To Look Without Fear
Um olhar sem medo é o repto do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque que organiza a primeira grande retrospetiva em torno da obra de Wolfgang Tillmans. Já apontada como um dos eventos culturais mais esperados neste início de temporada em Nova Iorque, a exposição cobre grande parte da produção iniciada nos anos 90 até ao Brexit
O trabalho de Tillmans ganha relevância nos anos 90 em revistas de moda mais alternativas, como ID ou Purple. Os estereótipos de uma suposta fotografia de moda, eram ultrapassados por uma imagem imediatista que procurava documentar a vida tal como ela era. Eram instantes que depressa passaram a representar o espírito de uma geração nos anos 90. Ou seja, Tillmans procura nas suas imagens expressar as inquietudes, as suas e a daqueles em seu redor. Eram as questões relativas à identidade que se manifestavam por novas formas de expressão social e sexual que emergíam. Os modelos eram os próprios amigos e os locais fotografados, os espaços que frequentavam.
No essencial, Tillmans procurava quebrar com todo o aspeto ilusionista que a fotografia em geral potencia, especialmente quando nos referimos aos ambientes idealizados e glamorizados da moda. Por isso ao percorrer esta retrospetiva, mesmo perante trabalhos mais antigos, tudo continua a parecer tão real, tão próximo das nossas vidas e por isso mesmo esta mostra mantém uma força vital e uma dimensão política atual
É preciso dizer que Wolfgang Tillmans não ficou muito tempo na área da moda. Também nunca a refutou. As imagens que realizou nessa altura para revistas, rapidamente passaram a circular em galerias de arte, em simultâneo. Até num contexto expositivo procurava cortar com os cânones daquilo que se poderia designar como fotografia de arte e expunha as suas imagens impressas jato de tinta, coladas diretamente nas paredes.
No conjunto, pareciam aqueles posters que cobrem as paredes de um quarto de adolescente. São imagens que representam o seu dia-a-dia, onde incluí retratos, paisagens ou composições de pequenos nada. Funcionam melhor em conjunto, são fragmentos de uma realidade própria, revelada, com a qual, muitos outros se podem identificar. Por isso, o seu conjunto fotográfico destaca-se por um pendor documental e é fácil encontrar uma relação com a produção fotográfica de Nan Goldin . A nova iorquina fotografou o submundo da sua cidade, espaços e comunidades onde encontrava conforto. Em Tillmans encontramos os clubs gays de Londres e Berlim, cidades onde o artista alemão residiu. Contudo, toda esta questão documental do desejo, suor e néons não esgota a perceção do trabalho do artista alemão que nos últimos anos tem procurado não só novos temas como outros media de produção de imagens.
Podemos dizer que desde sempre Tillmans foi observando os cânones das artes plásticas, e podemos encontrar nas suas fotografias alguns géneros da pintura clássica e moderna. Esta dimensão traz uma visão mais complexa questão que é explorada nesta exposição no MOMA. Numa das suas imagens mais memoráveis de 1992, os seus amigos Lutz e Alex aparecem empoleirados numa árvore, apenas com umas gabardines que mal cobrem a evidente nudez. Impressa pela primeira vez na revista ID, procura dar uma visão atual do tema bíblico de Adão e Eva, imensas vezes abordado e que aqui faz lembrar algumas representações medievais do tema. Relações com a paisagem e mesmo com a pintura abstrata podemos encontrar em outros trabalhos. Esta evidencia foi ganhando espaço, agora que o tema do amadorismo e espontaneidade experimental que surgiam nos anos 90 parecem estar esgotados, perante a omnipresença de câmaras e a produção de imagens circunstanciais que dominam as redes sociais.
A curadora não procurou uma organização cronológica da produção de Tillmans . Também não optou por uma exposição temática que também seria possível. Nas 11 salas da mostra, os 400 trabalhos, parecem pulverizados pelo espaço encontrando o seu lugar, sem aparente racionalidade. Parecem amontoados e aparentemente procuram entre si, encontros não evidentes. Daí que no final surja na montagem poética e onde prevalece a espontaneidade. Por isso a imagem de dois rapazes a beijarem-se em The Cock (Kiss) (2002) encontra o seu lugar ao lado de ondas maciças de líquido cromado de natureza abstrata em Freischwimmer 230 (Free Swimmer 230 (2012). Apesar de temáticas tão diferentes e de épocas dispares procuram despoletar alguma emoção nova. Cada uma é o fragmento de uma história, uma traz a lembrança um clube gay de Londres e a outra, criada uma década depois, resulta de efeitos químicos manipulados na câmara escura foram criadas para o Berghain, o famoso clube noturno de Berlim.
No MoMA encontramos imagens que se estendem de cima a baixo pelas paredes sem aparente ordem. Cada uma é como se fosse uma página arrancada ao diário da vida do artista. Por isso cada imagem é um fragmento, uma parte de um conjunto e nunca é um absoluto. O hiato entre as imagens também tem a sua importância. Elas não definem uma linha condutora, mas um ambiente. As histórias e a energia que dali podem surgir são reconstruídas dependente de quem as olha.
A par das obras expostas nas paredes, a questão documental que acompanha a retrospetiva ganha relevância encontrando suporte em expositores que se encontram no centro das salas. A sua observação cria relações com as imagens expostas. Em algumas delas podemos perceber os contextos em que muitas das suas imagens se realizaram.
Wolfgang Tillmans – To look without fear – MoMa, – Nova Iorque – Até 1 Jan 2023
Texto de Francisco Vaz Fernandes para PARQ_76.pdf (parqmag.com)
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