Colheita Nacional 2024 #1

Texto por Hugo Pinto

Há muita gente nova a fazer bom som nos mais variados géneros. Em 2024 houve cinco nomes que vi ao vivo e que se destacam por trabalhos sólidos e frescos.Vamos numa viagem pelo Afrotuga de Nídia com Valentina, passamos pelo hip-hop bem disposto do Conjunto Corona a caminho do free noise de Caveira. Terminamos na nova estrela Ana Lua Caiano, sem esquecer a cena avacalhada dos Unsafe Space Garden.

Nídia e Valentina

O Afrotuga continua a dar bons discos anualmente. Este ano há Nuno Beats, Nigga Fox, Deejay Veiga e Kolt. Tudo da editora Príncipe. A label alfacinha continua a dar pérolas aos distraídos.

Mas este movimento global não cabe neste quintal da tugolândia. Cada vez mais há pessoas que, exclusivamente pela sua arte e engenho, merecem a atenção de artistas internacionais e de aí colaborações adivinham-se.

A Nídia é uma senhora artista. Nascida na margem sul e emigrada em França, Nídia deu nas vistas logo com o seu primeiro registo, Nídia é má, Nídia é fudida. Estávamos em 2017 e ela fazia suar as pistas de dança. Em 2020, duma assentada, lança o EP S/T e Não fales nela que a mentes. O primeiro é para dançar mas o segundo já se ouve em qualquer lado. Começava aqui a notar-se a sua abertura a outras dimensões do género. Já não é exclusivamente música de dança, está mais aberta a outras BPM, o som é mais adulto, menos certinho, mais onze da noite que quatro da manhã.

Em 2022 assisto a um DJ Set dela num fim de tarde da Gulbenkian e admiro a tenacidade:

Num ambiente muito cool e familiar, ela borrifou-se para isso e fez um set durinho para quem queria dançar. Ser fiel ao género não é apregoar em entrevistas, é ser genuína contra a corrente.(Este ano lá voltou para a inauguração do Centro de Arte Moderna, curioso como ela cola tão bem com as vanguardas da Gulbenkian).

Valentina Magaletti é uma extraordinária percussionista italiana. Ela faz parte dos Holy Tongue e dos Vanishing Twin mas é nas colaborações que ela brilha mais alto. Ainda o ano passado com Zangamin fez um dos discos do ano, o magnífico Suono Assente. Ora, no último Setembro, saiu pela francesa Latency, o álbum de Valentina e Nídia chamado Estradas, indubitavelmente um dos discos do ano. Há Afrotuga e há percussões espertas. É música de dança para ouvir em qualquer lado.Faz bater o pé e mexer a alma.

Quando fui ao Outfest do Barreiro não sabia bem como funcionaria ao vivo mas foi uma agradável surpresa. O dúo entende-se perfeitamente, nunca se opondo nem sombreando. Como chefe de máquinas, Nídia estava compenetrada, sempre atenta aos detalhes, para que nada falhasse. Já Valentina, a tocar de pé no meio de várias percussões, estava mais descontraída mas nem por isso descuidada e sempre a bater em qualquer coisa. Esta colaboração é, tendo em conta as BPM de Nídia, surpreendentemente orgânica. Sabem aquela conversa dos “ritmos ancestrais africanos muito tribais”? Em 2024 é por aqui que se encontram. A Europa e a África, os Clubs e o sofá. E acima de tudo, ritmo e tempo! Foi um concerto inesquecível, só a lamentar pela hora tardia.

texto publicado em PARQ_81.pdf