Policromia
texto de Beatriz Nascimento
A relação dos artistas com os elementos que escolhem trabalhar é íntima e particular, mas, no caso
da cor, a sua utilização na arte, é um dos elementos que mais influencia o observador. É natural que
a multiplicidade de algo que tomamos como simples seja questionado ao contemplar uma obra.
É no lado da multiplicidade que podemos encontrar o trabalho de Maria José Cabral. Artista de, e, em
Lisboa, que cria universos de cor e referências transversais a uma geração, numa espécie de nostalgia
feliz de elementos automaticamente reconhecíveis.
Para a artista a utilização de cores é um processo tanto sensorial como ponderado. A policromia da
sua obra habita no seu próprio sistema criativo e na “exploração digital de imagens”, através de
ferramentas tecnológicas para manipulações compositivas, criando um universo onde cada elemento
possa ter qualquer cor e ser qualquer coisa. Tanto a nível cromático como no acabamento técnico,
estas criações são imagens que podem perfeitamente renunciar-se a representações formais, e
cumprem-se visualmente, tanto observadas ao vivo como em qualquer plataforma digital.
As obras da Maria José transportam-nos sempre para momentos cristalizados num espaço e num
tempo, e é a centralidade da cor que nos alerta para uma espécie de nova dimensão. Assim como a
composição e as alusões familiares de infinitas possibilidades, a cor serve como motor para outras
formas de criar. Este exercício criativo não é aleatório e, parte, muitas vezes, de referências pessoais,
inspirações exteriores e de outras formas que a artista procura para se expressar.
A construção de um sistema criativo próprio é, neste caso, para a artista uma forma de comunicar
através de vários veículos. Apesar da pintura ser a constante no seu percurso, agrada-lhe a
consciência que tem da naturalidade simbiótica de outras expressões artísticas.
A sua relação com cor e composição, liga a pintura à moda, uma forma de colaboração comum para
quem está atento a ambas e, como em diversas vertentes artísticas, a influência é circular e não tem
um discurso de começo e fim. A moda entra como mais uma ferramenta de expressão e comunicação
para a artista, sendo que esta vertente enriquece o seu trabalho “agitando” a rotina do seu processo
criativo.
É com esta crença de uma sinergia entre artes e no espírito contemporâneo de multiplicidade, que a
artista desenvolve o seu trabalho. A visão que procura diversificar constrói aquele que é o seu
mundo, sempre em policromia. No limite, a Maria José é uma extensão do seu próprio sistema. Há
uma harmonia em seu redor e daquilo que faz, desde as cores das composições que utiliza na pintura,
como naquilo que veste e nos projetos que vai iniciando, acreditando que explorar várias áreas não
compromete a qualidade de cada uma individualmente.
Há na cor uma noção de possibilidades inacabáveis. Esta noção é também parte daquilo que a cor
representa para a artista, a sua vontade de a explorar é insaciável, mas o seu processo passa pela
contenção e repartição de utilizar todas as cores de uma só vez, depositando no tempo a maior das
possibilidades – a de compor livremente, sem pressas.
Texto de Beatriz Nascimento para PARQ_72.pdf (parqmag.com)