MUDE
Texto de Francisco Vaz Fernandes
Fotografia por Luísa Ferreira/MUDE
Depois de muitos anos fechado, para grandes obras estruturais no edifício, o MUDE reabre. Tem sido aos poucos, gerindo muito bem as expectativas e afirmando desde já que é um lugar aberto, multidisciplinar, com uma grande centralidade e que está além de um espaço cristalizado em torno de uma coleção de design de grande valor. Assim a exposição inaugural que decorreu no andar térreo, falava sobre esse lugar ao longo dos tempos desde a sua função original, de bloco habitacional pombalino, até as adaptações consequentes que decorreram no momento em que se transformou na sede de um banco, o Banco Nacional Ultramarino, que na década de 50 levou obras de grande vulto. Sob a orientação do arquiteto Cristino da Silva o programa da arquitetura de interiores juntou os melhores artistas da época que realizaram uma obra de grande qualidade que se tornou representativa da mestria das artes aplicadas vividas na época.
A exposição inaugural levou-nos ao seu piso térreo tendo ao longo desse percurso revelado, antes de mais, um majestoso balcão em pedra preta polida, talvez o elemento simbólico mais relevante de uma antiga instituição bancária, talvez ainda presente na memoria coletiva do lisboeta. Por milagre escapou à ruína vítima de uma conceção de museu antecedente que defendia uma apagão generalizado de todas as particularidades e memórias do espaço, propondo uma sala tipo white cube, tudo ao contrário do que podemos ver hoje, onde somos confrontados com a impúdica nudez do espaço que revela as várias camadas da história do edificado. A atual direção do MUDE, procurou que refletíssemos sobre os vários estratos desse local até como extensão da historia da cidade no tempo. Nessa exposição podemos encontrar elementos sobre a evolução do edifício, dando grande destaque para os anos 50 quando o edificado levou grandes obras em consonância com a relevância de uma sede de um banco importante. A Curadoria não se poupou a esforços dando uma dimensão arqueológica, reunindo o mobiliário original, tanto o que mobilava os gabinetes dos funcionários, como os da direção da sede do Banco Nacional Ultramarino. Revelam-se assim peças criadas e produzidas em Portugal, envolvendo aos mais importantes designers portugueses da época, revelando o imputo transformador que se vivia em certos sectores dentro de um país que imaginamos no essencial conservador.
Passada essa fase de referencia à estrutura arquitetónica do MUDE, chegou o momento de falar da exposição Para que Servem as Coisas, apresentada como de longa duração e que tem como objetivo principal mostrar a coleção do MUDE e como tal, será durante algum tempo a exposição principal. Só não é permanente dada a dimensão da coleção e a possibilidade de se poderem de formar outras perspetivas igualmente relevantes.
Com a curadoria da diretora do MUDE, Bárbara Coutinho, a mostra Para que Servem as Coisas pode ser vista como um percurso evolutivo entre núcleos representativos que condensam o pensamento, movimentos ou períodos temporais. Algo que percorre uma ideia evolutiva modernista que tem início em 1900 chegando aos nossos dias. Todos os grandes ícones do design de produto e de moda estão em geral presentes e nesse sentido, esse percurso há tanto um sentimento de surpresa como de reconhecimento de peças que apenas vimos reproduzidas em imagens difundidas em revistas e livros especializados. Esta coleção que tem como ponto de partida o acervo desenvolvido por Francisco Capelo, foi adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa e contém peças de grande qualidade, peças originais, peças únicas que tornam este conjunto uma referencia em qualquer parte do mundo.
O percurso oferece-nos ainda uma visão de contextualização com a realidade portuguesa, um trabalho essencial dado que os meios de difusão das áreas culturais, ontem como hoje foram e são muito insípidas não conseguindo chegar ao domínio público. Por essa razão, essa perspetiva traz-nos mais surpresas e desperta a curiosidade de conhecer mais sobre o que se revela a título nacional. Por exemplo, um vestido em organza transparente de 1930 desperta-nos a curiosidade e o interesse de querer saber mais sobre uma tal Delfina Marques. Uma modista? Inquirimos intrigados. Ao lado de uma cadeira Thonet para dar um contexto temporal e não longe de uma portuguesissíma cadeira tipo rabo de bacalhau, para não perder contexto local.
Nesta exposição é claro que a ideia de um país ideal progressista é presente mas vivido no essencial por uma elite mais informada que olha para fora e procura estar a par. Nesse sentido é muito sintomático a mobília de quarto que Thomaz de Melo desenhou para a família Roo (1942) . O MUDE expõe o toucador e o guarda-fatos desse conjunto onde imediatamente encontramos ressonâncias a peças de Gio Ponti , mas que entram perfeitamente a imagética nacionalista 1930-1950, cristalizada na proposta de Raul Lino, quando o regime da época ainda se mostrava empenhado num fim regenerador da cultura portuguesa com alguns laivos de progresso modernista.
O design contemporâneo também está presente na mostra até porque o design nacional mesmo que exíguo nunca desapareceu e reaparece após o 25 de Abril como elemento essencial para a imagem de um país aberto, totalmente integrado nos ideais da cultura ocidental. Temos então presente uma primeira geração que surge de uma formação que agora pensa o design como disciplina independente. Contudo, é uma geração com dificuldade de chegar à produção industrial que nos idos de 80 , tal como hoje, parecia uma miragem. Nesse sentido o que podemos ver da época são projetos com edições muito reduzidos e mais uma vez destinados a uma elite. Nesse sentido, é emocionante estar a frente do Iglo de Filipe Alarcão, uma peça icónica que sobrevive ao tempo e que desperta grande curiosidade. Também de referir as peças de Fernando Brízio que no seu conceptualismo consegue desenvolver uma poética ímpar.
Esta exposição e a coleção fazem com que o MUDE ocupe uma centralidade no panorama museológico nacional. Já se viu que pode acolher a programação de grandes eventos que venham de fora, e as solicitações devem ser mais que muitas e não estranhas à sua localização, entre o Rossio e a Praça do Comercio , Não podia ser mais central e por isso é de esperar que seja cada vez mais transversal que possa chamar vários públicos e nesse sentido, tornar-se um ponto de passagem cada vez mais obrigatório na cidade. Esperamos ainda pela abertura do serviço de restauração previsto para o seu rooftop com uma vista sobre a baixa de 360 graus. Promete vir a ser um hot spot da cidade.
MUDE , Museu do Design e da Moda
Rua Augusta, 24 Lisboa (Baixa).
Telf 21 817 1892.
Ter-Dom 10.00-19.00
11€ (adulto); 5,50€ (estudantes, 13-25, maiores de 65)