texto de Lara Mather @lara_mather

Protagonizada pela comediante Ali Wong e pelo nomeado para óscar Steven Yeun, a série da Netflix “Beef”, produzida pela A24, criada e escrita por Lee Sung Jin, é sem dúvida das melhores séries de 2023.

O que começa por ser um ataque de road rage entre dois desconhecidos, Amy Lau e Danny Cho torna-se, sem querendo usar um trocadilho, num veículo condutor das suas vidas.

Beef. (L to R) Ali Wong as Amy, Steven Yeun as Danny in episode 106 of Beef. Cr. Andrew Cooper/Netflix © 2023

Enquanto que Amy aparenta ter uma vida perfeita como mulher bem sucedida, numa casa moderna com o seu marido e filha que a apoiam em tudo, ela na verdade sente-se incrivelmente sozinha e sobrecarregada, num casamento que não a satisfaz apesar de não conseguir identificar nada de errado, o que provoca nela um vazio enorme. E Danny apesar de ter também ele um negócio, não sabe gerir-se financeiramente da melhor forma e está numa luta interna constante em que não parece conseguir progredir na sua vida e quer desesperadamente agradar os seus pais e irmão.

Ambos sentem-se aborrecidos de certa forma com estas frustrações diárias de tentarem passar esta imagem de que estão bem quando não o estão e é este encontro inesperado dos dois que lhes traz uma certa satisfação e felicidade ao quebrar a monotonia das suas rotinas.

Quase como duas crianças a brincar num recreio, neste jogo de “apanhada”, Amy e Danny mostram ter mais em comum do que pensavam. Os diálogos entre os dois são impecáveis, dignos de uma masterclass em guião.

A série no fundo reflete a importância da saúde mental e de que nunca sabemos verdadeiramente o que se passa na vida dos outros.

Parte do sucesso de “Beef” tem a ver com o facto de que, independentemente da classe social, a vida adulta reserva muitas responsabilidades e por vezes grandes momentos de insatisfação. Se tivessem anunciado a série sobre dois sociopatas talvez não alcansassem o impacto que tem tido, pois é o facto do público se conseguir relacionar com estas duas personagens principais que torna a série apelativa.

As reações de Amy e Danny quando quase têm um acidente rodoviário logo no primeiro episódio, nada mais é que a exaltação de um acumular de fatores externos que saem cá para fora na forma de insultos. Gritos e gestos feios que muitos espectadores ja presenciaram ao longo do dia nas estradas do mundo inteirro. Sempre perturbador são estes momentos que tornam estes episódios relacionaveis. O público sente-se visto em ambas as personagens.

Na abertura de cada episódio quando aparece o título vemos obras de arte incríveis dignas de um museu que expressam muito bem o clima e a tensão de cada episódio. Curiosamente são da autoria de David Choe, um dos actores da série que interpreta o papel de Isaac, primo de Danny. David já não mostrava os seus quadros ao público há mais de 10 anos e Lee (o criador da série) quando os viu quis incorporá-los na série pelas emoções que retratam, proporcionando uma maneira bastante criativa e original de abertura. A música que ouvimos nessas aberturas é original da autoria do compositor britânico Bobby Krlic, de nome artístico, The Haxan Cloak.

A designer de produção, Grace Yun fez um excelente trabalho, com uma grande atenção ao detalhe, particularmente com a casa de Amy que tem uma atmosfera muito zen mas ao mesmo tempo parece uma prisão com as tábuas de madeira a separar as divisões, uma escolha muito bem pensada.

A preferência por temas musicais dos anos 90 e início de anos 2000 propostos por Tiffany Anders no fecho de cada episódio assentam perfeitamente suscitando interesse para ver logo o seguinte.

A série de 10 episódios foi repartida por 3 realizadores, Lee Sung Jin, Jake Schreier e Hikari e contou com a montagem brilhante de Nat Fuller, Laura Zempel, Jordan Kim e Harry Yoon.

Larkin Seiple, diretor de fotografia, usa pouca luz, as cores ficam escuras e os contrastes bem definidos, um clima pesado e sério que é o que a série pede, não há nenhuma cena com demasiada luz ou que remeta para alegria.

Uma mistura de géneros, um drama psicológico, um thriller e, atrevo-me a dizer, um tipo diferente de comédia romântica, com um elenco predominantemente asiático, “Beef” quebra todas as barreiras e por ser refrescante na sua originalidade merece ser visto.