Estranhos mutantes
Texto por Francisco Vaz Fernandes
A Arte não conhece limites espaciais ou temporais. Este poderia ser o resumo perante as práticas criativas de Alessandro di Giampietro, artista italiano, residente em Milão que começou a sua vida profissional como fotógrafo de moda. Ainda se considera como tal, porque nunca dissociou a fotografia de moda como uma forma de arte. Contudo, os imperativos comerciais fizeram com que as fronteiras da fotografia de moda fossem cada vez mais apertadas, deixando-o sufocado e sem espaço de liberdade para que a criatividade acontecesse.
O seu trabalho, no mundo da moda foi sempre alimentado por outras artes que aconteciam na vizinhança, porque tinha atelier no Stecca, uma antiga fábrica no centro de Milão que juntava grande parte dos jovens artistas da sua cidade, nos mais diversos domínios. Foi dentro dessa comunidade que surgiram os primeiros convites para participar em exposições coletivas, onde mostrava essencialmente retratos fotográficos. Passamos então a encontrar retratos de pessoas amigas que surgiam desfigurados, ganhando uma dimensão grotesca, inesperada para quem tinha um percurso onde, no essencial, se exaltava a beleza. Os seus Golden Boy (2010) eram uma reconstrução de rostos que se completavam a partir da junção de diferentes polaroids rasgadas. Todo o processo era em si, um ato violento e imediatista em que as partes se fixavam através de agrafos, como se os sujeitos tivessem sido submetidos a um cirurgia deixando visível cicatrizes e deformidades.
A dimensão grotesco que encontramos nestes retratos permite o artista conduzir o espetador e a si próprio para além do imediatismo das aparências que apenas nos faz chegar a um reconhecimento. Para Alessandro di Giampietro, a arte é uma oportunidade de vivermos uma mutação que nos leve a um ato de passagem, possibilitando ser um outro. Contudo, é uma passagem que requer uma mediação que se faz pelo artifício que se torna fulcral na sua obra. Tal como acontecia no mundo mitológico, o rito, é a chave do ponto de passagem não podia ser vivido sem qualquer artifício. Ou seja, ele não podia ser vivido, sem os acessórios que transfiguravam e faziam a passagem para além das aparências. De certa forma as obras produzidas por Giampietro são acessórios que tanto podem aparecer autónomos numa instalação como podem estar ao serviço de performances ou de sessões fotográficas. São os seus artifícios que permitem que a arte aconteça de uma forma muito alargada.
Em 2014 durante uma residência artística patrocinada pela Fiorucci Art Trust (maiores colecionadores de arte contemporânea em Itália), os seus artifícios serviram de trajes e máscaras na série de fotos que se produziram durante essa temporada. Foram igualmente os acessórios de jantar performativo, a que chamou, Party Monster Dinner – the invisible visible, (2014) onde todos os convidados eram vistos como performers, partes de uma cena, sem guião nem limites pré-definidos. Ou seja, todos automaticamente passaram a representar e tornaram-se num outro, mesmo que apenas lhes fosse pedido para viver a experiência, e mais que isso, a vida.
A obra de Alessandro di Giampietro procura constituir comunidades em seu torno, faz com que a sua obra seja profundamente inclusiva. Ela não questiona as identidades tal como foi corrente nos artistas da sua geração, porque nesses jogos em que envolve o espetador – performer, é sempre um outro permitindo toda a alteridade -política, racial e sexual que enriquece qualquer comunidade. Também em termos de espaço da arte também tudo é muito fluído, porque em geral não define as suas fronteiras mesmo onde podemos ver os limites. Por exemplo em Net work 2017 – nomadic studio storage (2013) a fronteira era um linha esvoaçante construída por panos de uma tenda e que nos remete para algo de efémero e nómada.
Mais recentemente em Liubliana onde o artista residiu durante os últimos anos, a questão da interdisciplinaridade foi surgindo com mais frequência, voltando a expandir as fronteiras do seu trabalho com tal o próprio espaço da arte. Muitos dos trabalhos que desenvolveu nessa cidade passaram muito pela colaboração com músicos , uma componente que passou a estar cada e mais presente, o que me leva a ver a obra de Giampietro como uma obra total como referia inicialmente.
Artista representado na galeria Cabana Mad, Lisboa www.cabanamad.com
texto por Francisco Vaz Fernandes para PARQ 68 Dezembro de 2020