Plásticas e redes sociais

Um dia em conversa com uma amiga minha que tem uns “valentes” 31 anos como eu, contava-me que conheceu um grupo de raparigas entre os vinte e vinte e quatro anos, os seus principais temas de conversa eram as redes sociais, instagram para ser mais exacta, assim como a revelação e respectiva descrição das operações plásticas que tinham feito. Mamoplastia de aumento, rinoplastias e lifting de glúteos. A minha amiga limitou-se a ouvir atentamente e sentiu-se desactualizada, sem perceber muito bem o que é que tinha acontecido ao que se chama a juventude dos vinte anos. Contou-me mais tarde, que não compreendia o porquê das “miúdas” com vinte anos, já se terem submetido a cirurgias plásticas e estéticas como se tivessem cinquenta anos. O que é que tinha acontecido, para aos 23 anos recorrerem ao botox, por umas supostas rugas que elas juram a pés juntos que se notam muito bem nas fotografias do instagram, caso não usem filtros ou Photoshop. “Se pensam assim aos vinte, o que é que vão fazer quando chegarem aos quarenta?” Não sabemos a resposta, por enquanto. Há milhares de desfechos e possibilidades, tudo dependerá dos avanços da medicina, do profissionalismo dos médicos e acima de tudo do bom senso de cada um. Decidi falar com várias pessoas que conheço e algumas amigas com vinte e poucos anos, quis perguntar se conheciam alguma história, assim mais de perto, sobre colegas de faculdade ou amigos que tenham recorrido á medicina estética e plástica. Entre uma gargalhada enorme, ouvi: “Patrícia, conheço tanta gente. Isso é super comum!” Num ápice, com um simples scroll pelo instagram tive uma ideia da quantidade de pessoas que aos vinte anos já tinham dado um “jeito” aos lábios, aos glúteos, ás orelhas, ao contorno da mandíbula, etc. Algumas eram pessoas que já conhecia, outras que tive a oportunidade de conhecer e outras que são conhecidas por serem influencers, que ninguém desconfia que recorrem a clínicas de estética para fazerem “pequenos ajustes” á cara e ao corpo. Influencers que se mostram como defensores da beleza real e contra os padrões de beleza, sem que os seguidores saibam que não é com a graça de Deus, mas sim, com ajuda de um médico que conseguem ser tão bonitas(os) e perfeitas(os).

E foi este o ponto de partida para termos chegado a este momento.

Falei com a Maria(nome fictício, a seu pedido). A Maria contou aos pais e aos amigos mais chegados que recorreu á medicina estética aos vinte e dois anos. Mas não se quer justificar aos conhecidos e muito menos, ás pessoas com quem trabalha ou nas suas redes sociais. Para a Maria as redes sociais tiveram um enorme impacto na tomada de decisão para fazer uma rinoplastia. Admite que desde muito cedo que tinha problemas de autoestima e que foi vítima de bullying, durante a adolescência quis pertencer e ser aceite num grupo, precisava de se sentir integrada na escola, na sociedade. Acredita que já na altura precisava de ter tido outro tipo de acompanhamento, mas tal não aconteceu. O que fez com que hoje em dia, em fase adulta, seja mais difícil ganhar autoconfiança. Geralmente os pais têm a ideia de que a adolescência é só uma fase e que quando forem adultos, tudo passa e tudo se esquece. Mas antes pelo contrário, cada vez mais, é na adolescência que estão a formar carácter, é nesta fase que a autoestima e confiança é moldada e terá enorme impacto na vida adulta.

Maria não se recorda ao certo, quando é que as redes sociais passaram a ter um impacto na forma como ela se via ao espelho, mas sempre tentou projectar uma imagem de si própria para o mundo digital: “Uma vez quando tinha quinze anos, coloquei umas fotografias no Facebook e recebi uma mensagem privada de uma rapariga que eu não conhecia, a perguntar-me como é que eu era capaz de postar fotografias com um nariz horrível como o meu.” Passados estes anos todos, Maria ainda se sente envergonhada quando conta esta história. Sempre se sentiu desconfortável com a sua aparência e acreditava que podia ser bonita com o nariz certo. Ter crescido debaixo dos holofotes das redes sociais, causou demasiados estragos á sua autoestima. A adolescência já era difícil por si só, com as redes sociais cresceu drasticamente a pressão de sermos perfeitos, termos vidas perfeitas, relações perfeitas, em lugares perfeitos. Trata-se de uma pressão com a qual os jovens tendem a querer viver e sobreviver, se possível.

De acordo com o médico britânico, Tijion Esho, que tem várias clínicas estéticas no Reino Unido, muitos jovens sofrem de “dismorfia de Snapchat”, expressão inventada pelo próprio. De acordo com um estudo de 2015, pelo Office for National Statistics (ONS), 27% dos adolescentes que usam as redes sociais mais de três horas por dia, apresentam sintomas de risco para a saúde mental. Em Portugal a medicina estética e plástica tem vindo a aumentar e ser comum entre os jovens, no entanto, Portugal representa apenas 1% das operações estéticas a nível europeu. A nível mundial, de acordo com a ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgeons), o país que lidera o ranking de operações plásticas e estéticas são os Estados Unidos da América, em segundo lugar, o Brasil e em terceiro o Japão.

Maria, afirma que já fez preenchimento labial. Quando questionada porque o fez, Maria diz que tinha os lábios muito finos e em conversa com as suas amigas, algumas já o tinham feito e sugeriam que o fizesse. No entanto, Maria disse-me que o fez porque os lábios definidos e carnudos fazem parte do ideal de beleza feminina. Perguntei-lhe qual o seu ícone de beleza, até para entender qual o tipo de beleza que na sua opinião, preenche todos os requisitos de beleza feminima. A resposta: Bella Hadid. Acredita que se não tivesse crescido na era das redes sociais, talvez não se tivesse tornado tão complexada, talvez não tivesse tanta necessidade de comparação, talvez não sentisse a necessidade constante de aprovação dos outros através de um like. Talvez…Mas asseguro-vos de que a Maria é muito mais bonita ao vivo, mais bonita do que ela acredita ser, ou de qualquer projecção que possa fazer de si no instagram através de um post.

De acordo com a última reunião anual da sociedade americana de cirurgia plástica estética, que se realiza em Nova Iorque, as operações da linha mandibular e pescoço têm aumentado e tornaram-se uma tendência. Assim como a utilização de excertos de gordura para definir os contornos corporais, ou lifting dos glúteos(brazilian butt lift). As operações mais procuradas pelas mulheres são a mamoplastia de aumento, a lipoaspiração e o lifting dos glúteos. Quanto aos procedimentos estéticos não cirurgicos mais procurados são as injecções de botox(toxina botulínica) e o preenchimento labial. As operações que têm mais procura pelos homens são a abdominoplastia, o aumento peniano e os implantes capilares.

Na sequência deste artigo, tive a oportunidade de falar com o director da clínica Nubio Clinic. A clinica nasceu a partir da ideia de haver um espaço acessível, natural, sem preconceitos e com os melhores profissionais da área. As pincipais cirurgias da clínica são: contorno da mandíbula, rinoplastia, liposcultura, lipoaspiração de papada e o lifting de glúteos. Inicialmente pensavam que o seu target seria entre os trinta e os cinquenta anos. No entanto, as clientes são cada vez mais jovens e actualmente, as clientes que têm entre os 18 e 25 anos, muitas tornam-se clientes regulares e chegam a procurar a clínica uma vez por mês. “Estão sempre a tentar melhorar a imagem, principalmente por causa das redes sociais.” Defende que os médicos devem estar atentos e ter alguma sensibilidade, até porque algumas pessoas necessitam primeiramente de acompanhamento psicológico. São pessoas com baixa autoestima, que depositam nas operações plásticas estéticas demasiadas expectativas, como se fossem resolver todos os seus problemas. “Muitos jovens fazem cirurgias estéticas para ficarem parecidos com as suas fotografias com filtros. Acreditam que são muito mais bonitos e atrantes com os filtros, do que são ao vivo ou nas fotografias naturais.” Questionado sobre o ícone com que todas as jovens querem ficar parecidas. “A principal referência são as Kardashian, sem dúvida, que é o que as jovens mais procuram.”

Na sua clínica quando se apercebem de qualquer tipo de exagero ou qualquer cirurgia que possa representar qualquer tipo de perigo, recusam-se a fazê-lo. No entanto, afirma que o problema é que existem outras clínicas, que aceitam e operam em quase todas as circunstâncias, desde que haja dinheiro. Alguns médicos operam apenas a pensar no dinheiro, porque lhes custa pouco a eles, mas custa muito dinheiro a quem quer fazer a cirurgia.

Perguntei o que acontece nesses casos, para defender os pacientes. “Na medicina como em tantas outras áreas existem cunhas e protecções. Onde há dinheiro envolvido, não haverão criminosos. Ou pelo menos, nunca os vamos conhecer.”

Para além dos médicos que não estão devidamente habilitados, os que que colocam o dinheiro acima do bem estar dos seus pacientes, ainda existem pessoas sem qualquer formação na área que usam as fragilidades dos outros, para obter vantagem e fazer lucro. Mesmo que isso coloque em risco a vida de pessoas. Cerca de cinco vezes por mês, a Nubio Clinic, recebe clientes entre os dezoito e os vinte cinco anos que através de um centro de estética e por pessoas não credenciadas, tentaram fazer preenchimento labial. Geralmente vão através das recomendações de uma amiga, que é amiga de uma amiga, que conhece alguém que faz preenchimento labial com um ácido supostamente milagroso e inovador. Acabam por pagar entre 150€ a 180€ por injecção e mais tarde acabam por recorrer a clínicas credenciadas. O que alicia estas jovens é a ideia de terem a cara ou o corpo de sonho, por uma valor muito baixo e que possam pagar. Mesmo que isso implique ou represente riscos para a sua saúde. Algumas pessoas acabam por nem sequer apresentar queixa e deixar passar.

Inevitavelmente fiz a pergunta: Quem se opera regularmente aos vinte anos, aos 40 terá necessidades especiais para rejuvenescer a pele? “Se o processo for gradual e muito bem feito, não. O objectivo é que as pessoas envelheçam com calma, as pessoas podem envelhecer com beleza e sentirem-se bonitas, o objectivo da medicina estética é manter a beleza mais tempo, não é transformar a cara das pessoas de forma repentina e irreconhecível. A nossa cara tem personalidade, não nos podemos tornar em robots, as cirurgias devem ser feitas com personalidade.”

Decidi perguntar sobre o botox, do perigo de haverem abusos deste procedimento não cirúrgico. “ O botox(toxina botulínica) é muito natural. É um paralisador muscular, quando injectado nos sítios certos. O botox tem adição e a partir de certa altura, o botox deixa de fazer efeito e são necessárias cada vez mais injecções. Pelo que fazemos o acompanhamento e aconselhamos a reduzir de vez em quando. Para que lentamente aceitem a sua velhice com calma e através do botox consigam resultados muito bons a longo prazo.” As complicações de procedimentos mal feitos, podem ser complicações respiratórias, infecções, ou a substância mover-se de forma imprevisível do sítio onde foi injectada e bloquear os vasos sanguíneos.

Uma coisa é certa, devido ás redes sociais e ás contas de instagram de celebridades que são vistas por milhares de jovens seguidores, as operações estéticas não param de aumentar. No entanto, maioria dos seguidores não tem capacidade de pagar cirurgias plásticas e acabam por encontrar supostos médicos que estão dispostos a fazê-lo por um preço “inferior”.

Quando questionado sobre o que distingue um médico credível, de um que está mais interessado no dinheiro, do que na paciente: “Um médico credível, não é aquele que vai dizer sim a tudo o que as pessoas querem ouvir. A cirurgia tem de ser uma coisa pensada. Sinto que há muita falta de informação. A cirurgia definitiva deve ser o último recurso.” No entanto, de acordo com os casos a que tem acesso, “as pessoas que estão demasiado presentes nas redes sociais, a primeira coisa que pensam é em mudar. Querem fazer alterações na cara e/ou no corpo. A aceitação passou para ultimo plano.”

Sendo estes jovens, tão jovens, que certamente na sua maioria ainda vivem com os pais ou estão na faculdade, como conseguem ter dinheiro para cirurgias estéticas. “Há pessoas que não comem para porem maminhas, há raparigas que não comem para pagar uma lipoescultura. Tem tudo a ver com estas novas prioridades. Esta urgência em ficarmos bem e mostrarmo-nos ainda melhores.”

As redes sociais trouxeram-nos um mundo que antes não conhecíamos, aproximou-nos de um mundo e de pessoas que estavam tão distantes, aumentou a necessidade de comparação, o sentir que não somos suficientemente bons, fez com que projectássemos através das nossas redes sociais a parte que consideramos ser boa e interessante de nós. Em alguns casos acaba por ser uma projecção total de quem não somos, mas que gostávamos de ser. Procura-se a validação, a aceitação, a admiração e a necessidade de reconhecimento. As pessoas acreditam que são boas ou más, devido ao número de seguidores e de likes, procuram nas cirurgias estéticas e tratamentos a resposta para a autoestima que deixou de existir. Numa altura em que está na moda mostrar fotografias a assumir supostas imperfeições é quando o número de cirurgias plásticas estéticas não pára de aumentar.

Não devemos ser contra o instagram, não devemos ser contra as cirurgias estéticas e muito menos ser preconceituosos, devemos ponderar qual o tipo de pessoa que queremos ser, o que ambicionamos alcançar e se a opinião de quem não conhecemos deve ter mais importância do que a nossa.

Quanto ás cirurgias estéticas na adolescência e juventude, resta-me apenas continuar a ter acesso a informação, tentar compreender, para poder explicar da melhor forma através da escrita. Acredito que ainda há pouca informação, ainda é um tabu para muitas pessoas, o que faz com que existam pessoas mal informadas, o que involuntariamente as leva, por vezes, a fazer más escolhas.

Acredito que há pessoas que precisam mais de injecções de autoestima, do que de botox. Acredito que há pessoas que precisam mais de afecto, do que de likes. Acredito que há pessoas que precisam mais de ter verdadeiros amigos, do que de seguidores ou haters.

Texto de Patrícia César Vicente, para a revista PARQ, Março de 2019