Suite J
Texto por Francisco Vaz Fernandes
Ana Jotta apresenta na Galeria Miguel Nabinho uma instalação constituída, em grande parte, por peças criadas a partir de tecidos bordados, uns apropriados, outros feitos pela artista ou então, os dois em simultâneo. O recurso a linhas sobre o tecido, a que vamos chamar de “bordado” não é a primeira vez que aparece no trabalho da artista.
Em 1995 surgiram os primeiros. A aproximação à técnica, associada em geral ao lavor feminino, dá-se a partir de um pano bordado que encontrou, no qual se apresentava um desenho geométrico. Apesar da falta de experiência requerida, a artista desafia-se e compromete-se a completar o desenho programado por um anónimo seguindo apenas o que lhe parece ser uma sequência lógica. A esse seguiram-se outros, que eram a representação de linhas lançadas sobre o pano ou então figurações que, em geral, eram a transposição de desenhos de carácter popular, humorísticos, registados sem qualquer preciosismo. Talvez o mais conhecido seja “Roger” (1995), constituído por um toalheiro mecânico que ao permitir desenrolar a toalha de mãos, faz descobrir uma sequência de desenhos bordados repetidos. Para a artista, tal como para muitas mulheres da mesma geração, a sua identidade passou pela recusa dos atributos do ideal feminino, defendidos pelo Estado Novo, o que incluiu evidentemente a recusa da aprendizagem do bordado. Por isso, sem qualquer apetência e conhecimento, Ana Jotta vê naquele pano encontrado, numa época em que todos os trabalhos manuais são até menosprezados, a oportunidade de aprendizagem, sem com isso pudesse apontar para qualquer afirmação feminista, como hoje seríamos tentados a fazê-lo. Longe disso, olhando para toda a obra da artista que contempla vários tipos de experiências e técnicas não encontramos nada afirmativo na obra de Ana Jotta. Pelo contrário, é uma obra que se faz de acasos, que surge de pequenos compromissos que a artista estabelece para si própria, sem trajetória mas que involuntariamente deixa um trajeto, tal como as nossas vidas em geral, o percorrem.
Além disso, nesses primeiros trabalhos referidos, tais como os que se apresentam na “Suite J a vida é um palco”, a artista mergulha numa cultura popular, a partir do qual se posiciona, num mundo privilegiado, onde consegue quebrar com lógicas discursivas e estabelecer um certo caos, ao qual a própria carga autoral não escapa. De certa forma, a artista procura sabotar todas as redes que possam fixar involuntariamente um conhecimento como essência para um regime de poder, recusando fixar qualquer verdade, valor ou essência artística. Apesar dos aspectos expositivos e de uma certa materialidade, vivemos o sentimento de uma obra estilhaçada, em percurso, em que nada é para já.
Galeria Miguel Nabinho
R. Ten. Ferreira Durão 18 B, 1350-315 Lisboa
De terça a sábado, das 14:00 às 20:00