Diaspasis

Falemos do conjunto de trabalhos que tem a exposição. É a segunda vez que estão em Lisboa. Que procuraram trazer de novo?

Pichi – Para esta exposição procuramos trabalhar em placas de gesso e foi a forma que encontramos para evocar todos aqueles que olham os murais pela rua e gostariam de os trazer para casa. Neste sentido estes novos trabalhos acaba por evocar um pedaço de parede de uma rua dentro de uma galeria. Há também um conjunto de objetos que são como achados arqueológicos e uma série de esculturas pintadas com a tinta UV que é uma espécie de tinta invisível mas que pode ser percecionada a partir da luz ultravioleta que permite o espetador ir descobrindo coisas que à primeira não são imediatamente percecionadas.

Avo – Há umas lanternas ao lado das esculturas que podem ser usadas e por isso acaba por ser um trabalho mais interpretativo. É uma série que já tínhamos em mente há algum tempo e estava a ser estudado em estúdio. Basicamente remete novamente para a arqueologia, mais especificamente para a questão do restauro. Porque na restauração usa-se o scaner com o raio x sobre peças e acabas por descobrir muitos outro traços que o tempo deixou numa peça sem que sejam visíveis ao olho. É um pouco isso que queríamos evocar, porque sem a luz ultravioleta não vês nada mas sobre esse efeito há um mundo a descobrir.

Pichi e Avo dos PichiAvo durante a montagem da exposição na Galeria Underdogs

Tinham um tema para esta exposição?

Avo – Sempre estivemos interessados nos temas dos museus, do património, da arqueologia das heranças culturais, e quisemos ir um pouco mais além, em algo talvez mais matérico, questionar algo que era do exterior e passa para o interior. Ao final encontramos um termo, diaspasis que em grego significa separação. A ideia é evocar quemuitas das obras criadas acabam ao longo do tempo por sofrer mutilações e são separadas do seu conjunto, do seu contexto espacial para onde foram criadas. Ainda assim funcionam perfeitamente . Por vezes troços que estão num museu completam-se com outros que estão noutro, em países diferentes.A Venus de Milo está em Paris mas talvez alguns troços do seu conjunto monumental estejam noutro museus. Aqui também procuramos evocar esta questão porque todos os trabalhos apresentados são partes de um puzle, são troços de algo maior que não está na galeria

Pichi – Gostamos que seja uma exposição muito interativa, que não seja uma exposição só para ver, que o publico tente interagir, tente descobrir. Há uma peças, por exemplo em que o conceito dispasis se torma mais figurativo, porque apesar de ser formada por dois troços separados, há dentro da galeria um ponto de vista onde se ganha a ilusão de ser uma peça única. É como se o espetador pudesse remeter para um momento em que essa venus volta a ser uma peça inteira.

Colossal Head of a Youth (Diaspasis)

A arqueologia os temas clássicos estão sempre presentes no vosso trabalho, como começou esse interesse já que vocês vêm de um universo da street art que inicialmente era muito mais ligada ao grafitti, ainda que presente também na vossa obra??

Avo – Na antiga Grécia também se pintavam paredes. Viemos do grafitti mas algo que faz parte do ser humano é expressar-se publicamente. Também pesa o facto de sermos de Valência e termos uma forte herança greco-romana. Estamos rodeados de historia e sempre gostamos da pintura clássica. Apesar de virmos do graffiti somos bastante clássicos e através do trabalho encontramos esta forma de expressão que nos representa muito . Representa quem nos somos, o que somos e de onde viemos. Acabou por ser um processo natural . Ou seja, o facto de virmos do grafiti não significa que não possamos gostar de arte clássica

Pichi – Para qualquer artista, até para alimentar a sua inspiração é importante conhecer coisas novas, tanto em galerias de arte como em museus. Adoramos estudar sobre arte, sobre mitologia

Athena and young hero Diaspasis A_©ArtistCredit

Mitologia é algo que estudam, em que estão interessados? Como é que isso acaba por ficar integrado nas vossas obras?

Pichi – O que gostamos é recorrer a mitologia clássica e dar-lhe uma reinterpretação. Esses mitos eram compreendidos de outra forma. O que gostamos é dar-lhes uma nova visão e interpretação

Avo -O que percebemos numa leitura dos escritores clássicos é que a interpretação do mito já era nessa época muito diversa, nunca era igual na verdade. Então nos estamos a contar o mito da nossa forma pessoal.

Hermes bust_UV_©ArtistCredit

Tens algum artista ou escritor clássico que seja a base do vosso conhecimento e que seja fonte constante de inspiração

Pichi – Isto já é uma pergunta complicada. Podemos ser inspirados por Aristophenes, Homero como por artistas contemporaneos. Qualquer um pode nos inspirar

Avo – artistas contemporâneos há mesmo muitos nomeadamente Vhils com quem apresentamos uma peça nova nesta exposição

vista geral – PichiAvo na Underdogs

Em Portugal não se estuda a cultura clássica por isso fico impressionado pelo vosso interesse pela arte clássica

Avo – Mas em Portugal há muito arte clássica pelas ruas , é muito inspirador estar em Lisboa. Por isso a arte clássica está sempre ao nosso lado mesmo que se tenha menos consciencia dessa proximidade. E influencia-nos seguramente,

Como é que voces trabalham? Estamos a habituados que uma peça de autor seja de uma pessoa . No vosso caso tem uma dupla autoria , como começou tudo?

Avo – Se tens tudo planeado, o que acaba por nunca acontecer, diria que acaba por ser natural . Conhecemo-nos a fazer grafitti e pouco a pouco percebemos que podíamos fazer coisas juntos. Tinhamos o mesmo tipo de pensamento e os mesmos objetivos. Se queres fazer coisas em grande escala tens que criar uma equipa e nos tivemos esse objetivo claro desde o inicio. Graças a isso podemos abarcar murais e grandes projetos. É mais facil de trabalhar em estudio, porque são dois pontos de vista, duas opiniões para que ao final chegues a um ponto que provavelmente é mais interessante

Pichi – O que nos interessa é evitar o ego do artista. Quando obra está entregue a um artista há sempre algo de pessoal mas quando trabalhas em equipa isso tem que estar de fora. Tens que acreditar mais na execução da obra final do que no artista.

Mas é muito facil reconhecer uma obra vossa. Final com ou sem ego parece que essa identidade não se perde

Pichi- Há uma identidade da obra no seu conjunto, não do artista. Se ao final tens uma equipa tu reconheces essa identidade não o artista.

Mas em algum momento, conhecendo melhor o vosso trabalho poderia dizer, isto aqui é Pichi ali é Avo?

Pichi – Na mesma peça vamo-nos cruzando e tudo depende na confiança que tens no outro artista e não paramos a pensar que isso vou fazer eu e aquilo vais fazer tu. Ou seja, há uma ação que desenvolve uma dinamica que acaba por surgir natural

Avo – Estamos a a pintar uma parede branca e o que fazemos é como se fossemos pintando as muitas vidas dessa parede, gerando capas e capas e o final é o que resulta de todo o processo, o que ficou visivel.

Pichi – Todas as esculturas que representamos nos nossos trabalhos já estão feitas, são esculturas que existem, que são bastante conhecidas O que nos gostamos de fazer é de ir aos museus e fazer as nossas próprias fotos dessas esculturas, que são o ínicio de todo o processo

Avo Em estudio depois aproveitamos esse material para lhes dar alguma transformação, depois é que começam a surgir os desenhos , um primeiro mais manual depois outros mais digitais, depois o resultado final acaba por estar muito alterado porque nunca somos muito fieis ao plano.

Pichi – estamos a realizar uma pintura rápida e por isso não fazemos um pintura hiper realista, não procuramos representar uma escultura perfeita porque então não se adaptaria ao conjunto de uma pintura na parede

Vhils e PichiAvo (à direita obra que resulta de uma colaboração)

Em Portugal já tinham uma obra pública perto de Santa Apolónia, que surgiu no contexto da vossa ultima exposição na Underdoogs. Vão ter uma nova obra pública

Avo – Vamos ter uma intervenção num local que não é publico. É uma intervenção que tem muito que ver com a exposição. É um moral que foi pintado, mas que vai ser destruído restando apenas um pedaço, como acontece com as peças que temos aqui em exposição

Pichi– Ao veres o vídeo que foi realizado para documentar e que vai circular apenas nas redes sociais terás um testemunho de todo o processo e o publico pode entender melhor todo o conceito que está por detrás desta exposição

www.under-dogs.net