O melhor de 20024

CAVEIRA

texto de Hugo Pinto

CAVEIRA é uma força da natureza. Já andam nisto há 20 anos, com várias formações, sempre a desbravar caminhos nada fáceis. O projeto do guitarrista Pedro Gomes tem o impacto de um mur(r)o e a alma de um relâmpago. O álbum ficar vivo saiu em Março pela Shhpuma e foi uma galocha numa poça de água suja. É um rock mas é tão mais que isso. Não é fácil, não é pop, não se ouve ao fundo, esborracha-se na nossa fronha. São três longos temas com várias layers de compreensão. Com variadíssimos modos de destrinçar e a pedirem fruição. Isto é música para adultos, longe do previsível refrão e mais perto do avacalho momentâneo. Embora pareça, nada é casual aqui. Há muito estúdio e muita alma, muito detalhe no noise, muito ar naquele sax, muito groove no baixo e tanto comedimento na bateria. O free ajuda sempre. Dá asas ou bilhetes de avião a quem souber conduzir. Ao vivo tudo aquilo rebenta.

No OutFest do Barreiro, Pedro Gomes atuou quase sempre de costas para o público, virado para quem lhe interessa, uma parede de amps. Pelo meio havia pedais, os tijolos sónicos que ele, naquele preciso momento, engendra. A seu lado Miguel Abras tinha Simonon no baixo. Não o do reggae mas o da energia de 77. Abras tem um groove punk notável, algo idiossincrático porque é de muitos tempos diferentes, de muitas ondas, de vários mares. (Ninguém no mundo com aquele ar, faz aquele som. É delicioso).Na frente de palco, Pedro Alves Sousa dava-lhe muito bem no saxofone tenor.

Pedro faz carreira no jazz. No free jazz mais especificamente. Tem talento mas a mim impressiona-me o seu ouvido. A capacidade de entrar e sair sem pedir licença mas no momento oportuno. No Barreiro esteve expansivo, liberto de constrangimentos, como se quer. E depois há Gabriel Ferrandini, um dos grandes bateristas de jazz da atualidade. No Gabriel impressionou-me a capacidade de não se impor. É raro um baterista ser tão ciente de si próprio. Ter a capacidade de ser arrasador e ainda preferir aquela delicadeza. Sim, Gabriel é tecnicamente rápido e bate com força quando é preciso, mas eu gosto que ele se contenha e prefira o imprevisível detalhe.

Ao vivo, CAVEIRA não é para todos mas a ninguém é indiferente.

texto publicado em parqmag.com/wp/pdf/PARQ_81.pdf