A sloggi, baseia a qualidade da seu produto final em termos do conforto que pode oferecer aos seus consumidores. Em geral recorre a testes e a questionários dentro de uma amostra que representa a maioria da população. Contudo, pensando no lançamento da sua coleção premium , a S by Sloggi, resolveu fazer algo inverso. Começou por questionar esses mesmos critérios maioritários do conforto, levando o conceito, para além dos aspectos mais imediatos. Resolveu centrar o seu questionários sobre a construção da ideia de conforto, um ideal que todos procuramos viver, mesmo que não seja um dado adquirido e represente as vezes uma luta, a que não podemos ser indiferentes
Para o desenvolvimento desta ideia contou com a colaboração do cineasta e fotógrafo Roni Ahn e da jornalista de moda Bella Webb que realizaram um projeto digital, intitulado, S by sloggi, Comfort uncensored. Para os mentores do projecto a ideia era importante passar a mensagem que o que nos torna confortáveis como indivíduos nem sempre entra nos ideais de conforto da sociedade em geral, o que faz que o conforto seja algo muito pessoal
O projeto apresenta entrevistas aprofundadas com um conjunto diversificado de seis criativos que se recusam a secundarizar o seu conforto. Através das suas histórias transcritas discutem o significado de conforto, como se tornaram confortáveis na sua pele e as pequenas coisas que fazem para tornar o conforto parte do seu dia a dia. Neste conjunto de histórias pessoais temos retratos de indivíduos a expressar a sua identidade de género, repensando ideias restritivas de masculinidade ou simplesmente abraçando o seu sentido individual de estilo, cada um tem uma perspetiva única sobre o que significa estar confortável, tanto por dentro como por fora.
Heather Glazzard
Heather Glazzard é uma artista Queer do norte de Inglaterra que recentemente viu o seu trabalho Queer Letters divulgado na Vogue Italia. O seu trabalho tb foi exposto na Open Eye Gallery, em Liverpool. Heather vive em Londres com a sua namorada Nora
Podes falar um pouco sobre as Queer Letters?
Queer Letters trata-se de uma documentação que retrata a comunidade queer. O objetivo era dar visibilidade à diversidade da comunidade. Decidi tirar retratos de pessoas da comunidade queer e questiona-los sobre a sua visibilidade. Geralmente desloco-me aos lugares onde eles se sentem mais confortáveis para tirar uma fotografia. Começo sempre por perguntar onde se sentem mais confortáveis e geralmente respondem que é na sua casa, no quarto ou neste a parque onde estamos. Acho que as pessoas encontraram conforto em ler estas cartas. Recebo mensagens a referir isso. Alguém disse comentaram que os impressionou verificar que uma jovem muçulmana admitisse que era bissexual, porque isso simplesmente não é algo que aconteça com frequência na comunidade muçulmana.
Como começou este projecto?
Comecei a fazer terapia há cerca de um ano depois que meu pai falecer. Tinha um grande trauma pelo facto de ele ser alcoólatra. Meu terapeuta pediu-me para escrever para a criança que fui e dizer-lhe o quanto é amada agora. Foi um processo poderoso que me ajudou na minha saúde mental. Trazemos muitos traumas do passado e o processo de escrever traz muito conforto. Eu escrevo muitas cartas. Escrevo muito cartas à minha mãe, e no período em que perdi meu pai, também lhe escrevia muito. Podes escrever o que quiseres e não precisas de enviar a carta. Se escreves sabem que se vai tornar público, colocas-te numa posição muito vulnerável e provavelmente muito do que poderias querer dizer é perdido por uma espécie de auto-censura.
O que é conforto para ti?
Conforto pode materializar-se num espaço, mas tive que olhar para além dos parâmetros comuns da nossa sociedade para me sentir confortável. Quando me mudei de Manchester para Londres, sabia que se fosse direto para a comunidade queer, encontraria amigos imediatamente e ia sentir-me confortável rapidamente. Foi exatamente o que aconteceu. Confiança e conforto estão completamente alinhados.
O que te faz desconfortável?
Tinha muita raiva em mim. Em jovem armava brigas e discutia o tempo todo. Agora, a raiva vem de um lugar diferente e posso tratá-la com amor. Canalizo isso para o meu trabalho, porque aí a raiva pode torna-lo melhor. Neste momento o que me deixa em estado de raiva é o que muitos dos meus amigos estão passando em termos de políticas “trans.” Quando eu estava no hospital com minha perna quebrada, sofri muitos abusos – pessoas diziam-me para voltar para a Igreja. Precisamos evoluir como sociedade. Somos todos exatamente iguais, todos lutamos e lidamos com as nossas inseguranças. Todos nós temos coisas ruins acontecendo connosco, todos nós temos sucessos e fracassos. Só temos que perceber que somos todos humanos.
Tiveste momentos em que sentes que tiveste que te censurar?
Antes de me tornar freelance, tinha que me censurar muito nos locais de trabalho. Também tinha que me censurar junto do meu avô. Ele estava sempre a perguntar-me quando ia encontrar um homem que me fizesse feliz. Apenas ser visível já é uma forma de ativismo. Acho que chegaremos a um ponto em que as pessoas olharão para trás e acharão difícil acreditar que isso foi considerado radical. Em vinte anos, não teremos que ser ativamente visíveis, porque apenas seremos capazes de ser quem somos.
Sentes-te bem no teu corpo?
Acho que há apenas mais uma coisa que preciso fazer e estarei completamente confortável com quem sou. Eu preciso tirar meus seios, fazem sentir desconfortável. Para mim tornaram-se um trauma, uma dismorfia. Eles são muito grandes e muito pesados. Ter uma perna quebrada fez-me perceber que o mundo de repente pode tornar-se inacessível. Principalmente Londres. Um problema destes e não vais a lugar nenhum. Fico muito grata porque em poucos alguns meses a minha perna ficou melhor e em breve vou poder andar novamente. Agora dá-me vontade escrever aos políticos locais para perguntar porque é que não há mais elevadores. É algo sobre o qual nunca tinha pensado antes de quebrar minha perna, mas é evidente que todos nos devíamos ser capazes de ir a todo lado sem o confronto de obstáculos constantes
Tu crias quadros visuais, de que forma eles te ajudam a sair da tua zona de conforto?
O meu estado atual deixa-me claramente desconfortável, espero ultrapassar esta fase e começar a andar. Nesse momento vou-me sentir mais confortável. Os quadros visuais que crio ajudam-me a passar do desconfortável, ao confortável. Podem-me fazer relembrar que tenho que ultrapassar a vergonha de pedir às pessoas para pousarem para a minha câmara. Penso então como criar mecanismos para ultrapassar isso. Ou existem certas marcas para as quais quero trabalhar, então lanço o desafio de melhorar o meu trabalho com esse objectivo. Ou seja, é um quadro que te ajuda a visualizar em que estado estás e onde queres chegar, qual a próxima etapa para ser melhor.
Sobre o projecto
Este projecto permite que a coleção S by sloggi seja vista a partir de num conjunto de retratos fotográficos ousados, onde os intervenientes aparecem a espreguiçar numa simples t-shirt ou orgulhosamente com um espartilho. Nick Tacchi, Diretor Global de Marca e de Marketing da sloggi, espera que “retirando a auto-censura e testando os limites da nossa zona de conforto, todos possamos aprender a ter uma mente um pouco mais aberta. Muitos de nós ainda estamos a aprender que, para sermos verdadeiramente nós próprios, temos que, por vezes, deixar outras pessoas desconfortáveis e isso não faz mal”.
Com este projecto procura-se frisar o conforto sem censura e o mito de que este possa ser de tamanho único. Na verdade , o conforto é único para cada um. Tão essencial como um par perfeito de calças ou um soutien com um super suporte, uma base essencial para o dia-à-dia de todos.
O projeto pode ser visto em https://comfortuncensored.org/ e os seus criadores no Instagram em @bellawebb_ e @roniahn.