Entrevista a João Januário

Texto por Rafael de Sousa Vicente

João Januário terminou o curso de Technical Fashion Design pela Escola de Moda de Lisboa em Julho de 2015, e entrou em jogo. Não com o seu projeto, mas com um conjunto de jogadas que se revelaram cruciais quando o Fora de Jogo nascia a Novembro de 2019. Nesse período, as suas experiências envolvem Portugal, França e Inglaterra, em marcas como Litoral, Reality Studio, Etudes, CMMN SWDN, Alexandra Moura e Marques’Almeida. 

Outubro de 2020, trouxe a sua primeira coleção, SS21, a Study Of Lost Objects. A estreia na Moda Lisboa e o materializar do projeto colaborativo multidisciplinar que é o Fora de Jogo introduzida a ideia da reinterpretação de um objeto perdido e do seu peso na nossa identidade e comunidade. 

Com a AW21 Blurred Identities a Março de 2021, João marca pontos. O resultado e a atribuição do prémio do Sangue Novo da Moda Lisboa ao projeto. O objeto surge de novo, e mantém-se coerente na sua relação exploratória com a identidade. 

Na UNI-FORM FDJ x TINTEX SS22 CAPSULE, estende-se a identidade à comunidade, numa análise do que poderá ser um uniforme, em confronto com os ideias de masculinidade frágil e tóxica. Uma coleção que abre campo a um pensamento mais profundo, em contacto continuo com o designer que nos leva gradualmente a conhecer mais de si e de nós próprios. 

A conclusão inicial? Em três lances, João Januário está tudo menos Fora de Jogo. E o que se segue não será certamente diferente. Um universo criativo, sem regras.

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Como surge o design de moda na tua vida?

O design de moda surge de forma espontânea, o plano inicial era seguir arquitetura que é uma área que ainda hoje me interessa e inspira bastante. O meu avô era alfaiate, talvez o ‘bichinho’ tenha vindo daí mas sempre tive algum interesse em moda e quando estava a estudar Artes Visuais esse interesse foi intensificado e acabei por decidir parar esses estudos e mudar para Design de Moda. 

Onde realizaste os teus primeiros estágios, e como correram os primeiros contactos com a área da moda? Sentiste alguma quebra de expectativa entre o que esperavas e o que encontraste?

Os meus primeiros estágios foram logo após terminar o curso em Lisboa, segui para norte e estive nas marcas Litoral e Reality Studio, ambas com os estúdios no Porto. 

Em relação a expectativas, senti inicialmente que não estava muito bem preparado para a indústria e que também não tive o melhor apoio possível nas primeiras marcas por onde passei, mas acho que foi um bom primeiro impacto, eram marcas pequenas em que errar e aprender ainda era possível.

Quais as lições mais importantes que trazes das tuas experiências internacionais com as marcas Études e CMMN SWDN? Expandiram substancialmente os teus horizontes? 

Lições mais importantes que trouxe foram a da importância do trabalho em equipa, do coletivo e de ser humilde perante os desafios. Expandiram sim, a nível de universo moda é substancialmente diferente os métodos de trabalho e tempos em relação a Portugal e senti que de certa forma era mais ‘real’, os frutos do nosso trabalho diário eram visíveis e palpáveis.

Quando voltaste a Portugal, passaste pelo estúdio da Alexandra Moura, e pela Marques’Almeida – na última foste “Garment Technologist”. Conta-nos como correu esta experiência, em particular neste contexto mais técnico. 

O trabalho como Garment Tech na M’A foi o meu primeiro trabalho ‘a sério’ e foi uma escola enorme. A equipa em Portugal de suporte a Londres era muito pequena na altura e havia espaço para nos movimentarmos dentro dos diferentes departamentos, o que para mim sempre foi muito interessante perceber como uma marca funciona num todo. O método de trabalho era bastante livre, estávamos todos a trabalhar para o mesmo objetivo e a representar a marca o melhor possível junto dos parceiros. 

Como nasce o Fora de Jogo? E acreditas que, após terminares o curso, desenvolveres a tua experiência em diferentes projetos, antes de avançares com o teu, foi crucial?

O Fora de Jogo nasceu de uma necessidade minha de voltar a estar ligado a um universo mais criativo e sem regras, que é algo que ainda não encontrei até agora na indústria. 

Foi crucial ter passado por todas as outras experiências antes de iniciar o meu próprio projeto, preparou-me bastante bem para os diferentes desafios que tive de enfrentar até hoje. 

Muitos criadores, iniciam a sua carreira promovendo o seu nome ou criando uma marca independente que, posteriormente, realiza colaborações pontuais. No entanto, a colaboração está na gênese do teu projeto – apresentas o Fora de Jogo como um projeto colaborativo multidisciplinar. O que te levou a avançar neste sentido? 

Penso que em todas as marcas a colaboração está na gênese das mesmas, apesar de que depois o que é passado para o público não seja isso, sendo sempre a imagem do Creative Director que perdura quando uma coleção é apresentada. 

No Fora de Jogo em específico, as colaborações vem elevar o trabalho base que eu desenvolvo em cada coleção, sendo que dirijo as colaborações a áreas das quais não domino, como por exemplo a joalharia, surgindo aqui a colaboração com a Pilar do Rio na coleção final do Sangue Novo ‘Blurred Identities’ em Março 2021. 

O que te seduz em explorar os lost objetcs e contextualizá-los, e transformá-los em diferentes criações? 

A ideia é um bocadinho transmitir a sensação e sentimento que cada objeto me traz no momento de os adquirir, repensar as suas histórias passadas e a quem pertenciam antes de os encontrar. Eu trabalho muito os conceitos de identidade e comunidade e nesta perspetiva, alguns dos objetos marcam certos períodos e fases da minha vida que são refletidos nos conceitos das coleções. 

O teu foco está em colaborações com artistas de outras disciplinas ou pretendes colaborar também com outros criadores de moda nacionais, ou até internacionais? Está nos teus planos?

Por agora não está nos planos mas talvez num futuro, o projeto está muito em aberto e tem liberdade para fazer com que esse tipo de colaborações aconteçam. De momento o que vou procurando, como mencionei anteriormente, são colaborações em diferentes disciplinas que complementam a minha e elevem o trabalho desenvolvido em todas as coleções. 

Uma colaboração a destacar é também a com a Tintex para a tua coleção UNI-FORM, resultante da atribuição do prémio Sangue Novo da Moda Lisboa. Conta-nos como correu, e o que destacas da mesma como importante para um designer emergente? 

É uma colaboração bastante importante e foi uma experiência bastante positiva. É uma coleção ‘relâmpago’ como lhe chamo, desenvolvida em papel durante 3 semanas e posteriormente realizada fisicamente, mas achei que aí foi mesmo o ponto principal desta colaboração e residência na Tintex, o desafio de adaptar todo o meu processo de desenvolvimento de coleção como Fora de Jogo aos timings e materiais disponíveis para o fazer. A coleção desenvolvida originalmente não foi alterada durante os dois meses de make até ao desfile na ModaLisboa, achei importante manter-me fiel ao desenvolvimento inicial. Como follow up do concurso Sangue Novo, acho que é um prémio bastante bom na perspetiva de continuação de desenvolvimento de trabalho. 

O que podemos esperar de ti e do Fora de Jogo para os próximos tempos? Planos definidos que possas partilhar? 

Sem grandes planos definidos para o futuro mas continuar a apostar no projeto e a desenvolver trabalho nas áreas em que o projeto está envolvido. Em perspetiva pessoal/ profissional, continuar também a minha jovem carreira na indústria e apostar em novos desafios.

Texto de Rafael de Sousa Vicente para PARQ_72.pdf (parqmag.com)