Balsame
Texto por Francisco Vaz Fernandes
Fotografia de Lydie Barbara
Xinobi apresenta o seu terceiro e mais recente álbum, “Balsame”, com selo Discotexas. Trata-se de um grito de amor traduzido em 10 temas onde conta com uma lista de colaborações femininas que atravessam tanto as fronteiras musicais como geográficas. As vozes de Meta, Alem-i Adastra, Margarida Encarnação e Arâm. Dão uma dimensão humana ao seu registo eletrónico como comenta Xinobi nesta entrevista à PARQ
A primeria impressão que tive, depois de ouvir tantas vozes femininas em registos vocais mais ancestrais, foi uma certa relação com o World Music, Foi algo que procuravas?
Este disco é um pouco mais orgânico apesar de ser um disco eletrónico. O que ganha relevo acabam por ser as línguas que aparecem ao longo dos vários temas que o compõem.. Aparecerem vozes a cantar, não é propriamente algo de novo. Uma voz em português já tinha acontecido com a Gisela João no “Fado Para Esta Noite” e, até certo ponto, na remix que fiz para O Terno – “Bielzinho/Bielzinho”. Agora ao contrário do álbum anterior que era inteiramente em inglês, temos algo mais poliglota e surge o francês, o espanhol e o turco para além do português como línguas predominantes
Mas que relações podes estabelecer entre a eletrónica e essa ideia de world music que essas línguas estrangeiras e até os géneros musicais locais, podem apontar? Parecem realidades muito distantes?
Nunca tinha pensado nisso, confesso. Eu não considero este disco, um disco de world music apesar da componente, digamos, exótica. Temos a tendência a associar world music a algo distante, sonoridades que vêm do oriente, de África e acabamos por não considerar o fado, a música tradicional portuguesa, world music. É provável que não se enquadre perfeitamente num universo mais ortodoxo, de uma música anglo saxónica ou electrónica europeia. E muito menos há uma procura de raptar outras culturas e ausenta-las de um contexto. È verdade que estão lá instrumentos mais tradicionais, fora do universo dos sintetizadores, da guitarra eletrica ou do baixo, e de tudo o que associamos mais à musica pop. Mas apesar disso tudo ainda estamos longe do world music puro e duro.
Então para ti como caracterizas este álbum? Quais foram as tuas influências? Como é que tudo aconteceu?
Acho que é um disco de musica eletrónica com uma componente mais humana. Introduzi componentes mais acústicas e as musicas ganharam alma. É menos frio do que em geral pensamos ser um disco de musica eletrónica mais ortodoxo, só baseado em máquinas e samples. Garantir humanidade é algo que consegues quase automaticamente ao gravar uma voz.
Mas porquê introduzir vozes e porquê essas vozes?
Sinceramente até a uma certa altura não foi premeditado. Não pensei à partida fazer um disco com vozes e línguas que em geral não encontramos em registos de música eletrónica. Não pensei nada disso. Comecei por trabalhar com um cantora turca que até tem temas em inglês mas achei que fazia mais sentido ela cantar na sua língua natal, e sugeri-lhe isso. Conhecia bem a voz dela em inglês mas não sentia tanto como quando a ouvia a cantar em turco. Acho que a personalidade dela está mais vincada na sua própria língua. O mesmo aconteceu com o francês e com o espanhol, que no caso é cantado por uma portuguesa – a Meta_ – originária da zona fronteiriça de Bragança e que tem o espanhol com segunda língua. Já tinha ouvido a Meta_ a cantar em espanhol e deixou-me muito impressionado e desafiei-a nesse sentido.
Mas apesar de involuntário foste tu que foste procurar essas cantoras? Como aconteceu o primeiro encontro, foste falar com a Alem-i Adastra e fizeste-lhe uma proposta de fazerem um tema juntos?
Dois meses antes do começo da pandemia. Fiz uma série de datas na Turquia e um dia a Alem-i Adastra fazia também parte do programa. Já a conhecia com Dj mas não sabia que ela cantava. Ou seja, foi a primeira vez que a vi a atuar como cantora. Ela deixou-me arrepiado em alguns dos temas e cativou-me imediatamente. Eu tenho sempre medo de perguntar se querem participar num projeto meu porque temo um “não” o que me ia deixar muito triste. Mas entrei em contacto uma semana depois e tive uma receção positiva.
E tu nunca pensaste também cantar?
Eu já sou suficiente tímido a falar , imagina agora a cantar. Já experimentei em estúdio e a minha voz gravada até resultava minimamente, mas eu não sou uma pessoa de cantar. Tenho algumas músicas cantadas por mim. Mas prefiro falar com a voz de outras pessoas.
O teu tema em francês tem uma componente mais política. Porquê introduzir algo mais político no álbum?
Em todos os discos que eu fiz , há sempre um momento, em que a componente, digamos de consciência social, está presente. Algumas temáticas políticas, estão sempre presentes mesmo que ao de leve. São coisas que vêm da minha passagem pelo punk que me meteram numa relação com políticas sociais e ambientais. Por isso tento que estas questões entrem nas minhas músicas ou faço-me de rodear por pessoas que estejam associadas a esse tipo de causas e que transportam isso também para a minha música. Nunca é de forma panfletária. É mais uma forma de exposição de ideias e de formas possíveis de atuar .
Por acaso tenho reparado que costumas ir muito a manifestações. Gostas de te sentir um cidadão ativo?
Quando se tratam de contestações que considero justas gosto de me sentir uma pessoa ativa , mesmo quando não consigo estar presente numa manifestação gosto que algumas dessas causas em luta estejam presentes dentro do meu círculo de amigos e promovo-as de alguma maneira.
E já agora por curiosidade podes falar-me do teu passado punk? Isso para terminar.
Isso começa nos primeiros anos da escola secundária.. Especialmente neste meu encontro com a música. Era algo que não ouvias em casa dos pais mas que algum amigo acabava por te mostrar. Gostava da música e isso levava-me a investigar e a saber mais sobre a cena punk e em especial sobre a mensagem de contestação social que traziam. A mensagem estava a cima da capacidade da execução musical. Pela primeira vez uma pessoa da audiência podia olhar para o palco e concluir que também saberia fazer aquilo, e fundar uma banda. Mesmo sem saberem tocar havia uma espécie de eloquência na mensagem que ainda hoje é difícil de igualar. Por exemplo os Clash, eram uma espécie de alto-falante político com música muito bem feita. Eu apaixonei-me rapidamente por isso. Música com mensagem, não só para ir para os concertos e andar lá no moche mas haver ali uma componente de consciencialização. Por isso o Punk foi a minha escola não oficial
Mas como é que o Punk sobrevive na tua música?
A minha aproximação a música eletrónica faz-se de uma forma punk porque comecei sem saber fazer, sem acesso a informação e como tal, à boa maneira punk, tinha que me desenrascar. Se queres muito de fazer uma coisa, consegues fazer, mesmo que seja de uma forma muito particular, talvez até naif. A minha entrada na música eletrónica foi assim. Eu queria fazer música, antes de tudo fazer música para mim. Se calhar estava farto da escola e refugiava-me ali durante algumas horas nas minhas experiencias sem pensar em mais nada. Trouxe também do punk essa necessidade de ter uma mensagem que complete. Sem desprimor, há musicas de amor lindíssimas, mas as vezes não chega. Falo de músicas românticas. O amor pode ser muito mais amplo do que uma canção romântica ou uma oferta de flores. O Amor deve ser a base de tudo.