Colheita Nacional 2024 #3
Texto por Hugo Pinto
Há muita gente nova a fazer bom som nos mais variados géneros. Em 2024 houve cinco nomes que vi ao vivo e que se destacam por trabalhos sólidos e frescos. Vamos numa viagem pelo Afrotuga de Nídia com Valentina, passamos pelo hip-hop bem disposto do Conjunto Corona a caminho do free noise de Caveira. Terminamos na nova estrela Ana Lua Caiano, sem esquecer a cena avacalhada dos Unsafe Space Garden.
Conjunto Corona
Conjunto Corona é um duo de hip-hop alternativo nortenho. David Bruno e Logos andam nisto há mais de 10 anos, pintados com vários discos conceptuais, enrolados em dezenas de palcos, embriagados de sentido de humor em beats aprazíveis. David Bruno já é um nome maior da música portuguesa, uma espécie de Manuel João Vieira séc. XXI. A solo recomendo o épico suburbano Miramar Confidencial. Logos fez carreira nos Raiz Urbana e em vários registos a solo.
Quando os Corona lançaram Santa Rita Lifestyle em 2021, eu achei que eles iam rebentar.
E rebentaram. Tocaram no Primavera, em Paredes de Coura e no Nos Alive. Mas ainda sabe a pouco porque eles merecem mais. O ano passado lançaram Estilus Misticvs. Outro disco conceptual, carregadinho de anagramas demoníacos, referências a santos e mesinhas e a um Portugal raramente retratado nas rimas. Sim, é hip-hop e é urbano mas não se fica aí. É uma amálgama que tanto bebe de Run The Jewels como de Quim Barreiros. Têm a graça nos beats que, embora aparentem ser básicos, não deixam por isso de ser populares e equilibrados.As suas letras são uma pimbalhada inteligente, com aquele sentido de humor dos bifes, uns Sleaford Mods de Gondomar, como se o Emanuel tivesse caído num caldeirão de álcool e erva. Tudo isto é cultivado pelos próprios, não há desculpas.
Quando subiram ao palco secundário do Nos Alive, os groupies do duo, nos quais eu obviamente me incluo, já esperavam aquela mistura de rimas e notícias, algo entre o Correio da Manhã e o Jornal de Letras. Foi uma festa que me fez cantar, gritar, suar e dançar como nenhum outro concerto naquele festival. Os beats certeiros de DB e as rimas acutilantes de Logos fizeram deste concerto uma pândega monumental. O homem do robe, criatura mística que está para os Corona como o Bez estava para os Happy Mondays, foi o cicerone distribuindo hidromel e “dançando” como só ele sabe.
E se gritar “Gondomar” é um statement no Nos Alive, o que dizer de meter várias referências explícitas ao Isaltino no meio de “Mafiando bairro adentro”?!É esta capacidade de endrominar a realidade lusitana que me fascina neles. Sim, um dia destes haverá uma geração para quem tudo isto fará sentido e se tornará um clássico, por agora basta ser despreconceituoso e estar atento.
Também ajuda ter sentido de humor e saber rir de si próprio.
texto publicado em PARQ_81.pdf