As luzes da cidade

texto de Francisco Vaz Fernandes

Robert Montgomery é um dos artistas relevantes a despontar na primeira década do milénio. Ele revisita muito do legado de artístico do século passado, especialmente daqueles que vão beber a filosofia estruturalista francesa que inflamou, em parte, o clima intelectual vivido pelos jovens estudantes de Paris, no final dos anos 60. Eles procuravam pôr em causa as bases do capitalismo, as desigualdades sociais profundas, numa época onde marcas colonialistas e as guerras coloniais ainda eram muito presentes. Para além desses ideais inflamados, esta é uma geração que prova igualmente o fracasso das suas lutas, quando agora se deparam com o facto de que as suas ideias revolucionárias não chegaram a produzir o choque, nem uma mudança na sociedade burguesa que criticavam. A revolução pelo contrário, aburguesara-se, ou seja, fez uma sociedade mais consciente das problemáticas levantadas, mas a sua tolerância a ideias novas o máximo que conseguiu, foi relativizar as questões que levavam ao desejo de revolução. Tornara-se uma sociedade com capacidade de absorver esses ideais sem realmente provocar uma mudança.

É nesse contexto da descrença e impossibilidade de uma mudança da sociedade que podemos situar o trabalho de Robert Montgomery que, por várias ocasiões, se circunscreve à herança dos Estruturalistas franceses. Entre eles, o situacionista Guy Debord, filósofo francês dos anos 80 que foi um dos seus guias no seu tempo de formação. Basicamente Debord que escreve “A Sociedade do Espetáculo”, refere que a revolução só pode existir nas margens do capitalismo, e incita a uma espécie de sociedade de guerrilha que vive nas frinchas deixadas a descoberto pela sociedade capitalista. De certa forma, é isso que acontece no trabalho de Montgomery que, desde 2005 realiza o projecto “Words in the City at Night”, que passa pela ocupação do espaço publicitário da cidade de forma ilegal. Fixa cartazes pretos e austeros com letras brancas nos outdoors de publicidade aproveitando a sua iluminação. Os seus textos são poéticos e colocam questões sobre a consciência coletiva. Destinam-se a ser encontrados pelo cidadão anónimo, que se depara com algo que sai do previsível no seu quotidiano sem ainda ter consciência que se trata de um espaço de arte. Essa, aliás, é a questão menos importante, porque o que Montgomery coloca em jogo é o assalto às infraestruturas da sociedade capitalista e a sua consequente distorção dos seus mecanismos de comunicação.

O anonimato do artista assim como a presença do ato artístico fora dos espaços que a sociedade capitalista lhe reserva são ainda questões importantes para Montgomery que, procura criar as vias de uma comunicação mais direta com um público sem intermediações. No fundo são questões que saem do final dos anos 60 e que foram ecoando de formas diferentes até à grande emergência do graffiti e da arte urbana em geral, na qual a obra de Robert Montgomery também terá que ser inserida.

Atualmente são as suas séries em néon que são mais conhecidas. A primeira experiência intitulava-se “The slow disappearing of meaning and truth”, uma réplica da icónica“Welcome to fabulous Las Vegas, Nevada”. Trata-se de um letreiro em néon muito semelhante aqueles que podemos encontrar em qualquer cidade. São reclames, de certa forma a face visível do consumismo capitalista, o encanto de uma cidade iluminada que Robert Montgomery distorce, colocando, mais uma vez uma frase, cujo o conteúdo é enigmático, colocando o cidadão anónimo a questionar-se sobre aquela existência e o seu significado.

A partir de 2008 as obras em néon ganham uma dimensão maior e começam a utilizar a luz solar como forma de energia; estas esculturas captam a luz solar durante o dia e reutilizam-na à noite para que se torne uma obra iluminada. Podemos ler “The people you love become ghosts inside of you and like this you keep them alive” ou então “Whenever you see the sun reflected in the window of a building it is an angel”, para citar algumas das mais conhecidas que já tiveram diferentes configurações e adpatações a diferentes locais.

A questão poética, para um artista que estudou literatura clássica, antes de terminar o curso de belas artes do Edinburgh College of Art, tornou-se relevante. Para ele são momentos que levam a uma relação com o transeunte, obras inesperadas que ecoam individualmente de forma diferente no coração de cada um. Para ele é claro que hoje vivemos simultaneamente o privilégio da abundância e a pobreza do tempo, o excesso de bens materiais e ausência de reflexão. Sem querer ser intrusivo, acredita que a sua obra possa criar essa nova consciência do homem novo que, como as suas frases afirmam, façam acreditar que um brilho de um reflexo solar numa vidraça possa ser um anjo que nos rodeia.

texto de Francisco Vaz Fernandes para PARQ_73.pdf (parqmag.com)