Pongo

Texto por Sofia Seixo Garrucho

Fotografia por Marco Maiato
 

Em 2008, Engrácia Domingues, com apenas 16 anos, dava lugar à PongoLove e tornava-se uma estrela mundial ao lado dos Buraka Som Sistema, com a “Kalemba (Wegue Wegue)”. A sua viagem com os Buraka durou quase dois anos e meio e tornou-se numa das responsáveis pela Nova Lisboa e o Novo Portugal que temos hoje em dia.

Enquanto o som do ghetto lisboeta se entranhava nos ouvidos do mundo inteiro, Pongo preparava-se para uma nova batalha que durou uma década. Em 2020, a artista angolana reaparece com o EP “UWA” e o álbum “Baia” a solo [ambos com o selo Caroline International] e no passado dia 1 de Abril lança o seu último álbum, Sakidila [com selo Virgin Records]. Do kuduro ao amapiano, este álbum traz-nos o melhor dos ritmos africanos. Podemos agora ouvir a “Wegue Wegue” numa versão em que finalmente Pongo teve os créditos que lhe eram merecidos: “É a Pongo que está a cuiar, saiam fora! // O Kuduro é que está a bater, vão-se embora!”.

Com amor, em Sakidila, Pongo dá-nos uma lição sobre gratidão e ensina-nos que a luta pela independência se faz com dança e rimas assertivas. Este álbum conta ainda com uma participação da artista e ativista transexual angolana Titica e de Mosty, uma das mais promissoras rappers da Costa do Marfim. Sofia Seixo Garrucho colocou algumas questões à artista sobre o seu novo trabalho.  

Começaste a cantar com Denon Squad ou em casa já cantavas umas cenas sozinha?  

A cantar comecei com Denon Squad, até foi durante uma brincadeira em que era pedido para fazer uns coros numa música que terminou em versos. Foi essa música que eu fiz com eles que chegou aos ouvidos dos Buraka Som Sistema, que na altura estavam à procura de uma vocalista substituta para a tour e foi daí que as coisas ganharam um rumo. A partir dessa música com Denon Squad eu comecei a escrever em casa. A “Wegue Wegue” foi uma das primeiras que escrevi e apresentei no primeiro encontro em estúdio com os Buraka. Eles pediram para cantar qualquer coisa e cantei essa. Cantei essa e também o “IC19”.

Foi a convite dos Denon Squad ou tu própria é que te propuseste a cantar?

Foram eles, porque eu na altura era bailarina, dançava. A conexão com eles foi pela dança. Um dia, em estúdio, faltou uma das artistas. Então eles perguntaram “olha, não queres fazer o coro”? Nessa altura, super tímida e pouco confiante, eles disseram “vamos nos divertir, não é nada sério” para me motivar. Então no fim tínhamos já uma canção feita.

Como foi o teu primeiro contacto com o Kuduro?

Desde sempre, mas mais pela dança. Em Angola eu vivia no município do Cazenga, Hoji Ya Henda no Bairro da Cuca, Luanda. Eu conto essa história toda na música “Wegue Wegue!”. Falo do meu bairro, com várias referências de Angola: “Vim pôr no mapa Hoji Ya Henda, Terra de grandes nomes do Semba, Arraso tipo kalemba, Sou de Angola como a mulemba”, uma árvore que só existe em Angola…

Eu cresci dentro da comunidade e do ambiente da cultura angolana. Porque depois, já em Lisboa, nas festas e nos convívios, a gente ouvia o mesmo que nas festas em Angola e era uma forma de matar saudades da terra. O meu reencontro com o Kuduro em Portugal tornou-se revelador para mim porque senti que encontrei o meu lugar.

No início o Kuduro estava só dentro da comunidade angolana. Nos aniversários, entre família e pessoal que se conhecia, a gente continuava a viver e a recordar a nossa cultura angolana. Depois os artistas que começaram nos bairros em Lisboa a fazer cenas acabaram por ajudar a difundir o Kuduro.
 

Após a tua saída dos Buraka Som Sistema ficaste ainda uns anos sem lançar nada. O bichinho esteve sempre lá ou ficaste algum tempo sem cantar?

O bichinho sempre esteve lá porque eu não parei de trabalhar, eu continuei a lutar pela minha carreira a solo até chegar aqui com o álbum: “Sakidila”. Antes lancei dois EPs: “Baia” e “Uwa”. Eu nunca parei, estive na luta, no anonimato porque algumas portas fecharam, mas outras foram abrindo.
 

Preferes projeto a solo ou em formato banda? 

Na minha relação com a música, a dança está sempre presente. Culturalmente, nós dançamos juntos, fazemos a festa juntos, celebramos juntos. Então é algo que está enraizado e que para mim funciona bem estar em banda, em grupo. Quando fazemos música nunca estamos a solo, é uma partilha de vivências e de ritmos do mundo.
 

O teu mais recente álbum chama-se Sakidila, que é como termina a música “Bruxos”: “Sakidila Angola, Sakidila Kuduro”. O que significa Sakidila?  

Sakidila significa obrigada, gratidão! E é a gratidão que sinto pelos anos de luta. Sakidila é uma expressão em Kimbundo, uma das línguas de Angola. Por várias razões envolvidas nessa jornada, senti que é importante agradecer.

Com tantos anos de luta consegui ainda ter forças para batalhar durante a pandemia, que foram os anos que passei a gravar o álbum, mas para mim já era uma busca que vinha de há muito tempo, desde que eu saí dos Buraka.

Eu ia lançar o álbum pela Enchufada, mas parte daquelas promessas muito bonitas que fazem e tal, que depois quando têm o que querem e o que precisam e já não há nada para ninguém. Acabou o mel, mas o doce afinal quem o tinha era eu! Mas eu era muito nova para perceber e também para entender a questão da indústria, que é má cabra às vezes.
 

És uma das embaixadoras do Kimbundo. Acreditas que daqui a uns anos o português venha a ser substituído pelas línguas oficiais dos PALOP, tanto nos PALOP como em Portugal?  

Sim, acho que sim, tal como no Brasil. Eu espero e sonho termos cursos aqui das línguas tradicionais e que no futuro possa vir a ser valorizado em Portugal. Porque Portugal tem uma diversidade enorme de culturas e isso é que faz Portugal ser o país que é, livre. Então claro que sim. E estamos a trabalhar para isso.
 

Acreditas que a tua música possa mudar o mundo, ou pelo menos a vida de algumas mulheres? Pergunto particularmente pela “Hey Linda”…  

Claro, esse é o objetivo. Eu gosto de compartilhar as coisas que fizeram a diferença na minha vida, assim como histórias. Cada composição tem uma história. O tema, “Hey Linda” é uma oração que toda a mulher deve fazer à frente do espelho todos os dias como rotina: “Hey Linda // Tu sabes que és a diva // Não deixes ninguém duvidar // És a primeira a acreditar”. E então, sim, é o que eu quero e o que eu visualizo num futuro muito próximo. Assim como eu, já há muitas mulheres a fazerem o mesmo por nós. Então eu estou a fazer o meu caminho e enquanto isso, faço a minha parte. Espero realmente poder ajudar a mudar a vida de muitas mulheres e não só.

De onde vem a urgência que impõe o teu corpo dançante? 

A urgência vem de dentro, eu não sei explicar… É uma conexão com o ritmo, com a música, que é como se o meu corpo reagisse automaticamente, até mesmo no meu processo de criação, quando componho, eu danço inconscientemente. E nós, culturalmente temos uma linguagem corporal muito forte, é ancestral e vem de dentro.

Eu sinto que isso vem de muito muito muito tempo atrás, tanto que levou algum tempo, eu própria, a entender toda essa linguagem corporal que acaba por se traduzir e transformar-me. E eu fico sempre muito feliz de me reencontrar com os meus ancestrais, de ter o meu reencontro com eles e é ali que eu também passo a entender a conexão com as pessoas que vou conhecendo, independentemente do idioma.

Quando a gente partilha a música, as pessoas recebem sem entenderem a língua. Não é seguir o ritmo, é algo que nos transcende, algo que independentemente da nação, nos encontra, existe uma conexão imediata a partir da música que nos liga a todos lá atrás, ao passado. Eu tenho o feedback de muita gente que me diz: “ai, tu levaste-me para um tempo muito antigo, outras meets, uma ancestralidade, uma nostalgia que nos liga a todos”.

É um regresso a casa que nós estranhamos, mas faz-nos sempre voltar para um lugar que é confortante e que nos motiva tanto para o presente como para o futuro. E é dali que entendo a expressão que a minha avó sempre me dizia “é importante saber de onde é que viemos para saber para onde é que nós vamos”.

Fotografia: Marco Maiato @marco_maiato

Styling: Sara Soares @cest.fantastique

Makeup: Daniela Alsopp @ddals00p

Nail Stylist: Sandra Luz @dez_studio @sandraluz_sal

Produção: Jhani Ribeiro @jheni.exe e Michele Silva @michele_lumiere

assistente de fotografia Marilha Martins

Assistente de styling Marine Sigaut e Léticia Lourenço

Entrevista e produção fotográfica para Parq #74. Ver mais em PARQ_74.pdf (parqmag.com)