Texto de Patrícia Cêsar Vicente

Ilustração de Nicolae Negura

Há uma música da Beyoncé que diz que a perfeição é a doença da nação. Estão espalhadas mensagens de aceitação por toda a parte, que nos devemos aceitar a nós e aos outros tal como são (pessoas que mastigam de boca aberta incluídas). Mas a verdade é que neste momento há meio mundo tão recetivo, a tentar largar preconceitos, a fazerem manifestações, campanhas publicitárias que abrangem pessoas de todas as idades, géneros, etnias, tudo e mais alguma coisa. E 50% do mundo está a lutar pela igualdade e 38% continua a acreditar que só há um padrão de beleza, um tom de pele que deve ser aceite, e que homem com homem ,ou mulher com mulher não dá. E se falarmos de pessoas transgénero com esses 38% é guerra aberta até à época da Covid-32, e atenção que só vamos na 19. Nesses 38% estão incluídas pessoas que usam o que está escrito na bíblia como um género de procuração passada por Deus.

ilustração de Nicolae Negura

Tenho por hábito ir à Feira do Livro e juro que nunca vi por lá Deus a autografar bíblias, se Ele algum dia aparecer vou perguntar-lhe se Ele condena o casamento entre os dois sexos e assim. Aposto que me vai responder que ele não disse nada disso e quer é que as pessoas sejam felizes. Até porque a mensagem dele é clara: “Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei.” Lá está, ele não se pôs a fazer distinções ou viu diferenças! Até porque aquela união de Adão e Eva nem correu bem. Foram expulsos do dito paraíso. Acreditam mesmo que se chatearam por causa de uma maçã? Mas tudo bem, se calhar até foi. Talvez Adão gostasse de maçãs Royal e Eva preferia maçãs Gala ou Reineta. Acho que os Isaías, os Pedros e esses todos que lá têm passagens bíblicas parecem aqueles jornalistas da CMTV. Ao lado, ou então, tudo demasiado dramático. Ah e quanto aos 12% que faltam, são aqueles que não fazem ideia do que acontece no mundo, se lhes perguntarem o que pensam sobre o horror do Holocausto vão responder que só costumam ir ao Urban à sexta-feira, estão a ver? Fonte desta estatística? Não há. É minha. Observei e ouvi pessoas nos cafés, à saída de igrejas, nas filas do autocarro, filas do supermercado, nas lojas da Avenida da Liberdade. É uma fonte fidedigna? Claro que não, sou só eu. Mas acredito que muitos de vocês vão concordar com os resultados. Até porque todos nós nos deparamos diariamente com situações de preconceito. Seja ele como for, todos nós vemos, observamos, sentimos e também somos preconceituosos. Dizemos para nós próprios que amanhã vai ser diferente, que vamos construir todos juntos um mundo melhor. E de que forma? Vamos continuar obcecados com a perfeição? Nunca vamos sair à rua e o mundo será perfeito. Nem sempre vamos ter as atitudes mais corretas e é difícil ser-se a sua melhor versão todos os dias. Não vamos ser sempre gentis com os outros e com os nossos. Queremos espalhar amor e coisas positivas, mas se estivermos perto de uma pessoa que teve um dia mau e quer desabafar nós afastámo-nos porque é logo considerada uma pessoa tóxica ou negativa. E nisto a palavra de ordem é empatia num salve-se quem puder, em que muitos estão pelos outros mas que tantas vezes não estão por si mesmos. Aceita-te tal como és mas também não sejas assim. Ainda vivemos num mundo onde amar é crime, beijar é pecado e mulheres que não desejam ter filhos deviam arder na fogueira. Mas enquanto tudo isso acontece, também acontecem pessoas maravilhosas com quem nos cruzamos diariamente. Heróis silenciosos, amortecedores de dor, palavras que nos inspiram e momentos de esperança. A Beyoncé tem razão, a perfeição é a doença da nação. Porque não somos perfeitos, e séculos de história não foram suficientes para aprendermos que não sermos perfeitos só faz de nós humanos. Uma condição perfeitamente aceitável e digna de amor para com os outros e nós próprios.

texto de Patrícia César Vicente e ilustração de Nicolae Negura para a revista PARQ #69 Março 2021 PARQ_69.pdf (parqmag.com)