Velveteen

Texto de Patrícia César Vicente

David Amado sonha. Sonha tanto que realiza. Da sua experiência de vida que uniu à arte para trazer representatividade. O que é ser negro e gay num mundo onde há racismo e homofobia. Num mundo em que há pessoas à nossa volta que ainda têm medo de serem quem são, pessoas que são diminuídas pela sociedade ao ponto de sentirem que não têm lugar em lado nenhum. Ou se tiverem, é dentro de uma caixa com um ou vários rótulos. Com Velveteen, um filme que pretende através da dança dar vida, dar forma, dar espaço e dizer-nos que somos todos livres para voar! Com um coração tão grande quanto a sua vontade, David Amado assume a realização do seu primeiro filme, já com novos projectos em vista. De artista independente, realizador, coreógrafo e bailarino temos a certeza que está no lugar certo, no momento certo e nós estamos cá para o aplaudir!

vestido Cyvertokio e mangas Francisco Felix

Parq : Como surgiu a ideia para este projecto e como foi colocá-lo em prática?

David Amado: A ideia de Velveteen sempre viveu dentro de mim de alguma forma. É vagamente baseado em minha experiência como um homem negro queer, vivendo num mundo que valoriza a heteronormatividade e a branquitude. Desde que me lembro, sempre me senti “diferente” ou “outro” devido às minhas identidades. Mesmo quando eu não entendia o que significavam “Negro” e “gay”, ainda me senti um forasteiro. E esses sentimentos de me sentir constantemente como se fosse “diferente” e, portanto, “menos do que”, minaram minha autoestima e minha capacidade de me sentir amável. Não viver de acordo com o padrão de normalidade fez com que eu sentisse defeituoso e nem mesmo digna de existir.

À medida que fui crescendo, comecei a compreender que havia muitos outros homens que se sentiam da mesma maneira. Homens como eu, cujas identidades e histórias estavam sendo apagadas e sufocadas de vergonha; a nossa própria vergonha que nos obrigou a negar quem somos e a vergonha dos outros que os obrigou a nos calar quando tentamos falar as nossas verdades. Em resposta a isso, tornou-se minha missão contar nossas histórias para que pudéssemos sair da escuridão, nos encontrarmos e criar um porto seguro. Era minha esperança que o Velveteen nos humanizasse, servisse como um espelho para negros queer e nos mostrasse que somos amáveis. Que se encaixe no padrão não é um requisito para ser adorável.

Montar o filme foi uma das experiências mais difíceis da minha vida, sem sombra de dúvida. Por um lado, foi fato de eu ser um artista independente a realizar meu primeiro filme no meio de covid-19. Porém, também foi difícil porque o projeto enfrentou muito racismo e homofobia na sua produção. Muitas organizações e associações tentaram impedir a produção do Velveteen. Muitas queriam que continuássemos a viver em silêncio e vergonha. Que não fizéssemos barulho.

A experiência de fazer o filme, espelhou a história que é contada dentro do filme. Foi uma jornada de grande resistência, muitas vezes me sentindo sozinho e desesperado. Foram as pessoas que conheci no processo de fazer o filme, a maioria delas negras e queer, que me ajudaram a mudar da perspetiva e terminar o processo. Que me ajudaram a não esquecer quem sou. Foi essa comunidade de artistas, nomeadamente o produtor musical, Xu Lopes, que me impediu de desistir de mim próprio e do projeto.

casaco Cybertokio

PARQ- O que é que aconteceu, neste caso até a título pessoal(se o puderes fazer, claro) que te fizesse expor e querer transmitir esta mensagem?

DA – O título do filme Velveteen é inspirado no livro infantil The Velveteen Rabbit (“O Coelho de Veludo Falso”). The Velveteen Rabbit conta a história de um coelho de brinquedo que quer se tornar um coelho de verdade, e acredita que a única forma de se tornar “real” é por ser amado e aceite.

Mesmo quando eu era criança essa história sempre ressoou em mim, porque mesmo sem entender o porquê, sempre me senti diferente de uma maneira desviante. E passei muitos anos da minha vida tentando ganhar o amor dos outros para ser e sentir “real”. Meu desejo de terminar o filme e contar essa história de amor-próprio e cura coletiva veio do desejo de me curar e de um sentimento de responsabilidade social. Não sou o único que lidava com essa carga mental e emocional de sentir inválido, e queria me liberar e liberar os outros.

Eu esperava que o filme servisse como uma afirmação da nossa beleza e poder quando nos encontrarmos em tempos sombrios de dúvida e ódio de nós mesmos. Que Velveteen podia nos lembrar quem somos quando esquecemos, como a comunidade das artistas no filme fizeram para mim.

Parq- David, és bailarino, coreógrafo e professor. De futuro que podemos esperar ou o que estás a preparar profissionalmente?

DA – O futuro é incerto, mas seja que for, vou criar. Continuarei a usar minha voz para elevar aquelas que são marginalizadas e silenciadas. Continuarei a montar trabalhos centrados em negros queer e que contam nossas histórias. Pretendo continuar a desenvolver minhas habilidades de cineasta com meu próximo projeto, que será um EP audiovisual que explora e comemora a sexualidade gay masculina. Enquanto Velveteen é uma obra mais pesada emocionalmente, o próximo projeto será uma celebração da vida queer. Um projeto alegre. Por ser um álbum, a música será o foco central com todos os vídeos dirigidos e coreografados por mim. A música é uma das maneiras rápidas de transmitir uma mensagem, e pretendo criar conteúdo que possa nos espelhar de volta para nós mesmos numa luz positiva e multidimensional.

Além disso, há muito tempo que sonhava começar um projeto de ação social na Amadora que oferecesse aulas de dança clássica a 50 crianças gratuitamente. Um programa pré-profissional de um ano para 25 meninos e 25 meninas. A dança clássica é o meu verdadeiro amor, e é importante para mim diversificá-la e torná-la acessível a todes. Eu gostaria de formar aqueles que foram excluídos da dança clássica e continuar a contar histórias mais inclusivas com ela.

total Look Cybertokio

Fotografia: AL&K

Direção criativa: David J. Amado e Cybertokio

Styling: Cybertokio

Beauty: Rafael Bassakin 

Modelo: David J. Amado

Estúdio: Estúdio Frederico Teles , DandyBlock

www.davidjamado.com

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