Just (in) World
texto por Patricia César Vicente
fotografia por Tatiana Saavedra
Não vamos fingir que não nos conhecemos, conhecemos sim. E também é um dos motivos para estarmos aqui, o teu percurso tem sido demasiado curioso para não falarmos dele. Pessoas como tu têm de ser entrevistadas.
Patricia César Vicente: Antes de mais, o teu percurso. Como e onde é que tudo começou para ti?
Justin Amorim: Começou com os filmes, acho que para qualquer pessoa que trabalha com cinema, começa com os filmes. Em criança pelo “Peter Pan”, “A Pequena Sereia” e os “X-Men” (em especial o segundo), na adolescência pelas “Virgens Suicidas” e “Mean Girls”, mas foi já em adulto que descobri alguns dos meus filmes favoritos “Thelma & Louise”, “Tree of Life”, “Mommy”, “Metropolis”, “La Grande Bellezza”… acho que fugi à pergunta e perdi-me nos filmes, mas resumidamente, começa com os filmes, na sala de cinema. Uma das memórias mais vivas que tenho foi de ver o “X-Men” no cinema, no ano de 2000, em Toronto, com a minha mãe, irmã e dois rapazes vizinhos. Tinha sete anos. Foi incrível.
PCV: Em criança, sempre foste o “artista” da família?
JA: Nunca fui o artista da família, zero mesmo. A minha irmã sempre foi mais criativa que eu em termos de artes visuais, música, dança… Hoje em dia ela é advogada e eu sou realizador. Não me parece que haja um ligação direta com os interesses que temos com 4 anos e o que nos move aos 30. A ideia de “artista” em criança é pintar e desenhar mas há muitas outras formas de arte que não estão à nossa disposição quando somos muito novos, só mais tarde é que podemos ter acesso aos instrumentos necessários como máquinas de filmar/fotografar ou máquinas de costura por exemplo. Talvez fosse criativo mas não tinha os objetos certos com que me expressar.
PCV: E o apoio da família, em que medida é que foi importante para ti? Sentiste sempre compreensão por parte das pessoas à tua volta enquanto te descobrias?
JA: A minha família sempre apoiou a decisão de estudar cinema, aos 16 anos pedi como prenda de anos um mini-curso intensivo de cinema de 2 semanas em Nova Iorque e eles ofereceram isso. Foi muito especial e importante para mim. Foi durante essas duas semanas que decidi que iria estudar cinema em Nova Iorque durante os próximos 6 anos. Acho que esse apoio que me deram diz tudo. Tive e tenho muita sorte de ter a família que tenho.
PCV: O Justin Amorim, produtor tão baby em comparação com o que estamos habituados. Está fora de padrões, a tua postura, a tua abordagem, o teu estilo de fazer as coisas. E aqui vou contar uma coisa. No dia em que te conheci, na sequência de um trabalho que estávamos a fazer tu abriste a porta de tua casa, do teu closet e disseste leva tudo o que precisares. Não me conhecias de lado nenhum, a isso marcou-me. É óbvio que estou habituada a trabalhar com produtores e realizadores com uma relação “tu cá-tu lá”, mas Damn…Costumas ser sempre assim? Como é que te impões numa equipa como produtor ao teres essa atitude tão próxima e cool? Não temes que as pessoas “abusem”?
JA: Fizeste-me rir com esta pergunta. Olha Patrícia… tu apanhaste-me num dos meus primeiros projetos como produtor e eu ainda era muito ingénuo, continuo a ser, mas um pouco menos agora. A minha tendência natural é de ser extremamente generoso com os projetos e autores com que trabalho. Infelizmente, tenho que combater isso porque as pessoas abusam, como dizes. Mas sou e serei sempre generoso até sentir que abusam, nessa altura paro de o ser e imponho-me. Melhorei muito a impor-me, tenho feito um trabalho de auto-afirmação há alguns anos que me permite agora bater o pé e dizer “não” quando necessário. Já estou mais calejado.
PCV: O teu estilo, a tua maneira de vestir. Vamos ser realistas, sai do habitual ou “típico” realizador. Qual a tua relação com a moda, e essa falta de medo de não ser levado a sério só porque estás fora de um suposto padrão?
JA: Não tenho nada essa noção sobre mim mas se tu o dizes, aceito a agradeço! A minha mãe adora moda, sem dúvida que apanhei dela. Eu uso o que me apetece, sempre. De manhã quando acordo gosto de pensar no que vou fazer ao longo do dia e nas pessoas que vou ver e tento criar um look que faça sentido para os lugares e pessoas. Até acho que dou bastante importância ao que as pessoas pensam de mim. Mas sim, já fiz reuniões com executivos de televisão em que estou com o cabelo completamente despenteado, botas pretas grandes e um trench coat gigante até ao chão. Sou um bocado esquizofrénico na forma como me visto.
PCV: Como é que surge a Promenade? E até onde pensas chegar com a tua produtora?
JA: A Promenade é o meu bebé grande. Nasceu em 2015 para produzir a minha longa-metragem “Leviano”, ficou em standby até 2018 e a partir daí foi sempre a crescer. Logo nesse primeiro ano entrou a “#CasaDoCais” que foi muito importante para o crescimento da Promenade. Já são quase 4 anos… Mas esta pergunta é difícil, não sei até onde penso ir. Eu acredito que consigo chegar às nuvens, mas questiono-me constantemente se estou disposto a abdicar de tudo o que é necessário para lá chegar. Acho que as pessoas não têm bem noção do quanto eu trabalho, eu nunca paro de trabalhar. Felizmente tenho a melhor equipa possível, sou super abençoado por ter encontrado a equipa que está atualmente comigo todos os dias no escritório e sinto-me responsável por fazer o melhor que consigo para lhes provar que fizeram a escolha certa de virem trabalhar comigo.
PCV: Neste momento quais os projectos que podemos ver e onde, e claro, alguma novidade que nos possas adiantar? E não digas que não tens nada…porque eu não acredito!
JA: Tenho muita coisa. Recentemente estreámos as séries “5Starz” e “A Mim, Nunca.” na RTP Play. Já no próximo dia 21 de Março lançamos a série “Nem a Gente Janta” também na RTP Play. Dia 25 de Março estamos nos Estados Unidos a estrear a nossa segunda longa-metragem “Frágil”. Tenho várias curtas-metragens a estrear — “Nobody”, “15’”, “Autoerótico”, “Sob Influência” (…) e vem aí mais uma longa-metragem “Amo-te Imenso” muito em breve. Há um videoclipe realizado por mim para a Maria “Bell” Sampaio a estrear em breve… e ainda nesta primeira metade do ano começo a filmar o meu próximo projeto de cinema como realizador.
PCV: A tua relação com a escrita, a tua criatividade, a epifania em torno da moda, da realização e de uma visão tão clara do produto final que queres. Onde é que te inspiras? Que pessoas te inspiram?
JA: A minha inspiração vem quase sempre de música e situações caricatas do quotidiano. Se estiverem a acontecer ao mesmo tempo (boa música nos AirPods + uma situação caricata) é game over. Começo logo a tirar notas. A minha mãe e irmã inspiram-me. Os meus amigos inspiram-me. Atravessar a ponte 25 de Abril inspira-me. Subir o Parque Eduardo VII ao pôr-do-sol inspira-me. Mas com música, sempre com música.
PCV: E agora para a despedida. Se pudesses pedir um desejo para o cinema e televisão em Portugal. Qual seria?
JA: Que mais pessoas o vissem. Acho que isso resolveria grande parte dos nossos problemas.
Produção e texto : Patrícia César Vicente para PARQ_73.pdf (parqmag.com)
Fotografia: Tatiana Saavedra
Cabelos e Maquilhagem: Du