I decide who I am

Texto por Patrícia César Vicente @patricia.cesar.vicente

Fotografia por Manuel Geada @manelgeada

Conheço o Kiko is Hot há uns anos. Não somos amigos, mas por força das circunstâncias profissionais ficou uma cumplicidade de falarmos um com o outro como se nos estivéssemos visto ontem. Mesmo que nos tenhamos visto há dois anos.

A verdade é que a força do Kiko que muitos conhecem é o sentido de humor. Agora conhecido por milhares, mas juro por tudo que ele sempre foi e será assim. É a forma como se expressa. Afinal sempre foi a forma como se expressa que para uns é incómodo, e para outros a leveza de um amanhã melhor para todos. Votarei sempre na segunda opção.

Nesta entrevista asseguro-vos que vão ficar a saber coisas que ainda não sabem sobre o Kiko. Momentos passados, e qual a sua posição para quem se identifica com um cão ou um gato. Na comunidade LGBTQI+ como é que ficamos?

E há uma outra camada, aquela normalidade de quando nos sentamos à mesa com quem nos vê evoluir há algum tempo. Vão poder ler com toda a simplicidade e transparência do mundo, e com sentido de humor espontâneo sobre tudo o que foi surgindo no decorrer da entrevista. Resta-me dizer-vos que não fazem ideia da quantidade de pessoas que abordam o Kiko, de todas as idades, de todos os géneros. Fiquei em silêncio a ver. E é bonito ver como a sua atitude tem ajudado (e muito) a mudar mentalidades que finalmente podem abraçar as novas gerações.

Kiko, vamos começar lá atrás. Pode eventualmente haver algum ser humano em Portugal que ainda não te conheça. Quando começaste, o que é que pretendias? O que é que te levou a fazer os vídeos no YouTube? E recorda-nos a idade que tinhas à época?

Tinha 16 anos. E, sinceramente, na altura acho que inventei muitas coisas sobre a verdadeira razão de o ter feito. Era porque queria mudar o mundo, ou queria não sei o quê! Mas a verdade é que agora olho para trás, já com outro olhar, e sei que queria muito ser visto. Acho que era a coisa que eu mais queria era ser visto. Queria que alguém pudesse ver-me ou ver em mim aquilo que eu sabia que tinha dentro de mim, mas que ninguém via. Queria que vissem que era uma pessoa inteligente, uma pessoa com sentido de humor, uma pessoa que… Sabia rir-se dela própria! Eu queria muito ser visto, e ser aceito. Eu acho que é o que nos une aqui neste meio artístico. Nós todos queremos ser aceites e vistos.

Procuramos a validação, não é?

Geralmente todos nós vemos desejos familiares muitas vezes fraturados, queremos muito…

Desculpa mas não estou a aguentar! Acabei de ver um esquilo a passar, a outra foi contra a árvore ao mesmo tempo…E está tudo a acontecer atrás de ti neste momento. Desculpa, mas não estou bem, não estou a conseguir lidar(risos).

Pausa para rirmos os dois!

Eu amo entrevistas sérias, sabes? (risos)

Eu tenho trabalhado para isso a vida toda. Espero que se note. (risos)

Recompomo-nos.

Portanto, no fundo, agora a sério, tinha a ver mais com a validação da vida… de traumas? Era por isso que fazias os teus vídeos no Youtube?

Acho que tinha que ver com uma validação devido ao fato de ter sofrido bastante bullying na escola, por muitas pessoas que não me quiseram ver sequer. Quiseram só julgar aquilo que eu transparecia no exterior. E então, para mim, eu sempre senti que as pessoas não estavam dispostas a ver-me por aquilo que eu era. Então foi importante para mim vir a um sítio online, neste caso o YouTube, expor o que me vinha à cabeça. Sinto que as pessoas aí, ao longo do tempo, foram percebendo melhor.

E o nome Kiko is Hot? Sabes que vai contigo para a cova, não é? Como é que escolheste o nome?

Infelizmente.

Se fosse hoje, que nome é que terias?

Ah, agora vou Kiko is Hot para sempre! Imagina, eu acho um bocado ridículo. Vai ser cada vez mais ridículo com o tempo. Já me imagino assim com 70 anos, sabes? No ar. Vou ao programa da Cristina. E ela, Kiko is Hot! E eu entro de bengala. Acho que vai ser hilariante.

Já tomou medicação, senhor Kiko is Hot?

No ar, imagina. Não, mas acho que… Na altura eu sentia que precisava de um nome que exuberasse o máximo de confiança possível, que eu não tinha na verdade. Portanto, aquilo foi quase um teatro que eu fiz. Pensei Olha num nome que eu posso dar, que as pessoas vão sentir que esta pessoa tem confiança. Como eu não a tinha, sabes?! Eu queria muito que as pessoas achassem que eu tinha. Porque eu sabia que tinha de ser muito forte. Eu sabia que alguém como eu não podia simplesmente surgir na internet. Não podia querer saber o que as pessoas dissessem sobre mim, ou ficar magoado com comentários. Eu não podia, não pude dar esse luxo. Se eu queria fazer aquilo que queria fazer tinha de ter uma pele mesmo forte. Então foi Kiko is Hot, toma, está aqui. Ai gozam comigo? Tudo bem, pronto! Muros, muros e muros que eu criei na altura para não afectarem.

Começas em miúdo com um projeto pessoal, depois projetos coletivos, com outros influencers, a série Casa do Cais e agora novamente a solo… Na tua vida pessoal, como é que realmente as coisas têm acontecido e que as pessoas que te seguem não fazem ideia?

É engraçado, porque imagina, eu agora estar a solo faz muito sentido a minha vida, realmente. As pessoas não percebem isto, mas eu sinto que comecei a solo. Não tinha amigos, não tinha vida social. Depois ganhei uma vida social, e naturalmente os projetos foram para esse caminho. Ou seja, quando eu ganho um grupo de amigos, a Peperan, a Lena, a Soraia, o Andy, nós realmente somos amigos e de repente criámos ali um projeto. Ou seja, tudo fazia sentido porque eu estava numa altura de descoberta de quem eu era, de sair à noite, de me proteger, de fazer tudo aquilo que eu queria. E agora sinto que estou a voltar a casa, de certa forma. É engraçado porque eu sinto que no TikTok voltei a um sítio que já não estava desde que tinha 16 anos. É um sítio muito próprio, é um sítio onde eu estou em casa, e tenho ideias loucas, mas vou fazer. É uma coisa muito pessoal que de certa forma é aquilo que me assenta melhor. A validação é minha, e sinto que toca num sítio onde eu comecei.

Durante um tempo fui a vários sítios da vida, conhecer pessoas, fazer projetos, mas na verdade eu sinto que voltei a casa agora, estando a solo de novo. Claro que vou trabalhar com pessoas na minha vida, se eu quiser, mas eu sinto que se calhar estar aos 30 anos agora… já não tenho 16 anos, fiz 30 anos! Fiz 30 anos e acho que também faz parte desta etapa da minha vida. Deixar um bocadinho…. Diminuir um bocado o barulho e o ruído à volta para saber realmente para onde é que eu tenho que ir.

E as decisões serem tuas. Para o bem e para o mal…

Exatamente. Não é? Tipo, é só meu, só eu é que decido. E eu gosto muito desse controlo. Não vou mentir, eu sou um bocado control freak. Então eu gosto da ideia de eu ter as ideias, produzir, fazer. Não depender de ninguém. Não tenho de dizer nada a ninguém. E pronto, acho que é um bocado isso.

Se pudesses balizar mais ou menos, há quanto tempo é que tu sentes que voltaste a ser visto a solo? Seis meses, um ano? Quando é que se começa aqui a dar o boom?

Se calhar diria um ano e meio, um ano e meio. Vem com o TikTok, acho. Quando criei o TikTok há… não fez ainda dois anos. Um ano e meio, mais ou menos. Eu sinto que cheguei muito tarde. O TikTok deu o seu berro em 2020 e eu só em 2023 é que comecei mesmo a fazer as coisas, a publicar na rede. Acho que foi aí que as pessoas me começaram a seguir…. É muito engraçado, há muitas pessoas que não me conhecem do YouTube já.

Os miúdos…

Os miúdos, ou seja, há pessoas que acham que eu faço conteúdos, pronto. Mas acho que foi aí, acho que foi nesse boom do TikTok que eu voltei a ter realmente um nome a solo.

Agora, sempre que és abordado, seja pelas redes, seja por um programa, seja o que for… O que é que actualmente te motiva? Não é a questão da validação, como quando eras miúdo, e que depois integraste numa série de projetos… O que é que hoje efectivamente é o teu drive? Se calhar até há meia dúzia de anos era muito a questão de… “Ah, eu vou levantar esta bandeira, seja lá qual for a bandeira, por mim e por aqueles que hão de vir.” Mas acho que já não estamos a viver isso. O que é que nós estamos a viver agora na tua óptica?

Eu gostava de sentir que… as capacidades que eu tenho, por exemplo, da comunicação, que é uma coisa que se tem revelado ao longo dos anos fossem recompensadas de alguma forma, ou seja, eu consigo chegar a sítios onde supostamente pessoas como eu não existem. E essa é a parte da bandeira que eu digo que levo em mim, mas levo-a de forma indireta. Ou seja, quando eu ganho certas hipóteses e quando eu chego a certos sítios, estou a abrir um caminho, mas é pelo meu talento.

Acho que estou a abrir um caminho de pessoas como eu, que podem chegar a estes sítios. Tu não tens que mudar quem tu és, tu não tens que te conformar, tu não tens que começar a ser mais sério, ou ser mais beto para conseguires chegar a sítios que deveriam estar abertos a toda a gente.

Quando te apresentas ao público, ou quando digo ao público, não só através do TikTok, das redes sociais, mas quando tu és convidado agora para uma série de eventos, quando tu vais… Qual é que é o teu drive? O que é que tu queres passar a quem te vê…

Sinto que para mim é super importante, talvez aquilo que se tem mostrado mais e mostrou para mim nos últimos dois anos, é a vulnerabilidade. É a cena mais verdadeira possível. Eu aprendi isso até pelos números que tenho agora. As pessoas dizem “Mas como é que é possível? Como é que tens tantos números? Como é que não sei o quê? É vulnerabilidade. É eu não ter, não sentir que tenho alguma coisa a perder. Já estou confiante o suficiente para não achar que “mas eu vou perder esta oportunidade se eu falar disto”. Já te falei disto há muito tempo. Estou numa altura onde estou completamente verdadeiro naquilo que sinto, e no que estou a passar. E isso atrai imensas pessoas. Às vezes já demos por nós a querer fingir. Ou querer… “Ah, mas é suposto sermos assim, é suposto sermos… Se calhar é suposto eu estar a dizer aquilo, se calhar é suposto eu vestir aquilo, se calhar é suposto”… Isso não existe! As coisas que as pessoas mais se relacionam comigo, às vezes, é estar na cama há dois dias. E então há gente que se consegue relacionar porque há gente que sabe o que é estar num período mais depressivo. O poder da vulnerabilidade é o poder da verdade, no fundo.

Sim, nu e crua…

É a coisa que eu acho que tem mais poder e que mais motiva. É uma coisa muito genuína, e eu nem tenho que pensar quase. É só ser eu próprio. E acho que esse ser eu próprio é uma coisa que inspira as pessoas.

Vou partilhar aqui algo Pessoal, meu e teu. Não estás preparado, mas cá vai. Certo dia, há uns anos, fomos todos sair à noite. E estávamos ali perto da Rua Rosa no Cais do Sodré. Cheia de gente. Isto era uma sexta ou sábado à noite. Estávamos a conversar à porta de um bar e aquilo estava a dar-te uma ansiedade imensa. Percebi isso, claramente. Eras abordado constantemente de uma forma até um bocado selvagem. Havia desde os miúdos e miúdas que gostavam de ti, só queriam uma fotografia e dizer gosto muito de ti, mas também apareciam grupos de homens mais velhos que queriam tirar fotografias contigo, até num tom de gozo. Estarem ali homens todos juntos, a beberem copos, e tu tiraste uma fotografia com um deles. Ele claramente ficou impressionado com a tua atitude, e no final até te deu um aperto de mão. Esse homem claramente ficou com uma ideia diferente tua. Pela sua expressão acredito que até se sentiu ridículo pela sua atitude inicial…Portanto, era um grupo de homens, todos a gozar contigo, a pedirem para tirar uma fotografia contigo nitidamente no gozo e tu foste educadíssimo, tiraste a fotografia com a maior naturalidade a seres tu próprio, e no final ele até agradeceu e apertou-te a mão. Percebi claramente que tinhas conquistado o respeito daquele grupo pela tua postura e profissionalismo. A fazeres as tuas poses nas fotos, sem pudores mas com um enorme respeito…Nunca me esqueci da cara com que ficaram, não contavam que fosses como és… A cada dois passos tinha de parar contigo, e via dedos todos a apontarem na tua direção, a chamarem-te, uns por umas razões, outros por outras. Como é que isso resultou para ti? Ou seja, como é que se lida com estas provações e provocações constantes?

Sabes o que é que eu acho? Agora estavas-me a contar isso e eu não me lembrava qual ia ser a minha reação. Eu não me lembrava qual ia ser a minha reação.

Normalíssimo, conforme estás aqui comigo.

E tu estavas-me a contar, eu estava a pensar assim, espero que tenha sido super educado. Na verdade, comprovaste aquilo que eu acho, as atitudes são para quem as tem. Para mim, não me faz sentido nenhum estar a ser mal-educado com alguém. Se alguém quer fazer uma gracinha ao tirar uma foto comigo, essa pessoa vai viver com essa vergonha um dia. Essa pessoa vai olhar para trás, e vai dizer assim “olha, eu a tentar minimizar a vida de alguém, ou fazer pouco de alguém” Essa pessoa tem que viver com isso. Não sou eu. Porque eu estou na minha. Querem tirar uma foto? Vamos, claro! Eu não vou partir do pressuposto que alguém quer abusar comigo, porque eu não trato assim as pessoas. Então, eu não vou ser essa pessoa para ninguém, e se as pessoas quiserem ser isso comigo cada um vive com as suas escolhas. Cada um vive com aquilo que faz. Portanto, para mim, a educação tem muito poder e no meu caso, na minha carreira já ganhei muito com isso. As pessoas já têm um preconceito nas suas cabeças, daquilo que acham que eu vou ser. Porque me veem uns segundos na internet, ou por isso ou por aquilo. E acabo sempre por surpreender as pessoas, sendo só eu próprio. Portanto, quando à bocado eu falava da mudança indireta, é isso a mudança indireta. É a acharem que me vão conseguir meter numa caixa, e eu não vou para essa caixa. Eu sou um ser humano normal, sou um ser humano como todos os outros e vou ser educado porque foi assim que a minha mãe me ensinou.

É isso, eu até queria aqui só…já passaram uns anos, mas ainda me lembro perfeitamente daquele aperto de mão. E lembro-me de olhar para ele e ver o ar surpreso dele pela tua atitude e um bocado de vergonha da sua própria atitude.

A atitude fica com ele, não fica comigo. Já sofri bastante com isto no passado, as pessoas às vezes olham para mim só como uma personagem. Ou só uma pessoa que não é real, ou que não é carinhosa. E acham que podem fazer pouco de mim. Porque eu sou uma piada. E quando eu não tinha estrutura para isso, afetava-me muito.

Nessa altura que fomos sair ainda te afetava?

Eu acho que sim. Afetava-me bastante. Até houve uma altura que até deixei de fazer conteúdo, e escondi-me um bocadinho do público. Porque fazia muita confusão. As pessoas que eu conhecia, os meus amigos, viam de uma certa forma, e o público via de outra. Começou a fazer-me muita confusão, na altura ainda não olhava para o que faço como um trabalho. Portanto, fazia muita confusão… Não me veem como uma pessoa real. Sou visto como um palhaço. Eu não quero ser um palhaço. Eu não sou um palhaço. Ou seja, esta negação que eu tive foi um bocado o momento onde eu pensei… Não quero mais ser uma personagem. Eu quero ser uma pessoa real, que gosta de pessoas, que tem as suas experiências. Atualmente, tenho outra estrutura e sei que cada um me vê como quer, e sei que isto é o meu trabalho, portanto, separo as coisas. Mas na altura sentia muito isso, sentia que as pessoas às vezes vinham ter comigo numa de acharem que eu ia ser este palhacinho, ou um pessoa que não tem pensamentos, ou não sei o que é que elas achavam…

A família…a tua! Como é que lida com o Francisco, que é o Kiko is Hot cada vez mais visível. Tens o Instagram, o TikTok, depois vais à televisão, rádio, vais fazer o teu DJ set. Imagina, vou dizer assim um exemplo… um almoço em família no restaurante perto de casa da tua mãe...

Não existe. ?

Não existe? Não. Eu também tenho um size familiar muito pequeno. Portanto, basicamente a minha família é a minha mãe, as minhas duas irmãs e o meu irmão. Apesar de que o meu irmão está em Manchester a viver. Então, na verdade, somos só três aqui. E as coisas que eu mais gosto é sentir que não sou o Kiko is Hot com eles. Portanto, não há essa coisa até de falar das coisas que eu faço. Não, eu quero é saber como é que está a minha sobrinha. Quero saber como é que está o voluntariado da minha mãe.

O meu trabalho pode ser, muito facilmente, uma coisa muito narcisista. Está tudo em mim, o que eu faço, o que eu posto, ele é famoso, ou seja, para mim é saudável para a minha saúde mental retirar-me um bocadinho daí às vezes, e ter o meu valor pela forma como me preocupo com os outros. Para mim isso é importante, senão acho que me torno uma pessoa detestável. A coisa pode subir-me à cabeça, e eu não quero nunca que isso aconteça.

Afecta a tua mãe na vossa convivência a forma como as pessoas te abordam ou as razões pelas quais o fazem? A tua mãe comenta, ou diz alguma coisa?

Acho que lhe dá igual, mas ela tem muito orgulho em mim. Essa parte é importante. Ela demonstra muito orgulho em mim. E acho que na pessoa que eu me tornei também se deve a ela obviamente, não é?

Questões de género. Esta capa editorial da Parq tenta representar tudo aquilo que tens querido dizer ao mundo ao longo dos anos. O que é que ainda te falta dizer?

Então, em questão de género, não é?

Seja no que for. Da tua visão de mundo à medida que vais avançando pessoalmente ou profissionalmente…

Agora falaste da questão de género e, por acaso, lembrei-me de uma coisa que sinto, sobre minha experiência, é a única coisa que posso falar. A mim nunca me fez sentido fazer mudanças drásticas, dolorosas, só para me encaixar em padrões que as pessoas querem que eu me encaixe. Houve uma certa altura que até achei que podia ser trans, mas rapidamente percebi que estaria a fazer aquelas mudanças todas… tenho amigas trans que fazem, que são mudanças dolorosas, hormonas e operações, E para mim, sabia que o estava a fazer para tentar encaixar-me num molde que criaram para mim. “Ah não, tu não podes ser um homem e fazer isto e aquilo. Porque se calhar és uma mulher trans…”

Portanto, era para facilitar a minha experiência. Eu acho que se calhar o que eu quero deixar é a ideia de que nós podemos ser livres e exprimirmos quem nós somos. E isso não tem de fazer sentido para ninguém para além de nós. Portanto, não é necessário tu teres isto, ou fazeres aquilo ou não sei o quê para te encaixares. Isso não existe na minha cabeça.

Masculino e feminino para mim sempre foram danças. Sempre foram expressões onde eu às vezes estou mais assim, às vezes estou mais acolá, e não tenho de fazer sentido para ninguém. Ou seja, para mim, ser masculino e ser feminino até é muito mais daquilo que eu visto. É muito mais sobre o que penso, é muito mais daquela sensibilidade que tenho. Talvez a que a minha mãe me passou, a minha parte emotiva e a minha parte sensível. Mas se calhar eu também tenho de ser mais despachado e ser mais racional e mais… sabes?! Ou seja, para mim, masculino e feminino são dois pontos num só. Se existe algum sítio que está a requerer que nós mudemos a nossa essência é porque esse sítio não é para nós.

Ainda sobre as questões do género, achas que há um exagero? Nos adolescentes que se identificam como um gato, um alce ou um cão, e os pronomes? A confusão que é feita e vista como ofensiva. Achas que há um exagero atualmente?

Acho que as pessoas estão muito sensíveis ultimamente, e consigo olhar para isso numa linha temporal e perceber que isso vem de um sítio onde elas não se sentiram compreendidas. Portanto, agora estão numa revolta. E consigo entender isso, consigo ter respeito. Acho que a questão dos alces e dos gatos, não sei o quê, acho que isso é uma minoria. Obviamente, isso é uma minoria e é uma minoria que se calhar até afecta a luta totalitária que nós temos tentado ter quando tentam realmente falar de… de se identificar como um gato, digamos assim. Mas, para mim, eu sou da opinião que se nós estivermos a falar com amor e com uma de compreender e com uma de querer aceitar o outro, eu acho que isso tem que valer. Eu ainda acredito na intenção. Sou defensor da intenção. Portanto, se alguém me quiser ofender e se der para perceber, então aquela pessoa não tem nada a aprender. Eu não vou querer gastar sequer o meu latim. Agora, se perceber que a pessoa está a fazer um esforço para me entender, pode não saber certas coisas, mas está a tentar não me ofender, ou estar a tentar ser o mais respeitável possível e se calhar a cometer uma gaffe vou ter a intenção da pessoa na minha cabeça. Isso vai ter de ser uma coisa que pesa na minha resposta.

Tem muito mais a ver com a intenção, não é?

Para mim tem. Para mim a intenção é muito importante.

A última pergunta.

Ai, ai, ai.

Há uns anos jogávamos o Fuck, Marry, Kill. (risos) E tu disseste… que comigo casavas, que era para teres uma stylist todos os dias. Kiko, ainda queres casar comigo? (risos).

Eu já ouvi dizer que tens um closet em casa, portanto…. Estou lá! Mas é sem separação de bens.

Obrigada Kiko por esta entrevista, e pela loucura da ideia da capa e tudo o resto ao longo dos anos!

Direção artística Patrícia César Vicente

Fotografia Manuel Geada

Styling Tatjana Jourdain

Assistente de Styling Marco Gomes

Cabelos Esteban

MU Inês Abreu Lima

Artigo publicado na PARQ_81.pdf