Texto de Patrícia Cêsar Vicente.

Valério Romão, o escritor e poeta nasce em França no ano de 1974. A escrita que se inicia na adolescência ganha consciência no ano 2000 ao ganhar o concurso de Jovens Criadores.Hoje em dia tem 8 livros publicados em Português, conta com 3 livros traduzidos, e foi indicado ao prémio Femina estrangeiro.Têm sido anos de escrita colocada em prática, da partilha de visão, e de principalmente de emoção. A honestidade para com quem lê, e com aqueles com quem se cruza são de admirar. Tanto ou mais, do que o talento evidente e natural que nos trouxe até esta entrevista para a Parq Magazine.

PCV: Nasceste em França, és Licenciado em Filosofia, ganhaste três vezes o Concurso Nacional de Jovens Criadores. Ano 2000, 2001 e 2002, e ainda bem que tu paraste de participar em 2002 porque ias continuar a ganhar no ano de 2003, 2004, 2005…(risos)

Valério Romão: Não, eles já não me deixavam participar mais, já me diziam que também já não podia ir na viagem à Grécia(viagem associada ao concurso), e então eu disse-lhes que era melhor deixar de participar…E deixei mesmo de participar, de facto.

PCV: Quando deixaste de participar, aquilo deve ter sido um alívio para as outras pessoas. Há que dar a oportunidade aos outros também. E agora…a Filosofia, a informática, a prosa e a poesia. Como é que foi o teu percurso?

Valério Romão: Claramente diria que foi uma mistura das quatro coisas. No sentido em que eu comecei muito cedo a interessar-me por Filosofia, não percebendo quase nada da Filosofia e do meu interesse. Assim uma coisa meio adolescente, nublosa, mas que me parecia ser uma área interessante. O suficiente para eu aplicar alguma da minha curiosidade e usar o meu tempo livre a estudá-la. A poesia surge mais ou menos na mesma altura. Namoradinhas ou pessoas de quem eu comecei a gostar com 14, 15, 16 anos e verifiquei que eu era uma criatura bastante tímida e que o meu veículo mais imediato de cristalização daquilo que eu estava a sentir era de facto escrevê-lo como muitos adolescentes o fazem, e ainda muitos adultos, suponho eu. A informática era aquela coisa que eu achava que ia seguir quando eu fosse grande, portanto entra tudo mais ou menos na mesma altura por razões diferentes.

PCV: Como é que surge o teu primeiro livro “Autismo” em 2012 pela Abysmo?

VR: Eu tive um filho, tive na faculdade, uma licenciatura e o começo de um doutoramento, e tudo enquanto trabalhava ao mesmo tempo. Trabalhava numa junta de freguesia na área da informática, e a vida de casal, ou seja, aquela coisa do trabalho-casa, tomar conta do Guilherme, etc. Era uma vida em que não havia espaço para eu escrever. Nem a nível de tempo, nem a nível de espaço mental. Portanto, eu estive quase dez anos. Desde os meus 26, 27 anos até aos meus 35 sem escrever. E o livro “Autismo” surge no final dessa relação de casal, em que eu estou simplesmente a tentar escrever um conto, que é exactamente o primeiro capítulo do autismo. E percebo quando estou a acabar de escrever aquele conto, a ver se ainda tinha alguma coisa para dizer, se a técnica estava lá e chego ao final daquele conto e digo “Isto é um romance e vai ser sobre uma situação que me é muito próxima.” O livro em A4 tinha 174 páginas, portanto, foi uma espécie de Epifânia, várias coisas ao mesmo tempo. E a partir daí já não parei mais de escrever.

PCV: O que aconteceu a seguir, que foram os livros “O da Joana” e “Cair para dentro”. Estavas à espera de escrever esta trilogia “Paternidades falhadas”?

VR: Sim, eu já escrevi o Autismo, aparece logo na primeira página que seria uma trilogia. Já sabia os temas, ainda não tinha escrito os livros. “O da Joana” foi sendo escrito quando o primeiro livro foi lançado. Em Maio de 2012 eu já tinha alguma coisa escrita, e quando acabou a promoção do autismo eu já tinha o segundo livro pronto.

PCV: Uma vez falámos e disseste uma coisa que decorei, e agora para fazer esta entrevista fui ler sobre ti e li outras entrevistas que já deste, disseste exactamente o mesmo, como tal não é nenhum segredo. Tu quando sabes o final de uma história que já estás a escrever, já não te apetece escrever mais.

VR: Eu acho que tenho o dispositivo do leitor quando estou a escrever, ou seja, tu quando sabes o final de um filme ou um final de um livro, provavelmente a tua vontade de o ler já é menor. Há aquelas clássicas pessoas insuportáveis que vão connosco ao cinema e põem-se a adivinhar o final ou já o viram. Eu sinto a mesma coisa quando escrevo. Saber o final de um livro já me tira algum do prazer da escrita.

PCV: Dos prémios e nomeações que já tiveste, qual foi a que teve mais significado para ti? Embora daquilo que conheço de ti, tu és uma pessoa que se disserem mal de ti para ti está tudo bem, e se disserem bem de ti, para ti está tudo bem também...

VR: Sim, embora dependa da pessoa que o diz, claro! Como toda a gente, a minha reacção depende do ponto de vista de quem faz a crítica. Depende da seriedade da crítica, da autoria da crítica, da legitimidade. Se for uma coisa que caixa de comentários em que alguém diz “Não prestas para nada” ou um “És genial”, isso passa-me absolutamente ao lado. Críticas mais construtivas, mais assertivas, é diferente. As críticas são necessárias, às vezes estás metido dentro de um mecanismo e não tens distanciamento para ver o que não funciona. Ou então, isto funciona muito bem e perdi isto a meio. Portanto, as críticas são muito importantes. Os prémios dão muito jeito porque é dinheiro, quando tem dinheiro envolvido. É alguma visibilidade que serve para vender mais livros, dares-te mais a conhecer, o que também é bom nesse aspecto. Mas todo o sistema de prémios é muito relativo porque se fores ver a história da literatura daqui a 50 ou 100 anos, já não vamos estar cá provavelmente. Tu provavelmente estarás mas eu não.

PCV: Mesmo que esteja, não acredito que me vá lembrar…

: Tu vais ver os prémios da década entre 2000 e 2010, foram atribuídos a pessoas que não serão lembradas nem num rodapé de um manual de literatura. O prémio tem essa coisa, sofre do problema do contemporâneo. Não tem a distância que o tempo confere para avaliar de facto o que é importante. Mas dão jeito. Eu só tenho os prémios dos Jovens Criadores e mais dois ou três prémios que não têm importância nenhuma. O prémio Jovens Criadores, o primeiro foi o mais importante para mim, sem dúvida. Porque foi nesse momento em que percebi que os meus pares me estavam a legitimar como sendo um iniciante naquele grupo de pessoas que se dedicam à mesma coisa que é escrever.

PCV: Um dia tu disseste que as pessoas ou nascem, ou não escritoras. Que ninguém aprende a ser escritor. Quando é que tu percebeste que eras escritor? Foi nesse momento em que ganhaste o concurso?

VR: Eu achava que tinha sido antes, mas isso que te disse de nascer escritor é como as pessoas que dançam ou tocam guitarra, ou como as pessoas que fazem determinada coisa numa área artística. As pessoas podem estar convencidas de uma coisa para a qual não têm grande vocação, não mostram grande técnica. Por isso é que esse prémio foi importante. Eu estava convencido que de facto conseguia fazer aquilo, e depois alguém me disse “afinal até consegues”.

PCV: Entre a liberdade criativa e a tradução. Já traduziste Virginia Wolf, Samuel Beckett…Não é para ti difícil, no sentido em que há o processo criativo como escritor e depois traduzir não te limita de alguma forma?

VR: É outro tipo de processo criativo. A comparação que te posso dar é esta: Imagina que toco violino, e a Virginia Wolf toca piano e eu tenho que encontrar uma forma com que o meu violino ressoe de uma forma justa é semelhante, minimamente correlacionada com aquilo que ela está a fazer noutro instrumento qualquer. Se bem que aqui o instrumento é em línguas. Tenho que verter para a minha língua do ponto de vista literário aquilo que normalmente já por ser noutra língua é estranho. Há barreiras, e nesse sentido é um acto criativo também. Porque dois tradutores vão fazer duas traduções inteiramente diferentes do mesmo poema, do mesmo livro, da mesma passagem, até da mesma frase.

PCV: Se estivesses lá atrás nos anos 90 ou 2000, relativamente ao teu percurso alteravas alguma coisa?

VR: Eu provavelmente teria tentado não deixar de escrever durante tanto tempo como estive sem escrever, mas era muito difícil, era como dizeres como “tinhas tido esta ou aquela relação com aquela pessoa? Tinhas escolhido este ou aquele curso?” É fácil dizê-lo agora porque o tempo deu-me essa perspectiva. Eu agora estou a dizer que devia ter escrito mais, mas secalhar na altura eu precisava experiência de ficar sem escrever. Em honestidade não te sei dizer, não sei responder a essa pergunta.

PCV: De todos os teus livros, o primeiro será sempre o primeiro, ou surgiram outros que tu disseste: “Eu gosto mais deste”?

VR: O meu livro preferido é “O da Joana”, não é o “Autismo”. Pela razão que o “O da Joana” não é um romance clássico, aborda uma experiência que decorre numa noite. É basicamente um livro sobre nada, no sentido em que não há um argumento. Essa parte agrada-me muito, ter conseguido o interesse do leitor e se mantenha durante aquela experiência. E que as pessoas não o leiam como livro. As descrições que eu tenho daquele livro são que se sentaram, começaram a ler e foi uma experiência. Isso para mim quer dizer que consegui.

PCV: Quando é voltas a dar aulas, Valério? (risos)

VR: Devo ter feito um péssimo trabalho porque as pessoas nunca mais me convidaram.

PCV: Mas gostaste da experiência? Eu pensei: “Ele não tem tempo, não quer mais isto…”

VR: Eu gostei da experiência. Algumas pessoas sei que gostaram porque me disseram, mas para outras pessoas talvez não tenha sido o que estavam à espera. Mas isso é como uma relação, há pessoas com quem te dás melhor e há pessoas com quem não te dás.

PCV: Participas em outros projectos criativos, uma vez que tu vais-te desafiando?

VR: Sim, só vale a pena estar nisto se continuares a tentar encontrar outras coisas nas quais tu te divirtas. A coisa boa de tu seres um escritor, ou de estares numa indústria criativa que é mal paga, é de facto poderes-te desafiar de formas que não seriam possíveis se estivesses a trabalhar por conta de outrem, ou a prestar serviços para outrem. Eu tento aproveitar essas coisas para ver quais os sítios onde eu me sinto melhor, os sítios onde eu tinha medo de ir e começo a gostar, o que é que eu faço bem e o que é que eu faço mal.

PCV: Não tens medo do erro?

VR: O erro é absolutamente necessário. Não consigo conceber a ausência do erro. Ou és um génio com uma sorte inacreditável, ou vais ter de dar um passo em falso porque tentaste. Se não tentares não dás passos em falso, mas aí…

PCV: Viver da escrita em Portugal é impensável, e as pessoas têm de se virar para outros lados. Antes de mais, acreditas que em Portugal existem escritores que vivem única e exclusivamente da venda dos seus livros?

VR: Dificilmente. Embora possas ter dois ou três casos que andem lá perto. Depende também do que tu consideras viver. Do que tu consideras ser um orçamento razoável.

PCV: O que tu achas que seria necessário mudar em Portugal para que um escritor pudesse desenvolver e viver da escrita?

VR: Rendimento básico incondicional. Que é uma coisa que mais cedo ou mais tarde terá de abranger muitas pessoas, a automação vai tirar emprego a muita gente, e já que os artistas são um bom grupo de teste podiam começar com os escritores, por exemplo. Que são provavelmente os mais pobres de todos os artistas.

PCV: Fica aqui a ideia!

VR: A ideia não é minha, a ideia é da Dulce Maria Cardoso que é minha amiga, e é uma escritora que acho incrível e anda a dizer isto há anos. E eu partilho da opinião dela.

PCV: A ideia é óptima, só lamento que provavelmente ela será posta em prática quando tu ou eu já tivermos noutro plano. (risos)

texto de Patrícia Cêsar Vicente PARQ_76.pdf (parqmag.com)