do colectivo rede 8 de Março

Os crimes de violência doméstica têm marcado o início de 2019. São doze as vítimas mortais (muitas delas mães) em menos de dois meses. O estado de emergência é ainda mais gritante se contarmos com vários outros casos que resultaram em feridos graves – ou com os que não foram denunciados. Andrea Peniche, parte do colectivo feminista Rede 8 de Março, que organiza a Greve Internacional Feminista 2019, no dia 8 de Março, na Praça do Comércio, ás 17h30, afirmou á Parq “a violência, o assédio e a justiça machista praticada nos tribunais portugueses são também razões que nos fazem sair á rua, porque de silenciamento estamos fartas e já percebemos há muito tempo que se queremos um futuro diferente, a nós cabe a tarefa de o construir, derrotando a cultura e as instituições que nos impõem quotidianos insuportavelmente desiguais”. Os gritos de revolta chegaram ao governo que se ocupam agora de alterar leis e formas de atuação na resposta a este flagelo.

ESTAMOS JUNTAS E SOMOS MUITAS

Um dia após a inauguração do presidente actual dos E.U.A., milhões em todo o mundo aderiram á Marcha Feminina de 2017. Um dos principais objetivos foi garantir os direitos das mulheres, que muitos entenderam estar sob ameaça. Outro momento decisivo veio quando alegações de assédio sexual foram feitas contra o produtor de filmes Harvey Weinstein por mais de 80 mulheres – alegações que ele nega. No Online, o activismo feminista também ganhou força. O movimento iniciado pela activista Tarana Burke em 2006, o #MeToo, tornou-se viral no twitter. Meio milhão de pessoas juntou-se ao á acção nas primeiras 24 horas e a hashtag foi usada em mais de 80 países. Movimentos como o #everydaysexism e fóruns de discussão como a palestra TED da escritora Chimamanda Ngozi Adichie, homónima do seu livro-manifesto “Todos Nós Devemos Ser Feministas”, também tocaram milhões.

Rita Gt

Todos esses movimentos seguem algumas preocupaçoes que estavam no cerne de trabalho de várias artistas. No caso português, a artista plástica e performer Rita GT enquadrava esta questão no projecto activista We Shall Overcome. Refere – “…em todos os lugares há uma sensação de descontentamento, de injustiça, de dissuasão da democracia por tiranias subversivas que minam e dominam os meandros da sociedade, política e economia”. (Por outro lado) há uma reativação dos impulsos sociais” que, nas palavras da artista, “contaminam a evolução, a paz e sobretudo o amor”. São exatamente essas as emoções expressas no trabalho de Wura-Natasha Ogunji, uma artista visual e intérprete cujo trabalho é profundamente inspirado pelas interações diárias que ocorrem na cidade de Lagos, Nigéria. As performances de Ogunji exploram a presença das mulheres no espaço público e incluem frequentemente a investigações de vários ambientes. Os seus desenhos são compostos por figuras costuradas á mão em papel e geralmente incluem pigmentos brilhantes e tintas iridiscentes. “Muitas das minhas performances destacam a relação entre o corpo e o poder social e a presença. Estou interessada em como as mulheres, em particular, ocupam o espaço através das acções”, esclarece.

Wura-Natasha Ogunji, performance

Carol Dall Farra, Rool Cerqueira e Vic Sales são verdadeiras revolucionárias e representam inúmeras mulheres que se recusaram a ser silenciadas novamente. Essas artistas femininas são parte dos Slams das Minas – encontros de poesia spoken word encabeçados por mulheres e que ocorrem desde 2015 em vários locais do Brasil. Através dos vídeos disponíveis online é possível sentir a força destes espaços de resistência, aceitação e visibilidade. As poetas garantem representação, reivindicam a auto-estima das mulheres e dão poder ás suas vozes, atuando como estratégias de combate á opressão. Os eventos da palavra falada catapultam a sabedoria das mulheres da periferia da sociedade.

Num encontro dirigido a grupos considerados “minorias” do sexo masculino, parte da sua Fundação, Barack Obama descreveu o que significa ser um homem – “é, em primeiro lugar, ser um bom ser humano – isso significa ser responsável, confiável, trabalhador, gentil, respeitoso, compassivo. A noção errada de que a masculinidade depende de derrubar alguém em vez de levantá-lo, de dominar, ao invés de apoiar…Essa é uma visão antiga que felizmente, vejo muitos jovens a rejeitar. O que queremos fazer é criar um espaço em que os jovens não precisem de agir de uma certa forma para se sentirem respeitados e admirados na comunidade”. E continuou, “é importante destacar exemplos de homens de sucesso que não adotam essa abordagem. Se você é confiante da sua força, não precisa oprimir outra pessoa. Mostre a sua força ao levantar alguém e tratar bem alguém, ao ser respeitador e liderar dessa maneira”.

Carol Peixoto, Mel Duarte, Luz Ribeiro e Pam Araújo lideram o Slam das Minas SP. 

“Eu gostaria de pedir que começássemos a sonhar e a planear um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e de mulheres mais felizes e mais verdadeiros para consigo mesmos. E é assim que devemos começar: devemoseducar as nossas filhas de forma diferente. Nós também devemos educaros nossos filhos de forma diferente…” – Chimamanda Ngozi Adichie in We Should All be Feminists.

Texto de Débora de Nóbrega para a revista PARQ, edição Março 2019

APAV | Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – 21 358 7900

UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta – 218 873 005

Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género – 800 202 148