Texto de Tatá Seixo Garrucho
Começa hoje o Slit Festival, com um mercado de arte e exibições artísticas de acesso gratuito na Associação Cultural Arrepio, localizada na Graça. À noite, Phaser, NICØ, Keyla Brasil, Nkechi, Blood of Aza, River Moon, Taahliah, Goth Jafar e Ecstasy irão atuar no LAV (Lisboa ao Vivo), em Chelas.
No contexto do festival, a Parq entrevistou Phaser e NICØ, dois músicos emergentes nacionais. Ambos aprenderam ainda enquanto crianças a tocar instrumentos musicais (Phaser tocava guitarra, NICØ tocava bateria e guitarra). Enquanto cresciam iam moldando a sua identidade sonora e percebendo com o que é que se identificavam mais.
Depois de terem tocado com bandas de géneros musicais variados, encontraram o seu caminho no mundo da eletrónica. Phaser tem editado o vídeo-álbum “Genesis”, que possui também um álbum de remixes de váries artistas da cena eletrónica de vanguarda portuguesa. NICØ, apesar de não ter nenhum trabalho oficial publicado, tem vários vídeos no seu canal de Youtube e Tik Tok disponíveis.
Têm pisado vários palcos nacionais, sozinhos ou em boa companhia. A entrevista abaixo descrita apresenta de forma breve o percurso destes artistas, assim como o seu ponto de vista sobre o estado da arte da música eletrónica contemporânea.
PARQ: Como e quando começaram a produzir música? E quando é que o vosso trabalho começou a ter reconhecimento?
Phaser: Aprendi a tocar guitarra ainda novinho. Comecei a aprender sozinho e depois tive aulas desde a primária até ao início do secundário, saltei várias escolas e alguns professores, até que um professor, que por acaso foi o meu favorito, me disse que nao tinha nada para me ensinar e que eu devia procurar traçar o resto do meu caminho musicalmente.
Acho que isso me moldou muito na altura e comecei a interpretar e compor como uma forma de expressão pessoal e artística sem me aperceber. Sempre o fiz por ser divertido, sempre me trouxe felicidade, e nesse ponto começou a ser mais introspectivo. Antes de começar este projeto como phaser, era guitarrista e vocalista numa banda de garagem de math-rock/indie-rock durante 3 ou 4 anos, éramos os Color Ivy. Pela altura da faculdade cada um seguiu o seu rumo e separamo-nos, e comecei a aprender a produzir a solo. Foi aí que comecei o projeto phaser. Não me lembro de um ponto específico em que consiga dizer “foi aqui” mas sei que foi com o Genesis que mais me senti visto e ouvido.
NICØ: Desde os 4 anos de idade que estudo bateria. Comecei por estudar jazz e mais tarde aprendi guitarra, com 9 anos. Apenas comecei a produzir música electrónica após assistir a um concerto da Caterina Barbieri nas Carpintarias de São Lázaro, foi algo que nunca esquecerei. Entretanto integrei alguns projectos em banda, como Kayenne Hardi, uma banda trip-hop formada em 2020 com Drunfaria e Clauthewith. Comecei por tocar livesets com uma série de hardware em festas de amigos e depois criei um canal de YouTube em que postava algumas das minhas performances. Acho que o meu trabalho começou a ser maioritariamente reconhecido na internet e só mais tarde tive oportunidade de tocar ao vivo em Lisboa.
PARQ: Qual é a vossa perspetiva sobre o panorama musical de eletrónica no nosso país?
Phaser: Como artista queer, sinto uma lacuna na aceitação institucional do nosso trabalho. Antes de ser phaser, já me armava em DJ, sobre pseudonimos que só sabe quem sabe, cresci imenso na pista de dança e para mim o clubbing e a criação musical partilham muitas nuances.
Tenho vindo a conhecer pessoas incríveis que me moldaram infinitamente, e graças a isso criei ligações para a vida inteira e encontrei artistas que me mostraram partes de mim que nunca teria descoberto. Foi como DJ que comecei a ter contacto com a logística de ser o meu próprio manager e de criar laços e caminhos até aos Clubs e a Venues.
Desde que conheci Bejaflor e de que me abordou com a proposta de incorporar e ajudar a crescer e moldar um recente coletivo e label, vi uma casa e um lar para artistas como nós, sem lugar institucional, e foi desde então que deixei de ver o panorama musical eletrónico do país como estático ou algo que não pudesse influenciar.
A Æ para mim desmistifica o panorama musical, quando o objetivo é criar, sem jogos de ego com vários anos de vida, sem círculos de programação viciosos, sem ganância, o jogo é outro. Cresci muito a observar os artistas de música eletronica e os DJs, e estou entusiasmado para cada vez mais me entregar ao panorama nacional.
NICØ: Enquanto músico independente sinto-me bastante grato por todas as oportunidades que me têm proporcionado. Tocar ao vivo é o que mais gosto de fazer e quero sempre dar o meu melhor. As pessoas que me rodeiam são muito importantes e partilhar o meu percurso com os meus amigos é tudo o que poderia desejar. Existe uma grande lacuna no mundo da música em Portugal em relação a oportunidades a novos artistas e a coisa que mais odeio é a falta de plataforma para pessoas talentosas e esforçadas.
A Æ é uma plataforma que desafia todo o conceito de monopolização estrutural intrínseca à cena musical que infelizmente prioriza consecutivamente artistas que já dispõem de uma plataforma. A arte deve chegar a todos e ser partilhada sem qualquer barreira intelectual elitista. No entanto acredito fielmente que é possível quebrar essas barreiras que afetam negativamente a expressão artística através da partilha e comunidade.
PARQ: Não é a primeira vez que atuam juntos. Podemos esperar um live act ou DJ Set no Slit Festival? Caso seja live, qual o gear que vão usar?
NICØ e Phaser: Vamos fazer um híbrido entre DJ Set e Live Act, usamos algumas backing tracks que nos proporcionam liberdade para improvisar com efeitos, instrumentos e voz ao vivo. Vamos usar um sintetizador modular, synths granulares e principalmente o pc como um instrumento.
PARQ: Tencionam lançar algum EP ou álbum fruto deste projeto?
NICØ: Tenho um EP intitulado “Mimeophøn” que irá sair pela Rotten/Fresh ainda este verão, com participações do Phaser e da Clauthewitch. Enquanto membro da Æ, editora pop/avant-pop/electrónica fundada por Bejaflor e Xaulara, tenciono lançar o meu álbum de estreia ainda este ano.
PARQ: Uma pergunta agora apenas direcionada a NICØ, foste tu que construíste algum dos teus sintetizadores? E, já agora, como foste parar ao universo dos sintetizadores modulares?
NICØ: O meu primeiro contacto com o mundo dos sintetizadores foi com um Volca FM. Depois comprei um semi-modular – o Make Noise 0-Coast – e desde aí não consegui largar esse mundo. Construí a minha primeira rack com uma caixa de vinhos com 54hp e comprei os primeiros módulos. Depois construí um módulo de samples com um Teensy e desde aí que tenho comprado e vendido vários módulos. Acho que é uma viagem sem fim e parte da diversão está em experimentar novas cenas. Para mim o modular é como qualquer outro instrumento e visto que a música electrónica tem tendência a soar demasiado perfeita quando é composta 100% num computador, gosto de recorrer ao sintetizador modular para tocar de maneira mais expressiva.
PARQ: E Phaser, existe já algum sucessor do Genesis?
Phaser: O sucessor do Genesis é o meu primeiro álbum musical, uma celebração de ter encontrado o meu som depois da procura do Genesis, e a minha voz. Chama-se “forever*online”. Acredito que os álbuns se montam sozinhos, enquanto produzia não houve nenhum momento em que estivesse a fazê-lo com um conjunto em mente, a minha abordagem sempre foi produzir produzir produzir e deixar ficar, para mais tarde (amanhã, daqui a uma semana ou um mês) quando tiver algo a dizer ou souber alguma forma nova de o fazer, pegar nisso de novo.
Um dia juntei tudo o que tinha e clicou, percebi que estava na altura de compilar e dar forma à esta sonoridade, longe da conceptualidade ou introspecção do Genesis, puramente e exclusivamente sonoramente eu.
Phaser e NICØ tocam às 22 horas no Lisboa ao Vivo. Existem ainda bilhetes à venda nas plataformas Ticketline e Resident Adviser e haverá também bilhetes à porta do LAV.
Endereço do Lisboa ao Vivo: Av. Mar. Gomes da Costa 29 B1, 1800-255 Lisboa
Endereço da Associação Cultural Arrepio: Travessa da Pereira 35A, 1170-312 Lisboa