texto de Carla Carbone

fotografia de Cláudia Rocha / Lisbon By Design

Lisbon by Design regressou a Lisboa para a sua terceira edição. Com esta iniciativa, a directora do evento, Julie de Halleux ,tem vindo a insistir na recuperação de tradições e técnicas locais que vão sendo, a pouco e pouco, ameaçadas pela extinção. Muitos dos trabalhos presentes no evento, apresentam um cunho curatorial coeso e uniformizador, no sentido em que apontam para a manutenção e preservação de técnicas tradicionais regionais portuguesas, uma vez que muitas, elencadas nas profundezas do país, e activadas por gerações de artesãos já envelhecidos, ameaçam desaparecer.

cerâmicas da vago ceramics + tapeçarias da Carolina Vaz Studio + banco azul da Tosco Studio

É nesse sentido que, o corpo de trabalho, exibido na feira, Lisbon by Design deste ano, tem dado continuidade a peças que revelam – promovido pelos designers – um diálogo entre opostos, como o é a relação (no projecto) entre o contemporâneo e o tradicional, entre o sintético e o natural.

Desde a desconstrução da ideia de design como lugar para a produção de objectos inequivocamente ligados à indústria que as formas pululam, crescem, distendem-se, metamorfoseiam-se, e ganham compleições inusitadas e inesperadas.

O diálogo que se estabelece entre o designer e o artesão, os ensinamentos e os saberes ancestrais dos últimos, assim como a escuta dos materiais e as respostas e caminhos que apresentam aos designers também contribuem para um desenvolvimento da disciplina e para uma ideia muito mais sustentada e concertada da prática projectual.

cerâmicas da vago ceramics + tapeçarias da Carolina Vaz Studio

Um olhar mais atento sobre o tema do ambiente conduziu, igualmente, a uma mudança de paradigmas, bem como a um enriquecimento de soluções e meios processuais. Tema este que está longe de ter terminado as suas batalhas, e se tem elencado numa observação muito mais centrada na natureza e nos seus recursos.

O antropocentrismo está, a pouco e pouco, a dar lugar aos fundamentos do ecocentrismo, e com essa transformação estamos a assistir também à progressiva aceitação de formas e objectos que proclamam o direito à transfiguração, à contínua mutação, à experimentação, e à qualidade do erro e do inacabado.

Era Andra Branzi que dizia que tínhamos tanto, linguística e analogicamente, capacidade para operarmos com tecnologia avançada, assim como, no momento imediatamente a seguir, com materiais naturais da floresta. O design deixou de responder a um padrão único de pensamento, ou a uma ideia universal e unitária assente em postulados oriundos de lógicas racionais de produção. E são essas mudanças no pensamento que contribuem para os exemplos que observamos hoje, em feiras de design e em exposições cujos princípios curatoriais reforçam essa problematização em torno de questões globais e locais.

Galeria Bessa Pereira com reedições do Banco (Pata Negra) de Fernando Brízio

O design do evento Lisbon by Design tanto evidencia a capacidade dos designers trabalharem em torno do novo, como a repescarem o mais remoto, para fins de futuras inovações e soluções mais adequadas à necessidades de hoje. Necessidades essas que vão encontrar os saberes, muitas vezes, aos mais antigos artesãos, e que os designers sabem tão bem hoje reconhecer e valorizar.

Por esse motivo, podemos observar, no evento Lisbon by Design, à presença de objectos de design que atestam, por parte dos seus diferentes criadores, um cuidado nos materiais, um trabalho atento e dialogante com as suas diferentes propriedades, e uma sempre presente preocupação de natureza ambiental nas suas diversas propostas. Existe também uma preocupação, através de um pensamento de contemporaneidade, de trazer a lume a preservação de tradições, com vista a novas soluções e inovações.

Criação têxtil de Vanessa Barregão na Galeria AnaLora

Por outro lado, também se observa, um retorno libertador às formas do período moderno, sobretudo o evocativo da primeira metade do século XX, agora sem tabus, sem preconceitos, assumindo a sua adopção com satisfação e alguma vitalidade e frescor, orientando assim, a sua riqueza e criatividade, para o tempo presente e para um novo futuro. Dentro dessa categoria de objectos podem observar-se as pequenas esculturas de Vânia Gonçalves, especialmente as peças I´m free now, e Fit in, de 2023; os bordados à mão de Carolina Vaz, como a série Mater(ia), composition #3, 2023; as peças Hand in Hand de Sofia Cruz (Krus), como Blue Face of a Woman Facing the Sky, Stratus Cloud Sofa, Blue Bodies on a Folding Screen, entre outros, todos despertando uma alegria e jovialidade na sua fruição e utilização, uma celebração do moderno na sua plenitude, e de um passado dos grandes mestres do século XX. Na continuidade desta ideia de retorno a modelos que parecem evocar o fascínio pelos artistas e pintores da primeira metade do século XX, podemos mencionar a Oficina Marques, e as suas pequenas figuras, cada uma, carregada de significados e referências simbólicas; Laura Vitorino Rebelo, também invoca um passado de referências abstractizantes por meio de dialogues between memories, uma série de pinturas que aludem, igualmente, a um recurso à paisagem e, em simultâneo, a um certo experimentalismo cromático.

Os têxteis de Vanessa Barragão iniciam a exposição no Palácio Gomes Freire, e concebem ao evento uma nota de continuidade com relação à edição do ano passado, no sentido de uma preocupação de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, de compromisso com a natureza.

Krus Studio

Podem ser observadas ainda, peças de uma impressionante contemporaneidade como a exemplo as apresentadas pelo estúdio CabanaMad, de um frescor e experimentalismo entusiasmante e vigoroso; os candeeiros incríveis de Martinho Pita, em vidro suprado, em forma de cone, e de cores vibrantes ( de uma contemporaneidade irrepreensível, e que o próprio designer chamou de clássico contemporâneo); a riqueza na representatividade da Galeria Bessa Pereira, com a presença das peças de Fernando Brízio, os bancos pata negra, os assentos coloridos, translúcidos, em vidro de Murano, de Hamrei, as formas de Silva Sancho, e as estruturas metálicas curvas de Toni Grilo.

Rui Tomás na Burel Factory apresenta, uma instalação de peças, de grande variedade, (e num sentido de uma arte total), a sala expositiva que ocupa, evidencia um trabalho curatorial e um lay-out expositivo de grande qualidade, onde podem ver-se dois sofás, de excelentes acabamentos, e um mobiliário, como estantes (Ilha), ou outras unidades, em madeira e burel. O mesmo espaço encontra-se coroado por uma estrutura curvilínea suspensa, em tom laranja, também do mesmo material.