Noutra Vez

texto de Francisco Vaz Fernandes

Armando Ferraz apresenta no Clube de Desenho no Porto uma série de trabalhos recentes onde a mesa pensada enquanto superfície volta a ser ponto de reflexão. Aqui a superfície plana aparece em forma de plinto que dependente do seu conteúdo exposto ganha dimensões e revestimentos diferentes. As superfícies dos plintos servem de palco onde se encenam composições compostas por diferentes objetos que têm em comum serem achados. São materiais de pouco valor que foram encontrados, resgatados do seu estado de insignificância. Sobre os plintos temos tubos de pvc , conchas de caracóis, moedas, colheres, pequenos pedaços de madeira… Ou seja, cada um dos objetos estabelece uma relação, espoleta memórias que os tornam numa matéria sensível que vão além das formas.

No conjunto dos trabalhos expostos, vemos num primeiro plano a marca dos azares. As peças expostas testemunham percursos, traços da presença do artista no seu espaço vital. Marcam um território sensível pleno de vestígios que indiciam a sua própria existência. Depois num segundo plano encontramos a relação do artista com os seus próprios objetos, na forma como os acumula, como os seleciona, como lhes dá uma ordem e os categoriza formando as composições que podemos ver agora nesta exposição. Muitos deles estão colocados em situação de equilíbrio, num ponto de fragilidade que desafia a visão presente, podendo ser em breve, algo diferente.

Para um artista que é também professor de desenho na Faculdade de Arquitetura do Porto, é evidente a constituição de um pensamento a partir das formas. Elas aparecem na sua singularidade mas também na sua repetição, em perspetiva, em diferentes planos. Tudo com recurso a materiais muito pobres porque os materiais não importam nesse primeiro olhar em que se forma a composição. Podíamos deslumbrar, aqui e ali, volumes como se fossem elementos de uma maquete, até mesmo o perfil de um skyline , mas tudo fica num estado embrionária porque mais que fixar, o artista vê o mundo em transformação. Por isso, faz sentido olhar a folha de sala e enfatizar a citação à Clarice Lispector em a Hora da Estrela que inicia com “Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula…”

Apesar de estarmos num espaço que tem colocado o desenho como ponto de reflexão a verdade é que Armando Ferraz não se cinge a nenhuma disciplina. O interesse está neste ponto híbrido gerando composições onde podemos ver algo de pintura, mas também algo de escultura ou de instalação. O artista ensaia várias soluções e repete-as sem se preocupar com um desenlace ideal. Cada ensaio, na sua repetição dispõe-se como um terreno sensível do artista, resistente, apelando a uma visão mais profunda, mais complexa. O artista propõe que público se possa perder no deleite da descoberta das pequenas diferenças proporcionando a todos um olhar único. O próprio título da exposição “Noutra Vez” faz referencia a repetição e ao irrepetível de um momento, o que faz muito sentido no mundo atual complacente com as vantagens de estados formatados.

Clube de Desenho

Rua da Alegria, 970, Porto

4ª a 6ª das 14h30 às 19h , sáb das 10h30 às 13h e das 14h30 às 18h