«A partir daqui, é ser só néon minhota»
Texto e entrevista: Rafael Vieira e Francisco Vaz Fernandes
Fotografia : Eduardo Gonçalves para PARQ_78.pdf (parqmag.com)
Com esta evocativa frase, partilhada após outra forte participação no Festival da Canção, Cláudia Pascoal anuncia mais uma etapa musical no seu preenchido caminho artístico. Na véspera de lançar o seu segundo álbum, chamado «!!», como habitualmente bem recheado de colaborações, falamos do seu percurso, deste e doutros projectos musicais e partilhamos os seus sonhos e ambições.
Concluíste uma segunda passagem pelo Festival da Canção e preparas o lançamento do teu segundo álbum em nome próprio, chamado «!!». O teu primeiro álbum foi o «!». Duplicaste a interjeição de um para o outro álbum. Este teu segundo álbum é também um statement, um manifesto pela música?
Este segundo álbum é um statement de quem eu sou verdadeiramente, por isso é que eu quis dar o mesmo nome, mas duplicado, porque é a continuação da minha descoberta enquanto artista musical. Sem dúvida nenhuma é um BI muito mais fidedigno a mim este segundo álbum, primeiro porque escrevi, compus e pré-produzi as canções todas. O processo acompanhou todo o meu crescimento, porque a primeira maquete que entreguei ao David Fonseca, que é o produtor do álbum, vinha gravada num telemóvel com um ukelele e a última música já vinha pré-produzida. Acho que é a analogia perfeita de como cresci enquanto artista musical e aprendi nessa área
E como vês o teu primeiro álbum depois desta evolução que referes?
Eu estou orgulhosa do meu primeiro álbum. Foi uma forma segura de me apresentar. Este [segundo álbum] é mais radical; e honestamente há uma transição perfeita.
No teu percurso palpita uma reinvenção constante, ainda antes do percurso com os Morhua até ao teu projecto a solo e às incursões pela televisão e festivais. Não apenas reinvenção musical, mas também estética. Esta procura entusiasma-te, é parte essencial da tua evolução criativa, saltos em frente, adiante?
Eu procuro sempre crescer em todas as vertentes em que me envolvo, foi por isso que tirei quatro cursos diferentes que não têm nada a ver uns com os outros. Eu gosto genuinamente de aprender, é tão simples quanto isso. Sempre fui a nerd da escola e continuo a ser; acho que vivemos uma época que prestigia os nerds. Aquela coisa de ficar um dia inteiro à procura de um som à frente do PC, com os meus óculos, é algo que agora é prestigiado. Portanto estou numa fase perfeita para viver e ser artista de música. Eu vou estar sempre à procura de novas formas de me apresentar e de evoluir. Gosto muito de todas as vertentes do audiovisual da música, a produção é algo de que me aproximo cada vez mais e que completa o meu trabalho
Para ti um álbum perfeito seria algo totalmente realizado por ti?
Eu já tento fazer isso, todos os artistas em Portugal já têm de o fazer. Um artista musical já não só faz a música e chega ao palco e canta, é diretor musical, produtor, fotógrafo, videógrafo; há todo um papel a preencher.
Sinto que estás continuamente a criar, até acho curioso que refiras que a música foi-se tornando como um desabafo, uma terapia, uma profissão e antes não era algo que tomasses muito a sério. Ou seja, foste galgando alguns degraus até te encarares como música. É verdade isto, foi um processo consciente de descoberta e de afirmação, com alguns percalços?
Eu nunca me levei muito a sério enquanto artista de música porque, lá está, foi uma das poucas áreas que não estudei. Quando me propuseram fazer um álbum, foi um desafio, mas depois percebi que as artes plásticas têm tudo a ver com música, o cinema tem tudo a ver com música e até a ourivesaria tem a ver com música, por isso percebi que estava na minha praia.
Ou seja, foste-te aproximando da música?
Exactamente, eu não comecei [imediatamente] a compor ou a escrever pautas. Eu dei a volta ao contrário, comecei a fazer vídeos e só depois surgiu a música, a composição e tudo o mais. Vou sempre pelos lados mais estranhos, mas eu gosto.
Temos que falar também de activismo e da tua canção «Nasci Maria». O activismo – e o feminismo, por exemplo – são elementos importantes para o artista enquanto elemento participante na actualidade. Vês-te assim, com essa presença e possibilidade de afirmação enquanto mulher artista, até como exemplo para os outros e outras? Mas também atrai reacções negativas, imagino.
O meu objetivo com o «Nasci Maria», nunca foi – agora vou aqui fazer um statement feminista, -ativista. Foi mesmo estar a falar de mim, desta frustração de ser mulher na música e estar constantemente a lutar para ter espaço, que já devia estar garantido como meu. Eu devia ter o direito de existir, tal como todas as pessoas e isso ainda não acontece totalmente. As músicas acabam sempre por ser autobiográficas, naturalmente falei novamente desta causa. Percebi, felizmente, que existem muitas pessoas que pensam de forma igual e tive muitas partilhas positivas a dizê-lo, a reconhecer-se nessa posição e a partilhar da opinião.
Mas algum motivo mais específico que te tenha levado a criar este tema?
Foi mais um conjunto diário de situações acumuladas. O mundo está a evoluir, felizmente, mas o mundo ainda pertence muito ao sexo masculino e isso tem que ser modificado. Na vertente musical sinto que ainda é bastante dominado pelos homens e isso tem que ser visto de outra forma.
A tua produção musical vive de imensas colaborações, já de antes e agora, também com o novo álbum, em que expandes esta ideia de comunhão com outros autores, com Filipe Melo, Tiago Bettencourt, Samuel Úria e Manuela Azevedo, até Nuno Markl e outros. Como é que funciona o processo de acolher e trabalhar todas estas contribuições? É uma coisa que procuras ativamente, colaborar com outros, fazer coisas a meias?
A música só faz sentido quando é partilhada. Eu vejo essa posição profissional como uma sorte muito grande e se não aproveitar para conhecer as pessoas que admiro, acho que estaria a ser muito burrinha. Portanto, basicamente é isso que eu faço com o meu trabalho, procuro as pessoas que mais admiro e quero aprender o máximo com elas, aproximando-me delas para trabalhar.
E como é feita essa abordagem? Qual delas te parecia mais difícil à partida e até tinhas vergonha só de pensar no contacto?
Não é vergonha, mas a Manuela Azevedo era a que me intimidava porque era a minha ídola. Fiquei mesmo nervosa quando lhe liguei, mal me atrevi a falar do álbum e já lhe estava a pedir desculpa. Mas ela disse logo que sim. Aliás, todas as pessoas que estão no álbum disseram logo que sim e é fantástico perceber que todos estes artistas, que tenho em grande consideração, querem ouvir-me e estar comigo. É simplesmente espectacular contar com eles.
Uma coisa que me agrada imenso é que a tua música não se arruma numa gaveta só, não é facilmente categorizável. Isto é, a única categoria possível é a música de «Cláudia Pascoal». A partir daí vais ao pop, à ligeira, à música tradicional portuguesa, a diversos caminhos em que testas a tua musicalidade. Vês que há ainda muito para explorares e testares, a nível de imagem e a nível de trabalho de voz, queres estar nessa posição de desbravadora?
Oh, isso é tão fofo. Adoro estas perguntas que vêm em forma de elogio. Eu nunca faço as coisas com uma intenção de procurar isto ou aquilo, se faz mais sentido ou não. Vou falando de mim e da minha raiz. Este álbum é resultado disso, fala da minha herança. Tenho a música ligeira com a Banda Musical de São Pedro da Cova (Gondomar), que apareceu no primeiro álbum, tem cânticos de ranchos e tudo mais. [Esta] é a minha origem, o meu BI. Se [me perguntam] no próximo álbum se vou novamente por aí, acho que não. No próximo álbum vou falar de mim, das minhas raízes de agora. Fazer música é a liberdade de estar constantemente a procurar novas soluções.
Ao ouvir-te, nalgumas músicas e nalguns trechos, percebo também – talvez reflexo do teu percurso camaleónico e das muitas colaborações – que, a haver um fio condutor, é o da fusão de géneros e linguagens sonoras. Concordas com isto ou achas um exagero? Que tal é ser néon minhota?
É inacreditável haver espaço para me expressar da forma como eu me sinto actualmente, que eu sei que não vai ser a mesma daqui a um ano, ou que não era há um ano atrás. É sempre muito bom ter a liberdade de existir e eu sei o quanto de privilégio isso contém. Vou ser sempre fidedigna àquilo que sou.
A música é claramente o teu elemento e é cedo para falar de um «!!!», quando estás a lançar o «!!» neste Maio. Mas não é demais perguntar-te, que projectos e colaborações e mais deambulações queres e podes revelar?
Já estou a trabalhar no terceiro álbum, porque o segundo já está feito, é só lançá-lo e trabalhar no próximo. Penso que [quero] dar continuidade a esta busca, de trabalhar com as pessoas que admiro. Já tenho uma lista extensa de gente a quem quero enviar músicas e quero combinar [colaborações], porque faz muito sentido. Agora, felizmente que vivo em Lisboa, tenho de aproveitar o ir a todos os estúdios de toda a gente que conheço e é isso que vou fazer, ir a casa das pessoas. Não consigo estar parada.
Mas que outras coisas poderias fazer, para não estares já a preparar o teu quarto e quinto álbuns?
Eu gosto de explorar todas as vertentes artísticas, o cinema e o audiovisual estão presentes a 100% na minha vida, apesar de eu estar um pouco cansada, porque fazer cinema em Portugal é algo exaustivo. Com muitos poucos meios torna-se complicado realizar ideias, mas nunca vou desistir do cinema. Gostava muito de exercer, por exemplo, a apresentação [de programas]. Foi uma vertente que só toquei durante a minha presença no Curto Circuito, em 2016. Gostava de o voltar a fazer porque, na verdade, eu só me aproximei da música porque o que eu gosto mesmo é de comunicação. Tudo o que seja meio para comunicar diretamente com as pessoas, seja a partir do teatro ou concertos, eu adoro e vou à procura disso.
Agenda
19 de Maio -Lançamento do novo álbum !!
24 de Maio – Concerto de apresentação no Maria Matos, em Lisboa
4 de Junho – Concerto de apresentação no Hard Club, no Porto.
Fotografia : Eduardo Gonçalves @egu.ardo + Styling : Sara Soares @cest.fantastique + makeup: Sara Marques de Oliveira @dapperfish + hair: Pedro Sacramento @420.bombshell + ass/fotografia: João Vasco @weneedgsus + ass/styling: giulianna mancuso @gflmancuso + location : Arrepio @arrepiolisboa