A crónica que se tornou numa entrevista: “ O Grinch mandou dizer…”
Texto por Patrícia César Vicente @patricia.cesar.vicente
ilustração por Valdemar Lamedo @valdemarlamego
Sentei-me pacientemente, ele apareceu depois da hora e vinha tudo em verdes, e a bater com as portas.
Não me cumprimentou sequer e sentou-se à minha frente com um ar entediado. No fundo eramos dois entediados, mas deste lado tínhamos de fazer o nosso papel. Um minuto de silêncio, mas lá ganhamos impulso:
– Boa tarde, Senhor Grinch…
– Não é boa tarde para ninguém, pelo menos no que depender de mim!
– Certo…
– E também não é por senhor que me tratas, é só Grinch. As pessoas ainda pensam que sou tão velho como o outro do Natal a quem estupidamente chamam de pai…idiotas.
-Pois…estou a ver…
– Anda lá com isso que eu já não saio de casa nesta época, só vim mesmo porque me disseram que esta entrevista ia acabar com o Natal dos leitores da Parq…então eu vim!
Esta foi a parte em que tive medo…o que é que era suposto dizer? O meu editor, o Francisco, mete-me em cada uma…
-Pois…não é…pro-pri-a-menteeee para estragar o Natal aos leitores. Queremos só…sei lá…perceber o seu ponto de vista, não é? Sobre…quer dizer (recompus-me na cadeira mas com medo de levar com uma) …
-Então se não vim para estragar o Natal a ninguém, vou-me já embora. O que não me faltam são lugares para ir estragar o Natal às pessoas.
-Tais como? (foi o que me saiu no momento, foi o melhor que se conseguiu)
– Para o Terreiro do Paço, onde vai tudo ver a árvore e são roubados por carteiristas a meu mando…para as ruas do Chiado onde as pessoas vão tirar fotografias, e vão os desgraçados que lá trabalham a sair dos trabalhos a levarem encontrões, e dizem para eles mesmos: “odeio o Natal, trabalho como um escravo para receber comissões de vendas em cima do ordenado mínimo…” Sou eu que lá estou no ouvido deles…
-Estou a ver…e onde é que mais gosta de ir no Natal?
– Antes de mais quero-te dizer uma coisa! És feia…não gosto de ti.
– Claro, entendo…Mas, e o Natal gosta de ir onde?
– És feia! Não gosto da tua roupa, não gosto do teu cabelo, não gosto de nada em ti!
– Tudo bem Sr. Grinch, quer dizer, só Grinch o…o…grande vulto anti-Natal…Verdee…lindo….e simpático!
– Quem diz é quem é! Nha-nha-nha-nha-nha….
-Porque é que não gosta do Natal, Grinch?
– Porque não posso com as crianças birrentas de dez anos a pedirem Iphones, não posso com os pais que trocam presentes caros entre si e que não se aturam o ano todo, não posso com a falsa onda solidária que é muito filmada nesta altura, não posso com aquela troca de presentes entre famílias que não se podem ver à frente, não posso com os bêbados dos jantares de Natal sa empresa que acham que podem tudo, não posso com o amigo secreto. Se é secreto não é amigoooooo! Não posso com as árvores, casas e ruas todas cheias de luzes que me ofuscam a vista. Dizem que é para receber o menino Jesus, ele não nasceu em Las Vegas seus parvos! E o pai Natal…é o cartão de crédito dos vossos pais…que vão pagar aquilo até Março. E a casa da Barbie? Provavelmente vai ser a única casa que vão ter na vida crianças…aproveitem bem…
Termina ele com aquele sorriso maléfico a olhar fixamente para mim…
– Certo Grinch…é isso. Obrigada pelas suas…palavras…por ter vindo….
– És feiaaaaaa! Não gosto de tiiiii…
E levantou-se, deu um pontapé na cadeira onde estava sentado até a cadeira estar no chão… olhou com ar desafiador. Permaneci quieta…saiu pela porta, não sem antes dizer mais uma vez:
– És feiaaaa. Criança feia. O Pai Natal não existe sua feiaaaa!
Acenei em forma de despedida enquanto ele saiu da sala, e só me ocorreu dizer:
– Feliz Natal, Grinch!
Texto publicado em parqmag.com/wp/pdf/PARQ_81.pdf