texto de Lara Mather @lara_mather
Protagonizada pela comediante Ali Wong e pelo nomeado para óscar Steven Yeun, a série da Netflix “Beef”, produzida pela A24, criada e escrita por Lee Sung Jin, é sem dúvida das melhores séries de 2023.
O que começa por ser um ataque de road rage entre dois desconhecidos, Amy Lau e Danny Cho torna-se, sem querendo usar um trocadilho, num veículo condutor das suas vidas.
Enquanto que Amy aparenta ter uma vida perfeita como mulher bem sucedida, numa casa moderna com o seu marido e filha que a apoiam em tudo, ela na verdade sente-se incrivelmente sozinha e sobrecarregada, num casamento que não a satisfaz apesar de não conseguir identificar nada de errado, o que provoca nela um vazio enorme. E Danny apesar de ter também ele um negócio, não sabe gerir-se financeiramente da melhor forma e está numa luta interna constante em que não parece conseguir progredir na sua vida e quer desesperadamente agradar os seus pais e irmão.
Ambos sentem-se aborrecidos de certa forma com estas frustrações diárias de tentarem passar esta imagem de que estão bem quando não o estão e é este encontro inesperado dos dois que lhes traz uma certa satisfação e felicidade ao quebrar a monotonia das suas rotinas.
Quase como duas crianças a brincar num recreio, neste jogo de “apanhada”, Amy e Danny mostram ter mais em comum do que pensavam. Os diálogos entre os dois são impecáveis, dignos de uma masterclass em guião.
A série no fundo reflete a importância da saúde mental e de que nunca sabemos verdadeiramente o que se passa na vida dos outros.
Parte do sucesso de “Beef” tem a ver com o facto de que, independentemente da classe social, a vida adulta reserva muitas responsabilidades e por vezes grandes momentos de insatisfação. Se tivessem anunciado a série sobre dois sociopatas talvez não alcansassem o impacto que tem tido, pois é o facto do público se conseguir relacionar com estas duas personagens principais que torna a série apelativa.
As reações de Amy e Danny quando quase têm um acidente rodoviário logo no primeiro episódio, nada mais é que a exaltação de um acumular de fatores externos que saem cá para fora na forma de insultos. Gritos e gestos feios que muitos espectadores ja presenciaram ao longo do dia nas estradas do mundo inteirro. Sempre perturbador são estes momentos que tornam estes episódios relacionaveis. O público sente-se visto em ambas as personagens.
Na abertura de cada episódio quando aparece o título vemos obras de arte incríveis dignas de um museu que expressam muito bem o clima e a tensão de cada episódio. Curiosamente são da autoria de David Choe, um dos actores da série que interpreta o papel de Isaac, primo de Danny. David já não mostrava os seus quadros ao público há mais de 10 anos e Lee (o criador da série) quando os viu quis incorporá-los na série pelas emoções que retratam, proporcionando uma maneira bastante criativa e original de abertura. A música que ouvimos nessas aberturas é original da autoria do compositor britânico Bobby Krlic, de nome artístico, The Haxan Cloak.
A designer de produção, Grace Yun fez um excelente trabalho, com uma grande atenção ao detalhe, particularmente com a casa de Amy que tem uma atmosfera muito zen mas ao mesmo tempo parece uma prisão com as tábuas de madeira a separar as divisões, uma escolha muito bem pensada.
A preferência por temas musicais dos anos 90 e início de anos 2000 propostos por Tiffany Anders no fecho de cada episódio assentam perfeitamente suscitando interesse para ver logo o seguinte.
A série de 10 episódios foi repartida por 3 realizadores, Lee Sung Jin, Jake Schreier e Hikari e contou com a montagem brilhante de Nat Fuller, Laura Zempel, Jordan Kim e Harry Yoon.
Larkin Seiple, diretor de fotografia, usa pouca luz, as cores ficam escuras e os contrastes bem definidos, um clima pesado e sério que é o que a série pede, não há nenhuma cena com demasiada luz ou que remeta para alegria.
Uma mistura de géneros, um drama psicológico, um thriller e, atrevo-me a dizer, um tipo diferente de comédia romântica, com um elenco predominantemente asiático, “Beef” quebra todas as barreiras e por ser refrescante na sua originalidade merece ser visto.